A Palavra de Deus que a liturgia do 24º
domingo do tempo comum nos propõe fala do perdão. Apresenta-nos um Deus que ama
sem cálculos, sem limites e sem medida; e convida-nos a assumir uma atitude
semelhante para com os irmãos que, dia a dia, caminham ao nosso lado.
O Evangelho fala-nos de um Deus cheio
de bondade e de misericórdia que derrama sobre os seus filhos – de forma total,
ilimitada e absoluta – o seu perdão. Os crentes são convidados a descobrir a
lógica de Deus e a deixarem que a mesma lógica de perdão e de misericórdia sem
limites e sem medida marque a sua relação com os irmãos.
A primeira leitura deixa claro que a
ira e o rancor são sentimentos maus, que não convêm à felicidade e à realização
do homem. Mostra como é ilógico esperar o perdão de Deus e recusar-se a perdoar
ao irmão; e avisa que a nossa vida nesta terra não pode ser estragada com
sentimentos, que só geram infelicidade e sofrimento.
Na segunda leitura Paulo sugere aos
cristãos de Roma que a comunidade cristã tem de ser o lugar do amor, do
respeito pelo outro, da aceitação das diferenças, do perdão. Ninguém deve
desprezar, julgar ou condenar os irmãos que têm perspectivas diferentes. Os
seguidores de Jesus devem ter presente que há algo de fundamental que os une a
todos: Jesus Cristo, o Senhor. Tudo o resto não tem grande importância.
1ª leitura – Sir
27,33-28,9 - AMBIENTE
O livro de Ben Sira (também chamado
“Eclesiástico”), de onde foi extraída a primeira leitura deste domingo, é um
livro sapiencial que, como todos os livros sapienciais, pretende apresentar uma
reflexão de caráter prático sobre a arte de bem viver e de ser feliz.
Estamos no início do séc. II a.C., numa
época em que o helenismo tinha começado o seu trabalho pernicioso, no sentido
de minar a cultura e os valores tradicionais de Israel. Jesus Ben Sira, o autor
deste livro, está preocupado com a degradação dos valores tradicionais do seu
Povo e as cedências que, sobretudo os mais jovens, vão fazendo à cultura grega.
A “fé dos pais” corre riscos de desaparecer ou, ao menos, de perder a sua
identidade.
Jesus Ben Sira procura, então,
apresentar uma síntese da religião tradicional e da sabedoria de Israel,
sublinhando a grandeza dos valores judaicos e demonstrando que a cultura
judaica não fica a dever nada à brilhante cultura grega. Por essa razão,
escreveu este compêndio de “sabedoria”. Nele, tenta demonstrar aos seus
compatriotas que Israel possuía na “Torah”, revelada por Deus, a verdadeira
“sabedoria” – uma “sabedoria” muito superior à “sabedoria” grega.
O texto que a liturgia de hoje nos
propõe integra uma secção (cf. Sir. 24,1-42,14) onde Jesus Ben Sira procura
demonstrar que a “sabedoria” – criatura de Deus, oferecida a todos os homens
piedosos (cf. Sir. 1,1-23,38) – tem um campo especial de acção em Israel, o
Povo eleito de Deus. Esta secção não tem uma estrutura clara e coerente: os
temas vão-se sucedendo, aparentemente sem uma ordem lógica. Dominam, aí, as
“máximas” destinadas a ensinar os comportamentos que se devem assumir nas
relações sociais.
Uma nota de caráter prático: o nosso
texto aparece, na maior parte das versões recentes da Bíblia, numerado como
27,30-28,7 e não como 27,33-28,9. Aqui, no entanto, conservamos a numeração 27,33-28,9
– que é a apresentada no “Leccionário Dominical”. Esta discrepância resulta do
fato de o texto apresentado pelo “Leccionário” seguir uma versão latina, mais
longa do que a versão grega que serve de base às traduções mais recentes do
livro de Ben Sira.
