Três séculos após a fundação da primeira Grande Loja Maçônica, os princípios dessa instituição continuam frontalmente incompatíveis com a doutrina católica
Por Ed
Condon [*] — O antagonismo recíproco entre a Igreja Católica e a
Maçonaria está bem firmado e é de longa data. Durante a maior parte dos
últimos 300 anos, as duas instituições têm sido reconhecidas, mesmo pela
mentalidade secular, como implacavelmente opostas uma à outra. Em
décadas recentes, a animosidade entre elas tem-se apagado da consciência
pública em grande medida, devido ao menor envolvimento direto da Igreja
em assuntos civis e à derrocada dramática da Maçonaria, tanto em
números quanto em importância. Mas, por ocasião dos 300 anos da
Maçonaria, vale a pena rever o que sempre esteve no “núcleo” da absoluta
oposição da Igreja a esse grupo. Aparentemente, a Maçonaria
pode não passar de um clube esotérico masculino, mas ela já foi, e
continua sendo, um movimento filosófico altamente influente — e que impactou de modo dramático, ainda que sutil, a sociedade e a política modernas no Ocidente.
A história da Franco-maçonaria preenche, por si só, vastas páginas. A
sua gradual transformação de guildas de pedreiros medievais em uma rede
de sociedades secretas, com uma filosofia e um rito gnósticos próprios,
pode ser lida com grande interesse. A versão mais recente da
Franco-maçonaria teve início com a formação da Grande Loja da
Inglaterra, em 1717, em um bar chamado Goose & Gridiron,
próximo à Catedral londrina de São Paulo Apóstolo. Nos primeiros anos,
antes que a Igreja fizesse qualquer pronunciamento formal sobre o
assunto, muitos católicos já faziam parte da associação e a “diáspora”
dos católicos e jacobitas ingleses foi
crucial para espalhar a Franco-maçonaria na Europa continental. Ela
chegou a se tornar, em alguns lugares, tão popular entre os católicos
que o Rei Francisco I da Áustria serviu de protetor formal da
instituição.
Mesmo assim, a Igreja se converteu na maior inimiga das lojas
maçônicas. Entre o Papa Clemente XII, em 1738, e a promulgação do
primeiro Código de Direito Canônico, em 1917, oito papas ao todo escreveram condenações explícitas à Franco-maçonaria. Todas previam a mais estrita pena eclesiástica para quem se associasse: excomunhão automática reservada à Sé Apostólica.
Mas o que a Igreja entendia, e entende hoje, por Franco-maçonaria?
Que características fizeram com que ela merecesse uma tal condenação?
É comum ouvirmos dizer que a Igreja se opôs à Franco-maçonaria por
causa do caráter supostamente revolucionário ou sedicioso das lojas.
Está relativamente difundida a ideia de que as lojas maçônicas eram
células essencialmente políticas para republicanos e outros reformistas,
e a Igreja se opunha a elas para defender o velho regime absolutista,
ao qual ela estava institucionalmente atrelada. No entanto, embora a
sedição política eventualmente se sobressaísse na oposição da Igreja à
Maçonaria, essa não era, em hipótese alguma, a razão originária de sua
rejeição. O que Clemente XII denunciou originalmente não
era uma sociedade republicana revolucionária, mas um grupo que
propagava o indiferentismo religioso: a ideia de que todas as religiões
(e nenhuma delas) têm igual validade, e que na Maçonaria estão todas
unidas para servirem a um entendimento comum e mais elevado da virtude.
Os católicos, como membros, deveriam colocar sua adesão à loja acima de
sua pertença à Igreja. Em outras palavras, a proibição rigorosa da Igreja devia-se não a motivos políticos, mas ao cuidado com as almas.
Desde o princípio, a preocupação primária da Igreja foi a de que a
Maçonaria submete a fé de um católico à da loja, obrigando-o a colocar
uma fraternidade secularista fundamental acima da comunhão com a Igreja.
A linguagem legal e as penalidades aplicadas nas condenações à
Franco-maçonaria eram, na verdade, muito similares àquelas usadas na
supressão dos albigenses: a Igreja vê a Franco-maçonaria como uma forma de heresia.
