A liturgia deste domingo sugere-nos uma
reflexão sobre a nossa responsabilidade face aos irmãos que nos rodeiam.
Afirma, claramente, que ninguém pode ficar indiferente diante daquilo que
ameaça a vida e a felicidade de um irmão e que todos somos responsáveis uns
pelos outros.
A primeira leitura fala-nos do profeta
como uma “sentinela”, que Deus colocou a vigiar a cidade dos homens. Atento aos
projetos de Deus e à realidade do mundo, o profeta apercebe-se daquilo que está
a subverter os planos de Deus e a impedir a felicidade dos homens. Como
sentinela responsável alerta, então, a comunidade para os perigos que a
ameaçam.
O Evangelho deixa clara a nossa
responsabilidade em ajudar cada irmão a tomar consciência dos seus erros.
Trata-se de um dever que resulta do mandamento do amor. Jesus ensina, no
entanto, que o caminho correto para atingir esse objetivo não passa pela
humilhação ou pela condenação de quem falhou, mas pelo diálogo fraterno, leal,
amigo, que revela ao irmão que a nossa intervenção resulta do amor. Na segunda
leitura, Paulo convida os cristãos de Roma (e de todos os lugares e tempos) a
colocar no centro da existência cristã o mandamento do amor. Trata-se de uma
“dívida” que temos para com todos os nossos irmãos, e que nunca estará
completamente saldada.
1ª leitura: Ez.
33,7-9 - Ambiente
Ezequiel é conhecido como “o profeta da
esperança”. Desterrado na Babilônia desde 597 a.C. (no reinado de Joaquin,
quando Nabucodonosor conquista Jerusalém pela primeira vez e deporta para a
Babilônia a classe dirigente do país), Ezequiel exerce aí a sua missão
profética entre os exilados judeus. A primeira fase do ministério de Ezequiel
decorre entre 593 a.C. (data do seu chamamento) e 586 a.C. (data em que
Jerusalém é arrasada pelas tropas de Nabucodonosor e uma segunda leva de
exilados é encaminhada para a Babilônia). Nesta fase, Ezequiel procura destruir
falsas esperanças e anuncia que, ao contrário do que pensam os exilados, o
cativeiro está para durar… Eles não só não vão regressar a Jerusalém, mas os
que ficaram em Jerusalém (e que continuam a multiplicar os pecados e as
infidelidades) vão fazer companhia aos que já estão desterrados na Babilônia. A
segunda fase do ministério de Ezequiel desenrola-se a partir de 586 a.C. e prolonga-se
até cerca de 570 a.C. Instalados numa terra estrangeira, privados de templo, de
sacerdócio e de culto, os exilados estão desesperados e duvidam da bondade e do
amor de Deus. Nessa fase, Ezequiel procura alimentar a esperança dos exilados e
transmitir ao Povo a certeza de que o Deus salvador e libertador – esse Deus
que Israel descobriu na sua história – não os abandonou nem esqueceu.
Pelo conteúdo, não é possível dizer de
forma clara se o texto que hoje nos é proposto como primeira leitura pertence à
primeira ou à segunda fase da atividade profética de Ezequiel. Em qualquer
caso, ele define – recorrendo à imagem da sentinela – a missão profética: o
profeta é, entre os exilados, como uma sentinela atenta, que escuta os apelos
de Deus e que avisa o Povo dos perigos que aparecem no horizonte da comunidade.
Mensagem
A imagem da sentinela aplicada ao
profeta não é nova. Já Habacuc (cf. Hb. 2,1), Isaías (cf. 21,6), Jeremias (cf.
Jr. 6,17) e mesmo Oseias (cf. Os. 5,8) recorrem a esta figura para definir a missão
profética.
O que é que significa dizer que o
profeta é uma “sentinela”? A sentinela é o vigilante atento que, enquanto os
outros descansam, perscruta o horizonte e procura detectar o perigo que ameaça
a sua cidade, os seus concidadãos, os seus camaradas de armas. Quando pressente
o perigo, tem a obrigação de dar o alarme. Dessa forma, a comunidade poderá
preparar-se para enfrentar o desafio que o inimigo lhe vai colocar. Se a
sentinela não vigiar ou se não der o alarme, será responsável pela catástrofe
que atingiu o seu Povo.