MENSAGEM
Jesus Ben Sira ensina que a verdadeira
“sabedoria” está em não se deixar dominar pelo rancor, pela ira e pelos
sentimentos de vingança. O “sábio” (isto é, aquele que quer ter êxito e ser
feliz) é aquele que é capaz de perdoar as ofensas e de ter compaixão pelo seu
semelhante.
Particularmente interessante é a
relação estabelecida aqui entre o perdão humano e o perdão divino: quem se
recusa a perdoar ao irmão, como poderá ter a coragem de pedir o perdão de Deus?
Mas quem perdoa as ofensas dos outros, poderá pedir e esperar o perdão do
Senhor para as suas próprias falhas. Ao menos dois séculos antes de Cristo o
judaísmo já tinha descoberto que existe uma relação entre o perdão que Deus nos
oferece e o perdão que ele nos convida a oferecer aos irmãos.
Para tornar mais sugestivo e
impressionante o seu apelo, Ben Sira convida os seus concidadãos a lembrarem-se
da morte: “pensa no teu fim e deixa de ter ódio”… Diante da realidade final que
nos espera, que sentido é que fazem os sentimentos de rancor, de ira, de
vingança que alimentamos nesta terra? E podemos, com coerência, esperar o
perdão final de Deus, se a nossa vida foi vivida numa lógica de ódio e de
vingança?
Fundamentalmente, temos aqui um apelo a
invertermos a lógica do “olho por olho, dente por dente”, de forma a que as
nossas relações com os irmãos sejam marcadas por sentimentos de perdão e de
misericórdia. É dessa forma que o homem construirá a sua felicidade nesta
terra; e é assumindo está lógica que o homem poderá pedir e esperar de Deus o perdão
para as suas falhas.
ATUALIZAÇÃO
Todos os dias vemos, nas notícias que
nos chegam de todos os cantos do mundo, onde nos leva a lógica do “responder na
mesma moeda”. Para vingar ofensas reais ou imaginárias, desencadeiam-se
mecanismos de vingança que são responsáveis pela morte de inocentes, por
sofrimentos e dramas sem fim e por uma espiral de violência sem limites e sem
prazos. É este o mundo que queremos? A única forma de fazermos respeitar os
nossos direitos e a nossa dignidade passará por deixarmos à solta os nossos
instintos de vingança, de rancor e de ódio?
Ben Sira estabelece uma relação clara
entre o perdão de Deus e o perdão humano. É claro que não podemos dizer que
Deus não nos perdoa se nós não conseguirmos perdoar aos nossos irmãos (a bondade
e a misericórdia de Deus são infinitamente maiores do que as nossas); mas, se o
nosso coração estiver dominado por uma lógica de ódio e de vingança, o perdão
que Deus nos oferece poderá encontrar aí lugar? Um coração duro, violento e
agressivo, incapaz de compreender as falhas dos outros, estará suficientemente
disponível para acolher a bondade e o amor de Deus?
Ben Sira lembra também, a propósito do
perdão, o horizonte final do homem (a morte)… Não se tratará, tanto, de avisar
que se não nos portarmos bem, Deus condena-nos (por esta altura, o Povo de Deus
ainda não parece ter uma noção clara de que há, para além desta terra, uma vida
eterna reservada para aqueles que escolhem Deus e os seus valores); trata-se,
sobretudo, de sugerir que a nossa vida nesta terra está marcada pela brevidade
e pela finitude e não pode ser estragada com sentimentos que só nos magoam a
nós e aos outros.
Muitos homens do nosso tempo pensam que
só nos afirmamos, só nos realizamos e só triunfamos quando somos fortes e
respondemos com força e agressividade à força e agressividade dos outros. Jesus
Ben Sira, contudo, ensina que a “sabedoria”, o êxito e a felicidade do homem
não passam por cultivar sentimentos de ódio e de rancor, mas por cultivar
sentimentos de perdão e de misericórdia. Quem tem razão? O que é que nos dá
paz, nos faz sentir em harmonia conosco, com Deus e com ou outros e nos torna
mais felizes: os gestos violentos que mostraram aos outros a nossa força e
apaziguaram o nosso orgulho ferido, ou os nossos gestos de perdão, de bondade,
de misericórdia?
