terça-feira, 26 de julho de 2011

A PREGUIÇA - II



A máscara da ordem. Para começar, não nos esqueçamos de que a ordem é uma virtude, e de que essa virtude é arma específica de combate contra a preguiça. Sobre a virtude da ordem, falaremos mais na segunda parte. Agora, detenhamo-nos na ordem viciada, que se transforma em máscara da preguiça.
Para isso, pode ajudar-nos reparar em que há dois possíveis tipos de ordem, a que poderíamos chamar, respectivamente, ordem defensiva e ordem oblativa.
Ordem defensiva. Há pessoas que fazem da ordem uma armadura de defesa pessoal. São muito organizadas, até nos mínimos detalhes. Aproveitam bem o tempo. Mas o seu esquema é intocável. Fabricaram para si uma espécie de trilho de aço, por onde deslizam mecanicamente, e não toleram que nada interfira com os planos que traçaram, tão egoístas e tão cômodos.

Pobre da irmãzinha caçula que se atreva a pedir esclarecimentos sobre um teorema ao irmão mais velho, modelo de seriedade escolar, durante o sacrossanto “horário de estudo”. Que se cuide também a esposa ousada, que timidamente peça ao marido que se desvie um instante e pare na quitanda, afastando-o do trilho da sua intocável rotina. Ou o filho, que sente necessidade de comentar com o pai um acontecimento importante de que acaba de ser protagonista, enquanto o pai está realizando a sagrada tarefa de colar-se ao televisor, porque, após um dia estafante, “tem o direito de descansar um pouquinho” (um pouquinho, que podem ser horas e horas inúteis diante do aparelho).

A ordem não pode ser uma barricada defensiva, para ter a vida mais tranqüila. A ordem que é virtude, é um meio para assegurar uma entrega mais perfeita ao cumprimento dos deveres de cada dia, deveres que, sem ordem, sem previdência, sem uma seqüência prudente e organizada, ficariam esquecidos ou prejudicados.
Essa é a ordem oblativa (de oblação: oferenda, doação). Uma ordem que é reflexo da disposição generosa do coração: quer fazer e dar-se mais e melhor. Por isso, quando fora da ordem prevista se apresenta a oportunidade de fazer coisas de mais valor – e que há de mais valioso do que dar-se, com amor, ao próximo? –, a alma generosa não hesita: sai do seu trilho, e atende a esse apelo do amor com alegria. Segue a ordem de Deus – a que Deus vai sugerindo –, consciente de que é melhor do que a sua, sem ver interferências, sobrecargas ou perturbações nesses chamados divinos que lhe modificam os planos.

A máscara do cansaço. Além da máscara da falsa ordem, a preguiça utiliza-se habilmente da máscara do cansaço, para proclamar com a consciência tranqüila: “– Não posso mais, não agüento mais.” A fim de percebermos melhor os contornos dessa máscara, penetremos por uns instantes – a título de exemplo – na intimidade de um apartamento imaginário, após o expediente de trabalho.
O chefe de família chegou, curvado sob o fardo do dia, com uma palidez que inspira compaixão e uma carranca que sugere distâncias. Desaba na poltrona, pega no jornal e sussurra com um fio de voz: “Estou exausto., podia trazer-me os óculos?”. Nessa mesma hora toca o telefone, e a custo o protagonista se arrasta até o aparelho: – “Alô! . . . Como é? Mas vocês arranjaram mesmo o campo do Clube Tal? E eles vão ligar a iluminação! ... Não, não! É para já, vou voando!”.

Num instante, a família descobre, espantada, que o chefe do lar tem as faculdades do Superman: um novo homem dinâmico surge na sala, apanha chuteiras e outros apetrechos, e se atira ao elevador, enquanto comenta brincalhão: – “Neste time de amigos, há um senhor de 65 anos que corre o tempo todo pelo campo. Idade não é documento...”.

A câmera indiscreta poderia ter focalizado também a dona de casa, e a cena filmada seria muito parecida, apenas com a diferença de que o incentivo, em vez de ser um bom jogo de futebol, poderia ser “uma liquidação de roupas literalmente fabulosa e a preços incríveis”. Bastaria esta frase mágica para fazê-la deixar de lado muitos cansaços.
O cansaço é uma coisa muito especializada. Sempre que se pensa nele, é muito conveniente perguntar: “Cansaço, para que coisas?”. Porque todos somos especialistas em determinados cansaços – cansaço “para” rezar, estudar, atender os desejos dos outros, responder cartas, etc. –, que não passam de máscaras da preguiça.