Assim é o profeta. Ele é esse guarda
que Jahwéh colocou no meio da comunidade do Povo de Deus, para perscrutar
atentamente o horizonte da história e da vida do Povo e para dar o alarme
sempre que a comunidade corre riscos.
Para que o profeta seja uma sentinela
eficiente, ele tem de ser, simultaneamente, um homem de Deus e um homem atento
ao mundo que o rodeia.
O profeta é, antes de mais, um homem
que Jahwéh chamou ao seu serviço. Eleito por Jahwéh, chamado para o serviço de
Jahwéh, ele vive em comunhão com Deus; e nessa intimidade que vai criando com
Deus, ele descobre a vontade de Deus e aprende a discernir os projetos que Deus
tem para os homens e para o mundo. Ao mesmo tempo, o profeta é um homem do seu
tempo, mergulhado na realidade e nos desafios da sociedade em que está
integrado; conhece o mundo e é capaz de ler, numa perspectiva crítica, os
problemas, os dramas e as infidelidades dos seus contemporâneos.
Ao contemplar os planos de Deus e a
vida do mundo, o profeta dá-se conta do desfasamento entre uma realidade e
outra. Apercebe-se de que a realidade da vida dos homens é muito diferente
dessa realidade que Deus projetou.
Diante disto, o que é que o profeta
faz? Sacode a água do capote e diz que não é nada com ele? Fecha-se no seu
mundo cômodo e ignora as infidelidades dos homens aos projetos de Deus?
Demite-se das suas responsabilidades e não se incomoda com as escolhas erradas
que os seus irmãos fazem?
Não. O profeta recebeu um mandato de
Deus para alertar a comunidade para os perigos que a ameaçam. Custe o que
custar, doa a quem doer, o profeta tem que dizer a todos – mesmo que os seus
concidadãos não o compreendam ou recusem escutá-lo – que continuar a trilhar
esses caminhos errados não pode senão conduzir à infelicidade, ao sofrimento, à
morte.
O profeta/sentinela é, em última
análise, um sinal vivo – mais um – do amor de Jahwéh pelo seu Povo. É Deus que
o chama, que o envia em missão, que lhe dá a coragem de testemunhar, que o
apoia nos momentos de crise, de desilusão e de solidão… O profeta/sentinela é a
prova de que Deus, cada dia, continua a oferecer ao seu Povo caminhos de
salvação e de vida. O profeta/sentinela demonstra, sem margem para dúvidas, que
Deus não quer a morte do pecador, mas que ele se converta e viva.
Atualização
E hoje? Deus continua a amar o seu
Povo? Continua a querer que ele se converta e viva? Continua a preocupar-Se em
oferecer ao seu Povo a salvação – isto é, a possibilidade de ser feliz neste
mundo e de alcançar, no final da sua caminhada nesta terra, a vida definitiva?
O Deus de ontem não será o Deus de hoje e de amanhã?
Na verdade, Ele continua a chamar,
todos os dias, profetas/sentinelas que alertem o mundo e os homens. Pelo
Batismo, todos nós fomos constituídos profetas. Recebemos do nosso Deus a missão
de dizer aos nossos irmãos que certos valores que o mundo cultiva e endeusa são
responsáveis por muitos dos dramas que afligem os homens. Temos consciência de
que recebemos de Deus uma missão profética e que essa missão nos compromete com
a denúncia do que está errado no mundo e na vida dos homens?
O que é que devemos denunciar? Tudo
aquilo que contradiz os projetos de Deus. Portanto, o profeta/sentinela tem de
ser alguém que vive em comunhão com Deus, que medita a Palavra de Deus, que
dialoga com Deus e que, nessa intimidade, vai percebendo o que Deus quer para
os homens e para o mundo. Aliás, é dessa relação forte com Deus que o
profeta/sentinela tira também a coragem para falar, para denunciar, para agir.
Portanto, dificilmente seremos fiéis à nossa missão profética sem um
relacionamento forte com Deus. Encontro tempo para potenciar a relação com
Deus, para falar com Deus, para escutar e meditar a sua Palavra?
