quinta-feira, 14 de julho de 2011

O SAGRADO E O PROFANO.


“A palavra sacro vem do latim sacrum, é de origem indo-européia e significa: que pertence à divindade – cuja majestade incute um senso de reverência e estupor que participa da potência divina (mesmo se não personificada), e é separado do profano – ordem de realidade e poder que, por natureza ou por destino, é oposta ao profano”.
“O Sacro, retamente entendido, não funda alguma coisa de diferente do profano, mas funda o próprio sentido do profano e revela o fundamento da vida”.
Sagrado significa “separado para Deus”, não é da ordem de todas as coisas, é exclusivamente divino.
Profano nada mais é que “de uso cotidiano”, comum da ordem de todas as coisas, não é exclusivamente divino.Existe um equívoco no que diz respeito ao profano: comumente o entendemos como mundano, sujo, sem dignidade, ilícito. O mundano sim, é ruim, oposto ao santo.
O sagrado é o diferente de mim, é o perfeito, assim como eu sou imperfeito e é essa diferença que faz nascer em mim a necessidade de religar-me a Deus, cujos caminhos são perfeitos, cujos sentimentos são constantes; se o louvar, Ele continuará me amando, se o amaldiçoar, ele me amará da mesma maneira (cf. 2Tm 2,13), grandes são suas obras (Sl 110,2), nele não há sombra ou variação (Tg 1,17), Ele é o mesmo ontem, hoje e sempre (Hb 13,8), o Amém, a Testemunha fiel e verdadeira (Ap 3,14).

Quando o Sagrado se manifesta:

1) Nos conduz a um despojamento de nossos esforços pessoais, capacidades, palavra, apegos, posses para confiar no poder, na eficácia da palavra que sai da boca de Deus: “Jesus disse a Simão: Rema lago adentro e joga as redes para pescar. Replicou-lhe Simão: Mestre, labutamos a noite inteira sem nada conseguir” (Lc 5,4).
“Moisés, não te aproximes; tira as sandálias dos pés, pois o lugar que pisas é terreno sagrado” (Ex 3,5).

2)Há uma revelação que se opõe a tudo o que não seja uma realidade ABSOLUTA incondicional, irrestrita, integral, total: “Deus respondeu a Moisés: ‘Sou o que sou’” (Ex 3,14). Ele nos conduz a um ponto fixo Absoluto, um Centro: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6), a permanecer nele: “Permanecei em mim como Eu em vós” (Jo 15,4) e a uma obediência à sua palavra: “Porém, já que o dizes, jogarei as redes” (Lc 5,5b).

3) Manifesta sua glória na adesão à sua palavra e não à palavra do mundo: “Lançou Aarão a sua vara diante de Faraó e diante de seus servos e ela se transformou em cobra. Ora, também os magos do Egito fizeram o mesmo. Mas a vara de Aarão devorou as varas deles” (Ex 7,10-12). “Fizeram isso e apanharam tamanha quantidade de peixes que as redes se rompiam” (Lc 5,6).