Ainda que os próprios ritos maçônicos contenham um material
considerável que pode ser chamado de herético — e até de explicitamente
anticatólico, em alguns casos —, a Igreja sempre esteve muito mais
preocupada com a filosofia geral da Franco-maçonaria do que com a
ostentação de seus rituais.
Ao longo dos séculos XVIII e XIX, a Igreja Católica e o seu lugar de
privilégio no governo e na sociedade de muitos países europeus
tornaram-se objeto de crescente oposição secular e até mesmo de
violência. Existem, é verdade, poucas evidências históricas — se é que
as há — de que as lojas maçônicas tenham desempenhado um papel ativo no
início da Revolução Francesa. De qualquer modo, a causa dos horrores
anticlericais e anticatólicos da Revolução pode ser encontrada na
mentalidade secularista descrita pelas várias bulas papais que condenam a
Maçonaria. As sociedades maçônicas foram condenadas não porque
pretendessem ameaçar as autoridades civis e eclesiásticas, mas porque
uma tal ameaça, na verdade, constituía a consequência inevitável de sua
existência e crescimento. A revolução era o sintoma, não a doença.
A coincidência de interesses entre Igreja e Estado, e o ataque a elas
empreendido por sociedades secretas revolucionárias, foram mais claros
nos Estados Papais da Península Itálica, onde a Igreja e o Estado eram
uma só coisa. Assim que começou o século XIX, ganhou notoriedade uma
imitação da Franco-maçonaria, de caráter revolucionário explícito e
oposição declarada à Igreja: eles se chamavam de Carbonari (“carbonários”,
palavra italiana para “carvoeiros”) e, em sua campanha por um governo
constitucional secular, praticavam tanto o assassinato quanto a
insurreição armada contra os vários governos da Península Itálica, sendo
identificados como uma ameaça imediata à fé, aos Estados Papais e à
própria pessoa do Pontífice Romano.
A ligação entre a ameaça passiva da filosofia secreta maçônica e a conspiração ativa da Carbonária foi explicada na Constituição Apostólica Ecclesiam a Jesu Christo, do Papa Pio VII, promulgada em 1821. Mesmo tratando e condenando a oposição aberta e declarada dos Carbonari à governança temporal dos Estados Papais, ainda assim era claro que a mais grave ameaça colocada por essas células violentamente revolucionárias era a sua filosofia secularista.
Ao longo de todas as várias condenações papais à Franco-maçonaria,
mesmo quando as lojas financiavam ativamente campanhas militares contra o
papa, como fizeram com a conquista de Garibaldi e a unificação da
Itália, o que sempre constituiu a primeira objeção da Igreja à Loja foi a
ameaça que ela representava à fé dos católicos e à liberdade da Igreja
de agir em sociedade. O fato de os ensinamentos da Igreja serem minados
nas lojas, e a sua autoridade em matéria de fé e moral ser questionada,
era repetidamente descrito como uma conspiração contra a fé, tanto nos
indivíduos quanto em sociedade.
Um cartum de 1891 mostra o Papa Leão XIII combatendo a Maçonaria.
Na encíclica Humanum Genus,
o Papa Leão XIII descreveu a agenda maçônica como sendo a exclusão da
Igreja da participação em assuntos públicos e a perda gradual de seus
direitos como um membro institucional da sociedade. Durante o seu tempo
como papa, Leão escreveu um grande número de condenações à
Franco-maçonaria, tanto no âmbito pastoral quanto no âmbito legislativo.
Ele sublinhou em detalhes o que a Igreja considerava ser a agenda
maçônica, agenda esta que, lida com um olhar contemporâneo, ainda é de
uma relevância surpreendente.
Ele se referiu especificamente ao objetivo de secularizar o Estado e a
sociedade. Ressaltou em particular a exclusão do ensino religioso das
escolas públicas e o conceito de que “o Estado, que deve ser
absolutamente ateu, tem o inalienável direito e dever de formar o
coração e os espíritos de seus cidadãos” ( Dall’Alto dell’Apostolico Seggio,
n. 6). Também denunciou abertamente o desejo maçônico de tirar da
Igreja qualquer forma de controle ou influência sobre escolas,
hospitais, instituições de caridade públicas, universidades e qualquer
outra associação que servisse ao bem comum. Também deu um destaque
específico ao impulso maçônico de repensar o matrimônio como um mero
contrato civil, promover o divórcio e apoiar a legalização do aborto.