É preciso também que o
profeta/sentinela desenvolva uma consciência crítica sobre o mundo que o
rodeia. Ele tem de estar atento aos acontecimentos da vida nacional e
internacional (o profeta tem de ouvir as notícias e ler o jornal!), tem de
conhecer a fundo as questões que os homens debatem (senão, a sua intervenção
dificilmente será levada a sério); e tem, especialmente, de aprender a ler os
acontecimentos à luz de Deus e do projeto de Deus. Estou atento aos sinais dos
tempos e procuro analisá-los a partir de uma perspectiva de fé?
É preciso, finalmente, que o
profeta/sentinela não se acomode no seu cantinho cômodo, demitindo-se das suas
responsabilidades. Tudo o que se passa no mundo, tudo o que afeta a vida de um
homem ou de uma mulher, diz respeito ao profeta. Podemos ficar calados diante
das escolhas erradas que o mundo faz? O nosso silêncio não nos tornará
cúmplices daqueles que destroem o mundo e que condenam ao sofrimento e à
miséria tantos homens e mulheres?
2ª leitura: Rm.
13,8-10 - Ambiente
Continuamos a ler a segunda parte da
carta aos Romanos (cf. Rm. 12,1-15,13). Aí, Paulo mostra – em termos práticos –
como devem viver aqueles que Deus chama à salvação.
Deus oferece a todos a salvação; ao
homem resta acolher o dom de Deus, aderindo a Jesus e à sua proposta… Mas a
adesão a Jesus implica assumir, na prática do dia a dia, atitudes coerentes com
essa vida nova que o cristão acolheu no dia do seu batismo. São essas atitudes
que Paulo recomenda aos romanos (e aos crentes em geral) nesta segunda parte da
carta.
No ano 49, o imperador Cláudio tinha
publicado um édito que expulsava de Roma os judeus (incluindo os cristãos de
origem judaica). Ora em 57/58 (quando a carta aos Romanos foi escrita), muitos
desses judeus tinham já voltado a Roma. Será que os cristãos de origem pagã,
“donos” da comunidade durante bastante tempo, ostentavam a sua superioridade e
manifestavam desprezo pelos cristãos de origem judaica entretanto regressados a
Roma? Será que, por essa razão, havia divisões e falta de amor na comunidade de
Roma? Nessas circunstâncias, Paulo teria escrito uma “carta de reconciliação”, destinada
a unir uma comunidade dividida. O apelo ao amor que o nosso texto nos apresenta
poderia entender-se neste contexto.
Mensagem
Paulo exorta os crentes de Roma a
construir toda a sua vida sobre o amor. O cristianismo sem amor é uma mentira.
Os cristãos não podem nunca deixar de amar os seus irmãos.
Essa exigência, contudo, nunca estará
completamente realizada… Qualquer dívida pode ser liquidada de uma vez; mas o
amor não: em cada instante é preciso amar e amar sempre mais. O cristão nunca
poderá cruzar os braços e dizer que já ama o suficiente ou que já amou tudo:
ele tem uma dívida eterna de amor para com os seus irmãos.
O amor está no centro de toda a nossa experiência religiosa. No mandamento do amor, resume-se toda a Lei e todos os preceitos. Os diversos mandamentos não passam, aliás, de especificações da exigência do amor. A ideia – aqui expressa – de que toda a Lei se resume no amor não é uma “invenção” de Paulo, mas é uma constante na tradição bíblica (cf. Mt. 22,34-40).
O amor está no centro de toda a nossa experiência religiosa. No mandamento do amor, resume-se toda a Lei e todos os preceitos. Os diversos mandamentos não passam, aliás, de especificações da exigência do amor. A ideia – aqui expressa – de que toda a Lei se resume no amor não é uma “invenção” de Paulo, mas é uma constante na tradição bíblica (cf. Mt. 22,34-40).