E é que, ao lado da fadiga real, produzida pela sobrecarga de verdadeiros esforços, há uma outra fadiga, um outro cansaço, produzido pelo afrouxamento da fibra moral. Este último – a fadiga da alma – é o cansaço que invade os que cumprem os deveres de má vontade, sem amor; é o cansaço dos que vivem reclamando por tudo e por nada, sonhando sempre com situações ideais que jamais irão dar-se; dos que não querem sacrificar-se; dos preguiçosos, em suma, daqueles a quem o bem, o amor e o dever enfastiam, porque exigem sacrifício.


A máscara dos bons desejos. Na Bíblia, no livro dos Provérbios, encontra-se uma frase breve, que tem muita substância: Os desejos matam o preguiçoso (Prov 21, 25).
Existem preguiças que se manifestam por uma recusa sumária: não quero, não posso. Mas há outras que se enfeitam com as vestes dos bons desejos, desejos ineficazes, que nunca chegam a traduzir-se em realidades.
Não é que a pessoa “não queira”. Mas também não “quer”. Somente deseja. Quer e não quer o preguiçoso, diz ainda o livro dos Provérbios (Prov 13, 4).
O desejo-máscara é mais um truque da preguiça para enganar a consciência. Aos imperativos da consciência – deves fazer, deves dar mais, deves enfrentar isto ou aquilo –, a preguiça responde, com aparente sinceridade: “Sim, é mesmo, eu desejaria tanto fazer isso tudo...”.
Se prestarmos atenção, perceberemos que o tempo verbal que a preguiça prefere é o condicional – quereria, desejaria –, nunca o presente – quero! já há muitos séculos, um dos mais antigos teólogos da Idade Média, Ràbano Mauro, formulava a seguinte definição da preguiça: “torpor da mente, que negligencia começar a prática do bem”8.

Desejos condicionais. As “condições” que impedem o tempo presente, e portanto a ação, costumam ser de dois tipos.
Em primeiro lugar, o bom desejo esbarra com a chamada “falta de jeito”. Nós, que somos habitualmente tão vaidosos, e prezamos as nossas qualidades acima do seu valor, subitamente nos sentimos invadidos por uma estranha humildade: “Gostaria tanto de fazer meditação bem feita, de realizar apostolado, de difundir a doutrina cristã, mas infelizmente não tenho jeito, não nasci para isso”.

Alguém um tanto rude sentir-se-ia tentado a comentar: não é falta de jeito, é falta de vergonha. Mas como isso é menos delicado, será melhor dizê-lo de outra forma: é falta de vontade, de sinceridade.
Todos temos “jeito” – ou podemos ganhar “jeito” – para as virtudes, para o bem, para as coisas que pessoalmente Deus nos pede. Nesta matéria, pode-se dizer também que a função cria o órgão. Basta começar, basta iniciar sinceramente o esforço, e a capacidade aparece. Será maior ou menor, mas sempre será útil e eficaz. Principalmente porque Deus não deixa nunca de auxiliar a quem se esforça com boa vontade. Também os antigos mestres da teologia cunharam um adágio a esse respeito: “Deus não nega a graça a quem faz o que dele depende”.

Em segundo lugar, tão perigosa como a “falta de jeito” é a desculpa de quem sempre espera pela situação, a época ou as circunstâncias ideais para levar à prática os seus bons desejos.
Esse afirma com convicta persuasão que quer, que quer mesmo. Agora, porém, não é o momento propício para levar à prática o desejo. Quando mudarem as circunstâncias e houver condições favoráveis, então sim.

“Agora – diz o preguiçoso – estou com tantos problemas na cabeça, que se pegasse num livro de formação cristã, com o propósito de dedicar todas as noites quinze minutos à sua leitura, não aproveitaria nada. Quando esta azáfama acalmar, então...”.