2ª leitura – Rom
14,7-9 - AMBIENTE
Na segunda parte da Carta aos Romanos
(já o vimos nos domingos anteriores), Paulo preocupa-se em apresentar aos
cristãos de Roma (e aos cristãos de todos os lugares e tempos) um conjunto de
atitudes e de valores que devem marcar a vida pessoal, social e eclesial
daqueles que Deus chama à salvação. A segunda leitura deste domingo situa-nos
neste contexto e apresenta-nos mais alguns dados sobre esta questão.
O nosso texto faz parte de uma perícope
(cf. Rm. 14,1-12) em que Paulo dá algumas indicações acerca da conduta a ter
face aos outros membros da comunidade, particularmente face àqueles que têm
perspectivas diferentes da fé e do caminho cristão.
Paulo considera que existem dois tipos
de crentes na comunidade cristã de Roma: os “fortes” e os “débeis”. Estas
designações não parecem referir-se, primordialmente, à classe social (“ricos” e
“pobres”) ou à origem religiosa (“pagano-cristãos” e “judeo-cristãos”) desses
crentes, mas a atitudes diversas quanto à fé… Os “fortes” (na linguagem de
hoje, poderíamos caracterizá-los como “progressistas”) são aqueles que já se
libertaram decisivamente da escravidão da Lei e dos ritos e consideram que só
os valores do Evangelho são decisivos no caminho da fé. Os “fracos” (na
linguagem de hoje poderíamos chamar-lhes “tradicionalistas”) são aqueles que
fazem finca-pé nas leis, nos ritos e nas tradições antigas e ficam
escandalizados pelo fato de esses valores não serem assumidos por toda a gente.
Muito provavelmente, estes dois grupos
viviam em confronto, provocando uma certa divisão na comunidade. Paulo não
aceita atitudes de intolerância ou de desprezo pelos irmãos, venham elas de
onde vieram. Na verdade, o pensamento de Paulo aproxima-o mais dos “fortes”;
mas ele sabe muito bem que mais importante do que as divergências é o respeito
pelo irmão e a construção da fraternidade. Os “fortes” não podem desprezar
aqueles que não pensam como eles; e os “débeis” não têm o direito de julgar ou
de catalogar aqueles que têm, quanto à fé, uma outra perspectiva.
É precisamente neste contexto que Paulo
encaixa os três versículos que constituem a segunda leitura deste domingo.
MENSAGEM
Os vs. 7-9 são verdadeiramente o centro
da perícope. Fundamentalmente, Paulo recorda a todos – aos “fortes” e aos
“débeis” – que pertencem ao Senhor: “quer vivamos quer morramos, é ao Senhor
que pertencemos” (v. 8). Isso é muito mais importante do que as opiniões
particulares acerca do caminho a percorrer para atingir o mesmo objetivo. Os
crentes, antes de se deixarem dividir e separar por questões verdadeiramente
secundárias (que tipo de alimentos se devem comer, que festas se devem
celebrar, que jejuns se devem fazer), devem ter consciência do essencial da fé
e daquilo que os une: Jesus Cristo, que morreu e ressuscitou para a todos dar a
mesma vida. A comunidade é uma família de irmãos, reunida à volta do mesmo
Senhor.