Atualização
Na última ceia, despedindo-se dos
discípulos, Jesus resumiu desta forma a proposta que veio apresentar aos
homens: “amai-vos uns aos outros como Eu vos amei” (Jo 15,12). Este não é “mais
um mandamento”, mas é “o mandamento” de Jesus. Entretanto, algures durante a nossa
caminhada pela história, esquecemos “o mandamento” de Jesus e distraímo-nos com
questões secundárias… Preocupamo-nos em discutir ritos litúrgicos, problemas de
organização e de autoridade, códigos de leis, questões de disciplina… e
esquecemos “o mandamento” do amor. Já é tempo de voltarmos ao essencial. O
cristão é aquele que, como Cristo, ama sem cálculo, sem contrapartidas, sem
limite, sem medida. Na nossa experiência cristã, só o amor é essencial; tudo o
resto é secundário.
As nossas comunidades cristãs, a
exemplo da primitiva comunidade cristã de Jerusalém, deviam ser comunidades
fraternas onde se notam as marcas do amor. Os que estão de fora deviam olhar
para nós e dizer: “eles são diferentes, são uma mais valia para o mundo, porque
amam mais do que os outros”. É isso que acontece? Quem contempla as nossas
comunidades, descobre as marcas do amor, ou as marcas da insensibilidade, do
egoísmo, do confronto, do ciúme, da inveja? Os estrangeiros, os doentes, os
necessitados, os débeis, os marginalizados são acolhidos nas nossas comunidades
com solicitude e amor?
É importante sentirmos que a nossa
dívida de amor nunca está paga. Podemos, todos os dias, realizar gestos de
partilha, de serviço, de acolhimento, de reconciliação, de perdão… mas é
preciso, neste campo, ir sempre mais além. Há sempre mais um irmão que é
preciso amar e acolher; há sempre mais um gesto de solidariedade que é preciso
fazer; há sempre mais um sorriso que podemos partilhar; há sempre mais uma
palavra de esperança que podemos oferecer a alguém. Sobretudo, é preciso que
sintamos que a nossa caminhada de amor nunca está concluída.
Evangelho: Mt.
18,15-20 - Ambiente
— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo Mateus.
— Glória a vós, Senhor.
Naquele tempo, Jesus disse a seus discípulos: 15“Se o teu irmão pecar contra ti, vai corrigi-lo, mas em particular, a sós contigo! Se ele te ouvir, tu ganhaste o teu irmão. 16Se
ele não te ouvir, toma contigo mais uma ou duas pessoas, para que toda a
questão seja decidida sob a palavra de duas ou três testemunhas.
17Se ele não vos der
ouvido, dize-o à Igreja. Se nem mesmo à Igreja ele ouvir, seja tratado
como se fosse um pagão ou um pecador público.
18Em verdade vos digo, tudo o que ligardes na terra será ligado no céu, e tudo o que desligardes na terra será desligado no céu.
19De novo, eu vos digo: se
dois de vós estiverem de acordo na terra sobre qualquer coisa que
quiserem pedir, isso lhes será concedido por meu Pai que está nos céus. 20Pois, onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, eu estou aí, no meio deles”.
— Palavra da Salvação.
— Glória a vós, Senhor.
O capítulo 18 do Evangelho de Mateus é
conhecido como o “discurso eclesial”. Apresenta uma catequese de Jesus sobre a
experiência de caminhada em comunidade. Aqui, Mateus ampliou de forma
significativa algumas instruções apresentadas por Marcos sobre a vida
comunitária (cf. Mc. 9,33-37. 42-47) e compôs, com esses materiais, um dos
cinco grandes discursos que o seu Evangelho nos apresenta. Os destinatários
desta “instrução” são os discípulos e, através deles, a comunidade a que o
Evangelho de Mateus se dirige.
A comunidade de Mateus é uma comunidade
“normal” – isto é, é uma comunidade parecida com qualquer uma das que nós
conhecemos. Nessa comunidade existem tensões entre os diversos grupos e
problemas de convivência: há irmãos que se julgam superiores aos outros e que
querem ocupar os primeiros lugares; há irmãos que tomam atitudes prepotentes e
que escandalizam os pobres e os débeis; há irmãos que magoam e ofendem outros
membros da comunidade; há irmãos que têm dificuldade em perdoar as falhas e os
erros dos outros… Para responder a este quadro, Mateus elaborou uma exortação
que convida à simplicidade e humildade, ao acolhimento dos pequenos, dos pobres
e dos excluídos, ao perdão e ao amor. Ele desenha, assim, um “modelo” de
comunidade para os cristãos de todos os tempos: a comunidade de Jesus tem de
ser uma família de irmãos, que vive em harmonia, que dá atenção aos pequenos e
aos débeis, que escuta os apelos e os conselhos do Pai e que vive no amor.