É praticamente impossível ler esta agenda e não reconhecer nela a base de quase todo o nosso discurso político contemporâneo.
O fato de muitos de nossos principais partidos políticos, se não todos,
apoiarem tranquilamente essas ideias, e o próprio conceito de Estado
secular e suas consequências sobre a sociedade ocidental, incluindo a
pervasiva cultura do divórcio e a disponibilidade quase universal do
aborto, tudo isso é uma vitória da agenda maçônica. E isso levanta
questões canônicas muito sérias sobre a participação católica no atual
processo político secular.
Ao longo de séculos de condenações papais à Franco-maçonaria, era
normal que cada papa incluísse nomes de novas sociedades que
compartilhavam da filosofia e da agenda maçônicas e que, por isso,
também deveriam ser entendidas pelos católicos, nos termos da lei
canônica, como “maçônicas”. No século XX, isso chegou a incluir partidos
políticos e movimentos como o comunismo.
Quando o Código de Direito Canônico foi reformado, após o Vaticano
II, o cânon específico que proibia os católicos de aderirem a “seitas
maçônicas” foi revisado. No novo código, promulgado em 1983 por São João Paulo II,
a menção explícita à Franco-maçonaria foi retirada completamente. O
novo cânon 1374 refere-se somente a associações “que maquine[m] contra a
Igreja”. Muitos entenderam essa mudança como um indicativo de que a
Franco-maçonaria não mais era considerada má aos olhos da Igreja. Na
verdade, os membros do comitê responsável pela reforma esclareceram que
eles queriam se referir não apenas aos franco-maçons, mas a muitas
outras organizações; a conspiração da agenda secularista maçônica
tinha-se espalhado para tão além das lojas que continuar usando um termo
abrangente como “maçônico” seria confuso. O então Cardeal Ratzinger emitiu um esclarecimento da nova lei em 1983, no qual deixou claro que o novo cânon havia sido formulado para encorajar uma interpretação e uma aplicação mais abrangentes.
Dado o entendimento cristalino, no ensinamento da Igreja, do que a
conspiração ou a agenda maçônica incluem — a saber, o matrimônio como um
mero contrato civil aberto ao divórcio à vontade; o aborto; a exclusão
do ensino religioso das escolas públicas; a exclusão da Igreja do
provimento de bem-estar social ou do controle de instituições de
caridade —, parece-nos impossível não perguntar: quantos de nossos
partidos políticos no Ocidente não estariam agora sob a proibição do
cânon 1374? A resposta talvez não agrade muito aqueles que querem ver um
fim para a chamada “guerra cultural” dentro da Igreja.
Mais recentemente, o Papa Francisco tem falado repetidas vezes de sua grave preocupação com uma infiltração maçônica na Cúria e em outras organizações católicas. Ao mesmo tempo, ele alertou contra a Igreja se tornar uma mera ONG em
seus métodos e objetivos — perigo que vem diretamente dessa mentalidade
secularista a que a Igreja sempre chamou “filosofia maçônica”.
A infiltração maçônica na hierarquia e na Cúria tem sido tratada há
muito tempo como uma espécie de versão católica do “bicho-papão” embaixo
da cama, ou da paranoia macarthista com infiltrados comunistas. De
fato, quando se conversa com pessoas que trabalham no Vaticano,
rapidamente se descobre que, para cada dois ou três que riem dessa
história, há pelo menos um que deparou diretamente com esse fato. Eu
mesmo conheço pelo menos duas pessoas que, durante o tempo em que
trabalharam em Roma, foram abordadas para se associarem. O papel das
lojas maçônicas como ponto de encontros confidencial para pessoas com
ideias e agendas heterodoxas mudou pouco desde a França
pré-revolucionária até o Vaticano de hoje. 300 anos após a fundação da
primeira Grande Loja Maçônica, o conflito entre a Igreja e a
Franco-maçonaria nunca esteve tão vivo.
(Via Pe. Paulo Ricardo)
[*] Ed Condon é canonista e escreveu sua dissertação de doutorado
sobre a história das sanções legais da Igreja contra os franco-maçons.