ATUALIZAÇÃO
Paulo está consciente de que há vários
caminhos válidos para chegar a Cristo e à sua proposta de salvação. Esses
caminhos não só não se excluem mas, na sua diversidade, constituem um fator de
enriquecimento da nossa experiência comunitária. A comunidade tem de estar
consciente de que a diversidade não exclui, necessariamente, a unidade. Por
isso, a comunidade cristã não é o lugar da intolerância, da incompreensão, do
desrespeito pela diversidade de opiniões, da uniformidade imposta em nome da
fé; mas é o lugar do amor, do respeito pelo outro, da aceitação das diferenças,
da partilha, do perdão. A este respeito, como classifico a minha comunidade
cristã ou religiosa?
Existem, às vezes, nas comunidades
cristãs certas pessoas que se consideram mais esclarecidas e mais preparadas e
que manifestam desprezo por aqueles que têm concepções menos racionais da fé,
que vivem agarrados a determinadas devoções ou a determinados ritos
considerados ultrapassados. Paulo recomenda-lhes: “não desprezeis ninguém; não
esqueçais que a única coisa importante e decisiva é Cristo, a quem todos
pertencemos”.
Existem, às vezes, na comunidade cristã
certas pessoas que se consideram muito santas e virtuosas porque cumprem
determinadas regras, são fiéis a determinados ritos e têm sempre presente os
mandamentos da santa madre Igreja… Observam e controlam os outros, julgam-nos
sem direito a defesa, condenam-nos e acham-se no sagrado direito de os
desacreditar diante dos outros membros da comunidade… Paulo recomenda-lhes:
“não julgueis nem condeneis os vossos irmãos; não esqueçais que a única coisa
importante e decisiva é Cristo, a quem todos pertencemos”.
Às vezes perdemo-nos na discussão das
coisas secundárias e esquecemos o essencial. Discutimos se se deve receber a
comunhão na mão ou na boca, se se deve ou não ajoelhar à consagração, se
determinado cântico é litúrgico ou não, se os padres devem ou não casar, se a
procissão do santo padroeiro da paróquia deve fazer este ou aquele percurso… e,
algures durante a discussão, esquecemos o amor, o respeito pelo outro, a
fraternidade, e que todos vivemos à volta do mesmo Senhor. É preciso descobrir o
essencial que nos une e não absolutizar o secundário que nos divide.
Evangelho – Mt
18,21-35 - AMBIENTE
Continuamos a ler o “discurso
eclesial”, que preenche todo o capítulo 18 do Evangelho segundo Mateus. Este
“discurso” tem como ponto de partida algumas “instruções” apresentadas por
Marcos sobre a vida comunitária (cf. Mc. 9,33-37.42-47), mas que Mateus ampliou
de forma significativa. Os destinatários do discurso são os discípulos (na
realidade Mateus pretende, sobretudo, atingir os membros dessa comunidade
cristã a quem este Evangelho se destina).
Por detrás do texto que nos é hoje
proposto, podemos entrever uma comunidade onde as tensões e os conflitos
degeneram em ofensas pessoais e que tem muita dificuldade em perdoar.
MENSAGEM
O mandamento do perdão não é novo –
como vimos, aliás, na primeira leitura. Os catequistas de Israel ensinavam a
perdoar as ofensas e a não guardar rancor contra o irmão que tinha cometido
qualquer falha. Os “mestres” de Israel estavam, no entanto, de acordo em que a
obrigação de perdoar existia apenas em relação aos membros do Povo de Deus (os
inimigos estavam excluídos dessa dinâmica de amor e de misericórdia). A grande
discussão girava, porém, à volta do número limite de vezes em que se devia
perdoar. Todos – desde os mais exigentes aos mais misericordiosos – aceitavam,
contudo, que o perdão tem limites e que não se deve perdoar indefinidamente.
É nesta problemática que Jesus é
envolvido pelos discípulos. Pedro, o porta-voz da comunidade, consulta Jesus
acerca dos limites do perdão. Ele sabe que, quanto a isto, Jesus tem idéias
radicais e, talvez com alguma ironia, pergunta a Jesus se, na sua perspectiva,
se deve perdoar sempre (“até sete vezes?” – v. 21: o número sete, na cultura
semita, indica “totalidade”).