“Agora – afirma outro –, ainda não me sinto em condições de fazer uma boa confissão. Deixe que eu amadureça, fortaleça as minhas resoluções, que ganhe mais certeza de não reincidir, e então...”. Então? Esquece-se de que não há nada tão forte e eficaz quanto a graça do Sacramento da Penitência, para robustecer a vontade com o vigor da graça divina, e permitir a superação dos problemas.
“Agora? – perguntará um terceiro –. Será que não percebe que estou sob a pressão do cursinho e os apertos do vestibular? Vamos deixar para o ano que vem, porque agora não conseguiria levar a sério a tarefa que me propõe...”.

Agora! Acontece, porém, que o tempo real se chama sempre agora. Quem adia, recusa. O tempo ideal, o momento realmente bom, não chega jamais para o preguiçoso.
São transparentes, neste sentido, os seguintes pensamentos do livro Caminho: “Amanhã! Algumas vezes, é prudência; muitas vezes, é o advérbio dos vencidos”. “Porta-te bem ‘agora’, sem te lembrares de ‘ontem’, que já passou, e sem te preocupares com o ‘amanhã’, que não sabes se chegará para ti”. “...’Agora’ não é demasiado cedo... nem demasiado tarde”9.

Uma grande parte da nossa vida se evapora em desejos irrealizados, porque a preguiça faz confundir o tempo propício com o tempo cômodo. Tempo propício, tempo oportuno, é o que Deus vai marcando. Quando Ele nos inspira um bom desejo, quando acende uma nova luz na alma, esse é o momento propício para começar – quanto antes –, porque é a hora da graça divina. Protelar o começo, à espera do momento mais cômodo, é matar oportunidades e garantir esterilidades.

Só quando nos convencermos de que o “bom momento” é quase sempre o “mau momento” – aquele que a nossa preguiça julga mau – é que cumpriremos a Vontade de Deus e produziremos frutos. Com muita sensatez, São Gregório Magno sentenciava: “Quando não queremos fazer oportunamente as coisas que podemos, pouco depois, quando queremos, já não podemos mais”10.

Um relance em perspectiva para a parcela de vida que já gastamos, talvez possa ajudar-nos a compreender a importância da prontidão na realização dos bons desejos. Um balanço do passado pode fazer-nos entender o perigo de que a vida vá ficando como um grande quarto de despejo, em cujas prateleiras se amontoam, como frascos quebrados, inúmeros bons desejos que a preguiça inutilizou.
E com estas considerações, pomos um ponto final ao exame das máscaras da preguiça. Resta-nos agora mudar o ângulo das nossas reflexões, e perguntarmo-nos pelos remédios da preguiça. Naturalmente, o remédio de todo o vício é sempre uma virtude. Qual é, então, a virtude específica que se opõe à preguiça?


DILIGÊNCIA

O ANTÍDOTO DA PREGUIÇA

Se abrirmos o pequeno catecismo da nossa Primeira Comunhão, é quase certo que encontraremos uma pergunta acerca dos pecados capitais, seguida da lista dos seus sete nomes. E, a seguir, uma outra pergunta esclarecerá quais são as virtudes opostas aos vícios capitais. Nessa segunda pergunta, estarão impressas certamente estas três palavras: contra preguiça, diligência.
A diligência é o antídoto específico da preguiça. Onde a preguiça cava um abismo, a diligência ergue uma montanha. E o que é a diligência?
Georges Chevrot, no seu livro sobre “As pequenas virtudes do lar”, reproduz, com muito bom humor, o seguinte diálogo. Um garoto, ouvindo falar em diligência, mostra logo com um brilho nos olhos a sua sabedoria histórico-cinematográfica: – “A diligência – diz – era uma carruagem puxada por cavalos, que se usava no faroeste antes de haver automóveis...
– “Muito bem, meu rapaz, você sabe muito – retruca o pai –; também deve saber que lhes foi dado esse nome porque iam muito depressa. Para a época, evidentemente”11.
Os pais quase sempre têm razão. Mas, neste caso, o pai da história, ao aprofundar na explicação, deu uma pequena escorregadela.