Mensagem
O fragmento do “discurso eclesial” que
nos é hoje proposto refere-se, especialmente, ao modo de proceder para com o
irmão que errou e que provocou conflitos no seio da comunidade. Como é que os
irmãos da comunidade devem proceder, nessa situação? Devem condenar, sem mais,
e marginalizar o infrator?
Não. Neste quadro, as decisões radicais
e fundamentalistas raramente são cristãs. É preciso tratar o problema com bom
senso, com maturidade, com equilíbrio, com tolerância e, acima de tudo, com
amor. Mateus propõe um caminho em várias etapas…
Em primeiro lugar, Mateus propõe um
encontro com esse irmão, em privado, e que se fale com ele cara a cara sobre o
problema (v. 15). O caminho correto não passa, decididamente, por dizer mal
“por trás”, por publicitar a falta, por criticar publicamente (ainda que não se
invente nada), e muito menos por espalhar boatos, por caluniar, por difamar. O
caminho correto passa pelo confronto pessoal, leal, honesto, sereno,
compreensivo e tolerante com o irmão em causa.
Se esse encontro não resultar, Mateus
propõe uma segunda tentativa. Essa nova tentativa implica o recurso a outros
irmãos (“toma contigo uma ou duas pessoas” – diz Mateus – v. 16) que, com serenidade,
sensibilidade e bom senso, sejam capazes de fazer o infrator perceber o sem
sentido do seu comportamento.
Se também essa tentativa falhar, resta
o recurso à comunidade. A comunidade será então chamada a confrontar o
infrator, a recordar-lhe as exigências do caminho cristão e a pedir-lhe uma
decisão (v. 16a).
No caso de o infrator se obstinar no
seu comportamento errado, a comunidade terá que reconhecer, com dor, a situação
em que esse irmão se colocou a si próprio; e terá de aceitar que esse comportamento
o colocou à margem da comunidade. Mateus acrescenta que, nesse caso, o faltoso
será considerado como “um pagão ou um cobrador de impostos” (v. 17b). Isto
significa que os pagãos e os cobradores de impostos não têm lugar na comunidade
de Mateus? Não. Ao usar este exemplo, o autor deste texto não pretende
referir-se a indivíduos, mas a situações. Trata-se de imagens tipicamente
judaicas para falar de pessoas que estão instaladas em situações de erro, que
se obstinam no seu mau proceder e que recusam todas as oportunidades de
integrar a comunidade da salvação.
A Igreja tem o direito de expulsar os
pecadores? Mateus não sugere aqui, com certeza, que a Igreja possa excluir da
comunhão qualquer irmão que errou. Na realidade, a Igreja é uma realidade divina
e humana, onde coexistem a santidade e o pecado. O que Mateus aqui sugere é que
a Igreja tem de tomar posição quando algum dos seus membros, de forma
consciente e obstinada, recusa a proposta do Reino e realiza atos que estão
frontalmente contra as propostas que Cristo veio trazer. Nesse caso, contudo,
nem é a Igreja que exclui o prevaricador: ele é que, pelas suas opções, se
coloca decididamente à margem da comunidade. A Igreja tem, no entanto, que
constatar o fato e agir em consequência.
Depois desta instrução sobre a correção
fraterna, Mateus acrescenta três “ditos” de Jesus (cf. Mt. 18,18-20) que,
originalmente, seriam independentes da temática precedente, mas que Mateus
encaixou neste contexto.
O primeiro (v. 18) refere-se ao poder,
conferido à comunidade, de “ligar” e “desligar”. Entre os judeus, a expressão
designava o poder para interpretar a Lei com autoridade, para declarar o que
era ou não permitido e para excluir ou reintroduzir alguém na comunidade do
Povo de Deus; aqui, significa que a comunidade (algum tempo antes – cf. Mt.
16,19 – Jesus dissera estas mesmas palavras a Pedro; mas aí Pedro representava
a totalidade da comunidade dos discípulos) tem o poder para interpretar as
palavras de Jesus, para acolher aqueles que aceitam as suas propostas e para
excluir aqueles que não estão dispostos a seguir o caminho que Jesus propôs.
