Devemos ter cuidado ao ouvir acusações de que um Papa caiu em heresia
Vez ou outra, na História da Igreja, surge uma pessoa ou um grupo acusando esse ou aquele Papa de ter caído em erros de fé ou mesmo em heresia. Vejamos, de modo sucinto, o caso de cinco Papas acusados ao longo da história.
Calisto I (217-222), assim como seu
antecessor Zeferino, condenou os que negavam a Santíssima Trindade, uma
vez que esses hereges (renegadores da fé), chamados de patrissianos,
ensinavam ser Deus Pai e Deus Filho a mesma pessoa, portanto o Pai
também morreu na Cruz com Jesus. Inimigos do Papa, como Hipólito e
Tertuliano, tidos por cristãos sérios e rigoristas, julgaram, no
entanto, que Calisto fora mole ou laxista por ter demorado fazer a
condenação dos patrissianos.
Mais: naquele tempo, só se perdoavam
os chamados “pecados canônicos” – como a negação da fé durante uma
perseguição, o adultério e o homicídio – na hora da morte, depois que o
culpado fizesse forte penitência. Calisto, porém, mudou a prática e deu
perdão a esses pecadores readmitindo-os à vida da Igreja. Foi,
novamente, criticado pelos mesmos inimigos, mas a própria história se
encarregou de mostrar quem era quem: o Papa Calisto I morreu mártir por
defender a fé, já Hipólito ficou o primeiro antipapa da história e
Tertuliano abandonou a Igreja.
Libério (352-366) foi acusado injustamente de ser partidário do arianismo (o
“Filho de Deus” seria a primeira e mais digna criatura do Pai). Libério
se recusou a cair nas chantagens do imperador herege Constâncio e não
quis, como desejavam os arianos, censurar Santo Atanásio, maior
adversário dessa corrente. O imperador condenou o Papa ao desterro por
dois anos, em Trácia, mas pressionado pelo povo teve de trazê-lo de
volta a Roma. Já na Cidade Eterna, Libério subscreveu a chamada 3ª
fórmula do Concílio de Sirmio. Daí, as acusações de heresia. No entanto,
não se pode dizer que a fórmula em si é herética, mas, sim, omissa em
alguns pontos. Ainda: aquele Papa não empenhara sua infalibilidade e não
era um Concílio Ecumênico (universal).
Anastácio II (496-498), por sua índole
pacífica de tentar aproximar cristãos dissidentes, foi acusado por
tradicionalistas ferrenhos de ser favorável ao cisma (desobediência sem
negar verdades de fé) e de romper com os ensinamentos dos Papas
anteriores. Por isso, deveria padecer de uma morte horrível. Isso,
porém, não aconteceu.
Honório I (625-639) foi um Papa muito
acusado, inclusive de heresia. Por qual razão? – Porque, no Oriente, o
Patriarca Sérgio ensinava o monotelismo,
ou seja, em Cristo havia uma só vontade, a divina. Consultado, o Papa
escreveu a Sérgio com certa falta de clareza. Em uma segunda carta,
afirmou que em Cristo há, sim, duas naturezas: a divina e a humana, mas a
segunda obedece à primeira. Ora, o experto patriarca torceu esses
dizeres a seu favor. Daí, a crítica ao Papa.
Seu sucessor, Papa João IV (640-642),
condenou o monotelismo, mas não reprovou Honório; já o VI Concílio
Ecumênico de Constantinopla (692) censurou os defensores do monotelismo
incluindo aí também o Papa Honório I. Tendo recebido as atas do referido
Concílio, o Papa Leão II (680-681) afirmou que Honório pode ter sido
negligente ou tolerante com os erros de Sérgio, mas não herege.
João XXII (1316-1334), foi acusado por
ter dito que as almas no céu não gozam da visão beatífica de Deus logo
após a morte (como era opinião comum). Tal visão só se daria após o
juízo final. Foi tido por herege, mas logo teólogos e canonistas
demonstraram que essa opinião do Papa fora proferida em sermão
particular. Ademais, essa não era doutrina definida. Aliás, João XXII
escreveu importante documento afirmando sua fé na visão beatífica,
imediatamente depois da morte. Bento XII, seu sucessor, valeu-se desse
escrito, na Constituição Benedictus Deus sobre o tema, em 1336.
Esses poucos dados demostram o quanto
devemos ter cuidado ao ouvir acusações de que um Papa cometeu erros
doutrinários e/ou caiu em heresia.
Vanderlei de Lima é eremita na Diocese de Amparo (SP).
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