Pode ser que, àqueles trambolhos rolantes, acostumados a fugir dos índios nos desertos do Arizona, tivessem dado o nome de diligência em homenagem à sua rapidez. Mas o que é certo é que a palavra diligência, na sua origem, nada tem a ver compressa ou velocidade.
Na realidade, diligência é uma palavra que vem diretamente do verbo latino diligere, que significa amar. De modo que, na língua-mãe do Lácio, diligens (diligente) significava aquele que ama.
Isto é da maior importância para o tema que nos ocupa. Dizíamos que a acédia – a preguiça – é o contrário do amor, pelo fato de sentir aversão e tristeza por aquilo mesmo que atrai e alegra o amor: o bem, mesmo que seja árduo e difícil.

Em confronto com a preguiça, a virtude da diligência consiste no carinho, alegria e prontidão (coisa diferente da pressa) com que pensamos no bem e nos prontificamos a realizá-lo da melhor maneira possível.
Poucas descrições da diligência existem, mais ricas de conteúdo, do que a contida numa das homilias de Mons. Escrivã, que transcrevemos a seguir:
“Quem é laborioso aproveita o tempo (...). Faz o que deve e está no que faz, não por rotina nem para ocupar as horas, mas como fruto de uma reflexão atenta e ponderada. Por isso é diligente. O uso normal dessa palavra – diligente – já nos evoca a sua origem latina. Diligente vem do verbo diligo, que significa amar, apreciar, escolher alguma coisa depois de uma atenção esmerada e cuidadosa. Não é diligente quem se precipita, mas quem trabalha com amor, primorosamente”12.

Se quiséssemos retratar o anti-preguiçoso típico, é bem provável que imaginássemos a figura de um personagem acelerado e febril, um incansável trabalhador impelido por uma sorte de movimento contínuo. E, no entanto, não é assim. É mais fácil encontrar agitados entre os preguiçosos que entre os diligentes. Paradoxalmente, a diligência está – num certo sentido – mais perto do “devagar”, e a preguiça mais perto do “depressa”. Mas esse “certo sentido” precisa de uma explicação.

Reparemos que as palavras de Mons. Escrivã, acima citadas, esclarecem que uma pessoa é diligente quando aproveita o tempo “como fruto de uma reflexão atenta e ponderada”; recordam, ao mesmo tempo, que só há amor – diligência – quando se sabe “apreciar, escolher alguma coisa depois de uma atenção esmerada e cuidadosa", e concluem alertando: "Não é diligente quem se precipita”.
Muitas pessoas oferecem a imagem de um ativismo desenfreado. Não param um instante. Vão de cá para lá, assoberbados de tarefas, numa incessante corrida atrás do tempo, que sempre se lhes torna escasso. As ocupações os envolvem como que num redemoinho. lá não são donos de si mesmos. A sua atividade – ativismo, deveria chamar-se – domina-os como um cavalo sem freio, do qual perderam completamente as rédeas.

Lembram a história daquele oficial de artilharia, inexperiente nas lidas da equitação, que certa vez quis fazer uma experiência: pediu um cavalo, acomodou-se como pôde na sela e olhou na direção noroeste, para a localidade aonde desejava dirigir-se. Meia hora depois, no mais perfeito rumo sudeste, um grupo de oficiais observa o trotezinho desajeitado do cavalo e o olhar espavorido do colega que se lhe agarra ao pescoço, e indagam com ar brincalhão: – “Para onde é que você está indo?” – “Eu – responde o atribulado cavaleiro – ia para tal lugar, mas não sei para onde é que este cavalo me está levando...”.

Muitos cavaleiros da agitação poderiam dizer a mesma coisa. Donas de casa que parecem uma Maria-fumaça sem breque, descendo descontroladas a ladeira do dia, sacolejadas por tarefas, saídas, telefonemas, problemas de escola, pagamentos, etc., literalmente arrastadas para o abismo de um permanente nervosismo e uma canseira atordoada. Ou profissionais tensos, em constante disparada, sem tempo para pensar, cuja alma de robô faz deles, mais do que trabalhadores, devoradores de tempo, autênticos “cronófagos”.

Homens e mulheres desse estilo não são diligentes. São apenas agitados. Não percebem que, por trás do seu vaivém descontrolado e fatigante, estão sendo atacados por uma forma perniciosa de preguiça: a preguiça espiritual, a preguiça mental.