O segundo (v. 19) sugere que as
decisões graves para a vida da comunidade devem ser tomadas em clima de oração.
Assegura aos discípulos, reunidos em oração, que o Pai os escutará.
O terceiro (v. 20) garante aos
discípulos a presença de Jesus “no meio” da comunidade. Neste contexto, sugere
que as tentativas de correção e de reconciliação entre irmãos, no seio da
comunidade, terão o apoio e a assistência de Jesus.
Atualização
A palavra “tolerância” é uma palavra
profundamente cristã, que sugere o respeito pelo outro, pelas suas diferenças,
até pelos seus erros e falhas. No entanto, o que significa “tolerância”?
Significa que cada um pode fazer o mal ou o bem que quiser, sem que tal nos
diga minimamente respeito? Implica recusarmo-nos a intervir quando alguém toma
atitudes que atentam contra a vida, a liberdade, a dignidade, os direitos dos
outros? Quer dizer que devemos ficar indiferentes quando alguém assume
comportamentos de risco, porque ele “é maior e vacinado” e nós não temos nada
com isso? Quais são as fronteiras da “tolerância”? Diante de alguém que se
obstina no erro, que destrói a sua vida e a dos outros, devemos ficar de braços
cruzados? Até que ponto vai a nossa responsabilidade para com os irmãos que nos
rodeiam? A “tolerância” não será, tantas vezes, uma desculpa que serve para
disfarçar a indiferença, a demissão das responsabilidades, o comodismo?
O Evangelho deste domingo sugere a
nossa responsabilidade em ajudar cada irmão a tomar consciência dos seus erros.
Convida-nos a respeitar o nosso irmão, mas a não pactuar com as atitudes
erradas que ele possa assumir. Amar alguém é não ficar indiferente quando ele
está a fazer mal a si próprio; por isso, amar significa, muitas vezes,
corrigir, admoestar, questionar, discordar, interpelar… É preciso amar muito e
respeitar muito o outro, para correr o risco de não concordar com ele, de lhe
fazer observações que o vão magoar; no entanto, trata-se de uma exigência que
resulta do mandamento do amor…
Que atitude tomar em relação a quem
erra? Como proceder? Antes de mais, é preciso evitar publicitar os erros e as
falhas dos outros. O denunciar publicamente o erro do irmão, pode significar
destruir-lhe a credibilidade e o bom-nome, a paz e a tranquilidade, as relações
familiares e a confiança dos amigos. Fazer com que alguém seja julgado na praça
pública – seja ou não culpado – é condená-lo antecipadamente, é não dar-lhe a
possibilidade de se defender e de se explicar, é restringir-lhe o direito de
apelar à misericórdia e à capacidade de perdão dos outros irmãos. Humilhar o
irmão publicamente é, sobretudo, uma grave falta contra o amor. É por isso que
o Evangelho de hoje convida a ir ao encontro do irmão que falhou e a
repreendê-lo a sós…
Sobretudo, é preciso que a nossa
intervenção junto do nosso irmão não seja guiada pelo ódio, pela vingança, pelo
ciúme, pela inveja, mas seja guiada pelo amor. A lógica de Deus não é a
condenação do pecador, mas a sua conversão; e essa lógica devia estar sempre
presente, quando nos confrontamos com os irmãos que falharam. O que é que nos
leva, por vezes, a agir e a confrontar os nossos irmãos com os seus erros: o
orgulho ferido, a vontade de humilhar aquele que nos magoou, a má vontade, ou o
amor e a vontade de ver o irmão reencontrar a felicidade e a paz?
A Igreja tem o direito e o dever de
pronunciar palavras de denúncia e de condenação, diante de atos que afetam
gravemente o bem comum… No entanto, deve distinguir claramente entre a pessoa e
os seus atos errados. As ações erradas devem ser condenadas; os que cometeram
essas ações devem ser vistos como irmãos, a quem se ama, a quem se acolhe e a
quem se dá sempre outra oportunidade de acolher as propostas de Jesus e de
integrar a comunidade do Reino.
P. Joaquim Garrido,
P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
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