Jesus responde que não só se deve
perdoar sempre, mas de forma ilimitada, total, absoluta (“setenta vezes sete” –
v. 22). Deve-se perdoar sempre, a toda a gente (mesmo aos inimigos) e sem
qualquer reserva, sombra ou prevenção.
É neste contexto e a propósito da
lógica do perdão que Jesus propõe aos discípulos uma parábola (vs. 23-35). A
parábola apresenta-se em três quadros ou cenas.
O primeiro quadro (vs. 23-27)
coloca-nos diante de uma cena de corte: um funcionário real, na hora de prestar
contas ao seu senhor (provavelmente de impostos recebidos e nunca entregues),
revela-se incapaz de saldar a sua dívida. O senhor ordena que o funcionário e a
sua família sejam vendidos como escravos; mas, perante a humildade e a
submissão do servo, o senhor deixa-se dominar por sentimentos de misericórdia e
perdoa a dívida. Neste quadro, o que impressiona mais é o montante astronômico
da dívida: dez mil talentos (um talento equivalia a cerca de 36 kg. e podia ser
em ouro ou em prata. Dez mil talentos é, portanto, uma soma incalculável). O exagero
da dívida serve, aqui, para pôr em relevo a misericórdia infinita do senhor.
O segundo quadro (vs. 28-30) descreve
como esse funcionário que experimentou a misericórdia do seu senhor se recusou,
logo a seguir, a perdoar um companheiro que lhe devia cem denários (um denário
equivalia a 12 gramas de prata e era o pagamento diário de um operário não
especializado. Cem denários correspondia, portanto, a uma quantia
insignificante para um alto funcionário do rei).
Quando estes dois quadros são postos em
paralelo, sobressaem, por um lado, a desproporção entre as duas dívidas e, por
outro, a diferença de atitudes e de sentimentos entre o senhor (capaz de
perdoar infinitamente) e o funcionário do rei (incapaz de se converter à lógica
do perdão, mesmo depois de ter experimentado a alegria de ser perdoado).
É precisamente desta diferença de
comportamentos e de lógicas que resulta o terceiro quadro (v. 28-35): os outros
companheiros do funcionário real, chocados com a sua ingratidão, informaram o
rei do sucedido; e o rei, escandalizado com o comportamento do seu funcionário,
castigou-o duramente.
Antes de mais, a parábola é uma
catequese sobre a misericórdia de Deus. Mostra como, na perspectiva de Deus, o
perdão é ilimitado, total e absoluto.
Depois, a parábola convida-nos a
analisar as nossas atitudes e comportamentos face aos irmãos que erram. Mostra
como neste capítulo, a nossa lógica está, tantas vezes, distante da lógica de
Deus. Diante de qualquer falha do irmão (por menos significativa que ela seja),
assumimos a pose de vítimas magoadas e, muitas vezes, tomamos atitudes de
desforra e de vingança que são o sinal claro de que ainda não interiorizámos a
lógica de Deus.
Finalmente, a parábola sugere que
existe uma relação (aliás já afirmada na primeira leitura deste domingo) entre
o perdão de Deus e o perdão humano. Mateus estará a sugerir que o perdão de
Deus é condicionado e que só se tornará efetivo se nós aprendermos a perdoar
aos nossos irmãos? O que Mateus está a dizer, sobretudo, é que na comunidade
cristã deve funcionar a lógica do perdão ilimitado: se essa é a lógica de Deus,
terá de ser a nossa lógica, também. O que Mateus está a sugerir, também, é que
se o nosso coração não bater segundo a lógica do perdão, não terá lugar para
acolher a misericórdia, a bondade e o amor de Deus. Fazer a experiência do amor
de Deus transforma-nos o coração e ensina-nos a amar os nossos irmãos,
nomeadamente aqueles que nos ofenderam.