“O nosso século – escreve Jacques Leclercq – orgulha-se de ser o da vida intensa, e essa vida intensa não é senão uma vida agitada, porque o sinal do nosso século é a corrida, e as mais belas descobertas de que se orgulha não são as descobertas da sabedoria, mas da velocidade. E a nossa vida só é propriamente humana se nela há calma, vagar, sem que isto signifique que deva ser ociosa (...). Acumular corridas e mais corridas não é acumular montanhas, mas ventos”13.


A DILIGENCIA EXIGE CALMA


A mão que segura e governa as rédeas da atividade é a reflexão. Só quem pensa serenamente nos seus deveres, na maneira de conjugá-los, nas prioridades que entre eles deve estabelecer, nos passos necessários para executá-los, é que possui o governo da ação e do tempo. Esse saberá aproveitar diligentemente cada um dos seus dias, e não será uma marionete puxada aos solavancos pelas cordas do nervosismo e da imprevidência.
Lima atividade madura e eficaz exige – como a planta necessita da terra em que se enraíza – o solo fecundo da serenidade e da meditação. É preciso que aprendamos a parar e a perguntar-nos: Por que estou fazendo as coisas? Como é que as estou fazendo? Atiro-me cegamente numa correnteza de ocupações desordenadas? Estou fazendo realmente o que devo e do melhor modo?
Quando alguém se questiona assim, o impulso instintivo da preguiça será voltar à carga e repetir: “Não tenho tempo, não posso parar, não consigo um mínimo de tranqüilidade, o tumulto das ocupações não me ‘deixa’ meditar...”.

Na verdade, quem não nos deixa meditar é a preguiça. É mais fácil escorregar pelo tobogã da rotina, mesmo que seja uma rotina febril, do que ter a coragem de se enfrentar consigo próprio, agarrar com firmeza o leme da vida e controlar energicamente o rumo da navegação.
É por isso que a diligência pressupõe uma “atenção esmerada e cuidadosa” para “apreciar” o valor dos deveres a cumprir, e para os “escolher” conscientemente, “como fruto de uma reflexão atenta e ponderada”.

O homem moderno é pobre em interioridade. A ação não lhe nasce de dentro. Medita pouco e quer abranger muito. Então é quase inevitável que num dado momento, talvez quando já chegou longe demais, se lhe tornem claras, como um soco na consciência, as palavras de Santo Agostinho: “Corres bem, mas fora do caminho”.

Contaram-me certa vez a história de um homem de idade avançada, que dedicara a vida a uma brilhante atividade empresarial. Chegou a aposentadoria, e um dia – para matar o tempo – pegou no catecismo elementar de um de seus netinhos. Abriu a primeira página e começou a ler: “Quem é Deus?”... E depois: “Para que foi criado o homem? O homem foi criado para conhecer, amar e servir a Deus neste mundo...”. Duas grossas lágrimas rolaram-lhe pela face: “– A minha vida foi vazia. Fiz muitas coisas, mas esqueci-me da única que valia a pena”.

Talvez para que essa lição não fosse tardiamente aprendida é que Jesus dirigiu a Marta, em Betânia, aquela afetuosa censura: Marta, Marta, andas muito inquieta e te preocupas com muitas coisas; no entanto, uma só coisa é necessária; Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada (Lc 10, 39 ss).
E, qual era a melhor parte, que Jesus contra punha ao ativismo inquieto de Marta e aos seus queixumes? Era a atitude de sua irmã Maria, tal como a descreve essa passagem do Evangelho de São Lucas: Maria, sentada aos pés do Senhor, ouvia a sua palavra.

É evidente que Jesus não censura o trabalho de Marta – Ele que amou tanto o trabalho no lar de Nazaré –, nem sugere substituí-lo por uma pura passividade contemplativa. O que faz é marcar claramente a diferença que existe entre “muitas coisas” e “uma só coisa necessária”.

A todos, Deus nos pede que façamos muitas coisas. Mas a única verdadeiramente necessária é que nos coloquemos sinceramente junto d’Ele – muitas vezes – e escutemos o que tem a dizer-nos. Assim, as “muitas coisas” unificam-se em “uma só coisa”: trabalhar cumprindo a Vontade de Deus.

Todos deveríamos ter, fossem quais fossem as nossas ocupações, uns minutos diários de calma e recolhimento para parar, pensar, orar e procurar enxergar o melhor modo – o que esteja mais de acordo com Deus – de organizarmos e realizarmos as nossas tarefas.






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