4) Há uma diferenciação entre criador e criatura, limitado e ilimitado, santo e pecador: “Então Moisés cobriu o rosto, porque temia olhar para Deus”(Ex 3,6). “Senhor, afasta-te de mim: eu sou pecador” (Lc 5,8). Na transfiguração, os apóstolos cobriam o rosto; na ressurreição, os guardas fizeram o mesmo. É a realidade dos opostos: “o Mysterium Fascinans” (Mistério Fascinante em latim), o Deus Anawin (Pobre de Iahweh) que se manifesta pequeno e indefeso como uma criança em Belém, que se revela como graça e misericórdia e o Mysterium Tremendum “, do Leão e do Cordeiro que se manifesta como uma tremenda majestade esmagadora de poder – “um poder que quer a alteridade do outro até o ponto de se deixar matar para colher a ressurreição. O poder absoluto se identifica com o sacrifício que comunica vida aos homens e funda sua liberdade. O leão que ruge e o cordeiro que se entrega, o mendigo que bate na porta e que entra como rei e justo juiz, o Todo Poderoso e o misericordioso. Jesus com sua cruz entra em relação com todos sem deixar ninguém à parte. A cruz é relação com o céu e com a terra, com os infernos, com os justos e pecadores, com o ladrão agraciado e com o obstinado, com Maria e com João, com os crucificados da história e com os crucificadores de todos os tempos. O Cordeiro manso e imolado mantém aberta a relação também com aqueles que gostariam de romper. Aquele que não reage e se deixa ferir não é, acaso, sinal, paradoxalmente de uma vontade de comunhão que no fim resulta mais forte do que qualquer violência?”
5) Convida-nos a um sentido de orientação, de unidade e de vida para uma missão de mostrar o Outro aos outros. “Vinde após mim, e Eu vos farei pescadores de homens” (Mt 4,19), “Não temas, daqui para frente pescarás homens” (Lc 5,10), “André encontrou primeiramente Simão e lhe disse: Encontramos o Messias” (Jo 1,40).
Sagrado, consagrado, santo implica em pertencer totalmente a um outro.
“Só é possível sair do próprio limite e pertencer totalmente a um Outro, sendo guiado por um ponto externo” ;só guiado por um referencial moral fora de seus limites, o homem se encontrará como homem. As populações arcaicas do hemisfério norte se guiavam a noite pela estrela polar, “a única que permanece imóvel enquanto as outras fazem referência constantemente a ela”.
Como não temos nos fixado neste ponto externo Absoluto nos últimos tempos, caímos na “ditadura do relativismo”, expressão usada por Bento XVI para designar o tormento dos séculos vividos atualmente pelo homem da modernidade.
Podemos enumerar como Absoluto os valores perenes como a Caridade, a amizade, o louvor, a gratidão, a retidão, a Palavra de Deus, a Palavra da Igreja e não a do mundo, os Sacramentos como o Batismo, a Reconciliação, a Eucaristia.
E em minha vida? Onde me tenho fixado? Onde estou ancorado? No que é relativo ou Absoluto?
“Quem tem ouvidos, ouça o que o espírito diz às Igrejas” (Ap 3,22).

 


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Zingarelli N., Vocabulario della Lingua Italiana. a cura di Dogliotti M. E Rosiello L., Bologna, Zanichelli, 1996.
Maggioni B., Liturgia e culto, in Nuovo Dizionario di Telogia Biblica a cura di Rossano P.- Ravasi G.- Girlanda A., Milano, San Paolo, 1988, p. 836.
 AB: desde; SOLUS: sozinho = Aquilo que existe e não depende de qualquer outra coisa. Do grego APOLYTON: isento de relação, de limitação, de dependência
 Em hebraico “IAHWEH”= ”Eu sou Aquele que é”. O nome de Deus não é uma representação simbólica simplesmente, mas uma resposta categórica da parte de Deus para Moisés. Aquilo que Deus é no mais profundo do seu ser. Aquele que subsiste em si mesmo. Não há nele nenhuma forma de necessidade, possibilidade de mudança. Nele o tempo não existe. Deus é aquele que é. O verbo ser significa: Plenitude
 Mistério Tremendo em latim, termo usado pela primeira vez por Rudolf Otto, um dos mais influentes pensadores de religião na primeira metade do século XX.
 Cencine A., Virgindade e Celibato hoje: para uma sexualidade pascal, São Paulo, 2009, p.154.
7 Pastro C., Guia do Espaço Sagrado, São Paulo, Loyola, 1999, p. 18.
8 De Champeaux G.- Sterckx S., Introducción a los Simbolos, Madrid, Encuentro, 1992, p. 26.



por Cassiano Azevedo, Missionário Com. de Vida Shalom *
Comunidade Católica Shalom

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