Deus pagará na mesma moeda e castigará
quem não for capaz de viver segundo a lógica do perdão e da misericórdia? Não.
Decididamente, o revanchismo e a vingança não fazem parte dos métodos de Deus…
Mateus usa aqui – bem ao jeito semita – imagens fortes e dramáticas para
sublinhar que a lógica do perdão é urgente e que dela depende a construção de
uma realidade nova, de amor, de comunhão, de fraternidade – a realidade do
Reino.
ATUALIZAÇÃO
O Evangelho deste domingo é sobre a
necessidade de perdoar sempre, de forma radical e ilimitada. Trata-se – todos
estamos conscientes do fato – de uma das exigências mais difíceis que Jesus nos
faz. No entanto não há, neste campo, meias tintas, dúvidas, evasivas,
desculpas: trata-se de um valor fundamental da proposta de Jesus. Ele deu
testemunho, em gestos concretos, do amor, da bondade e da misericórdia do Pai. Na
cruz, ele morreu pedindo perdão para os seus assassinos… Ora o cristão é, antes
de mais, um seguidor de Jesus. Pessoalmente, como é que me situo face a isto?
O perdão e a misericórdia tornam-se
ainda mais complicados à luz dos valores que presidem à construção do nosso
mundo. O “mundo” considera que perdoar é próprio dos fracos, dos vencidos, dos
que desistem de impor a sua personalidade e a sua visão do mundo; Deus
considera que perdoar é dos fortes, dos que sabem o que é verdadeiramente
importante, dos que estão dispostos a renunciar ao seu orgulho e
auto-suficiência para apostar num mundo novo, marcado por relações novas e
verdadeiras entre os homens. Na verdade, a lógica do mundo só tem aumentado a
espiral de violência, de injustiça, de morte; a lógica de Deus tem ajudado a
mudar os corações e frutificado em gestos de amor, de partilha, de diálogo e de
comunhão. Para mim, qual destas duas propostas faz mais sentido? Qual destes
dois caminhos pode ajudar a instaurar uma realidade mais humana, mais harmoniosa,
mais feliz?
O que significa, realmente, perdoar?
Significa ceder sempre diante daqueles que nos magoam e nos ofendem? Significa
encolher os ombros e seguir adiante quando nos confrontamos com uma situação
que causa morte e sofrimento a nós ou a outros nossos irmãos? Significa “deixar
correr” enquanto forem coisas que não nos afetem diretamente? Significa pactuar
com a injustiça e a opressão? Significa tolerar tudo num silêncio feito de
cobardia e de conformismo? Não. O perdão não pode ser confundido com
passividade, com alienação, com conformismo, com cobardia, com indiferença… O
cristão, diante da injustiça e da maldade, não esconde a cabeça na areia,
fingindo que não viu nada… O cristão não aceita o pecado e não se cala diante
do que está errado; mas não guarda rancor para com o irmão que falhou, nem
permite que as falhas derrubem as possibilidades de encontro, de comunhão, de
diálogo, de partilha… Perdoar não significa isolar-se num silêncio ofendido, ou
demitir-se das responsabilidades na construção de um mundo novo e melhor; mas
significa estar sempre disposto a ir ao encontro, a estender a mão, a recomeçar
o diálogo, a dar outra oportunidade.
Este Evangelho recorda-nos – talvez
ainda de forma mais clara e concludente – aquilo que a primeira leitura já
sugeria: quem faz a experiência do perdão de Deus, envolve-se numa lógica de
misericórdia que tem, necessariamente, implicações na forma de abordar os
irmãos que falharam. Não podemos dizer que Deus não perdoa a quem é incapaz de
perdoar aos irmãos; mas podemos dizer que experimentar o amor de Deus e
deixar-se transformar por Ele significa assumir uma outra atitude para com os
irmãos, uma atitude marcada pela bondade, pela compreensão, pela misericórdia,
pelo acolhimento, pelo amor.
P. Joaquim Garrido,
P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
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