Não simplesmente àquele deserto vazio de vida, inóspito, pintado com cores de solidão no nosso imaginário, povoado por pouco mais que montões de areia, vento e um céu que parece maior e mais perto do que em qualquer outro lado.
O deserto que eu te convido a conheceres é o deserto bíblico, o deserto ao qual, desde o princípio, Deus chama e acompanha aqueles que ama para neles provocar as experiências mais importantes das suas vidas…
Convido-te a vires comigo a este deserto que não é um lugar mas uma atitude do coração e, às vezes, uma situação da nossa vida. Porque na imagem simbólica do deserto na bíblia, Deus costuma convidar-nos a muitas novidades…
Deserto da LIBERTAÇÃO
“Eis o que diz o Senhor ao seu povo, Israel: Eu te escolhi e te libertei do Egito, fazendo-te caminhar quarenta anos pelo deserto. E a prova de que era EU que te conduzia, foi que as tuas vestes não se gastaram, nem se gastaram as sandálias dos teus pés; ninguém te deu pão para comer, nem vinho ou licor para beber; apenas comeste do que EU te dava, para reconheceres que EU, o Poderoso, sou o teu Deus!” (Dt 29, 4-5)
Deus chama-nos ao Deserto da Libertação, à atitude do povo de Israel a caminho do Egito à Terra Prometida. Só nos poremos verdadeiramente a caminho da liberdade quando tomarmos consciência de que há recantos em nós que são o nosso próprio Egito, o nosso lugar de opressão. Há dimensões de nós e da nossa história que ainda não nos deixam ser verdadeiramente livres, nos escravizam, torturam, mantêm-nos de cabeça baixa e tronco vergado. Deus chama-nos à coragem da Libertação, ainda que corramos o risco de atravessar o Deserto por causa disso. Todas as verdadeiras opções de libertação nos conduzem por desertos de Purificação, porque não nos libertamos se não Renascermos. E os Renascimentos implicam sempre dores de parto…
A Terra Prometida também não se encontra no mapa… a Terra Prometida por Deus na qual Ele sonha fazer-nos habitar somos também nós próprios, mas renovados à Sua imagem, segundo a Sua Palavra, Felizes! A nossa caminhada do Egito à Terra Prometida não se faz com as pernas, mas com o coração. E os passos do coração, são as opções, atitudes, escolhas, recomeços…
Deserto da SEDUÇÃO
“Eis o que diz o Senhor ao Seu povo, Israel: Tu abandonaste-Me! Dás-te aos teus amantes, e esqueces-te de mim todos os dias. Por isso, EU vou conduzir-te de novo ao deserto, para lá te seduzir denovo falando-te ao coração. Então, tu hás-de responder-me como na tua juventude, quando EU te libertei do Egito. Nesse dia – EU juro! – tu voltarás a chamar-me ‘meu marido’, e já não o chamarás aos ídolos teus amantes. Nesse dia, EU afastarei da tua boca os nomes deles, nunca mais os hás-de querer dizer…” (Os 2, 15-19)
Deus chama-nos ao Deserto da Sedução, à atitude de descoberta do Seu Amor revelado a nós como pura Graça. Por ser Amor, Deus não Se guarda, não Se ausenta, não nos foge; mas também não Se impõe… Propõe-se, insinua-se… e deixa tudo o resto nas nossas mãos. Acolher ou não, é opção nossa. “ Eis que EU estou à porta e bato; se alguém Me ouvir e Me abrir a porta, então, EU entrarei em sua casa e cearei com ele” (Ap 3, 20). Deixar-se conduzir ao Deserto Sedutor de Deus é caminhar entre os trilhos da Sua Palavra e mergulhar de novo no Espírito Santo para nele ser renovado, já que “o Espírito Santo é o
Amor de Deus derramado nos nossos corações” (Rom 5, 5). É despojar-se de todos os “ídolos” a quem tantas vezes servimos mas que não nos servem para nada, é abandonarmos de novo os tantos “amantes” dos quais Deus nos quer libertar, porque são todas aquelas realidades, dimensões e ocupações da nossa vida às quais nos entregamos sem reservas mas das quais não saímos mais enriquecidos…
Deserto do ENCONTRO
“Deus encontrou o seu povo no meio do deserto, perdido numa solidão apenas povoada de uivos… Então, cercou-o no Seu Amor para cuidar dele, guardou-o e amou-o como a menina dos seus olhos. E como uma águia protege a sua ninhada estendendo sobre ela as suas asas, assim o nosso Deus estendeu as suas asas sobre nós, nos tomou e carregou sobre as suas penas…” (Dt 32, 10-11)
Deus chama-nos ao Deserto do Encontro, à atitude de nos deixarmos encontrar e recriar pela Sua presença transformante. Temos que libertar-nos da lógica de um Deus “à nossa espera, à espera das nossas boas ações para nos presentear, á espera que sejamos bons para nos amar, à espera que nos tornemos meritórios para nos poder salvar”… O nosso Deus é o que vem ao nosso encontro. Jesus de Nazaré não é simplesmente o rosto visível de um “Deus Altíssimo”, mas revelação perfeita do “Deus Baixíssimo”, o Deus-Conosco, o Deus con-descendente, o Deus-Graça… Desde o princípio que sempre na bíblia Deus é o Amor que toma a iniciativa do Encontro. Logo com Adão, depois do pecado, é Deus quem anda correndo pelo jardim à procura, chamando-o, “Adão, Adão, onde estás?” (Gn 3, 9), enquanto este se esconde. Em Jesus, este “Deus à procura por Amor” revela-se em plenitude. Ele é o “Filho do Homem que veio procurar e salvar o que estava perdido” (Lc 19, 10) e que disse de si próprio: “Eu vim para servir e não para ser servido!” (Mt 20, 28).
Deserto de DISCERNIMENTO
“Jesus, movido pelo Espírito Santo, retirou-se para o deserto onde foi posto à prova…” (Mt 4, 1)
Deus chama-nos ao Deserto do Discernimento, à atitude de escuta da Sua Palavra como fonte de Sentido e Critérios de vida. Quem não tem capacidade de parar para discernir, também não terá muita sabedoria para optar. E o silêncio no deserto do Discernimento, é um silêncio à escuta da Palavra, ao jeito de Jesus. Nas provações e divisões interiores do seu discernimento messiânico, Jesus firma os pés na Palavra do Pai para se manter firme. Nunca diz “Eu”, mas sempre “Está escrito…” Não significa que procure “fora” os motivos e as seguranças das suas opções, mas procura-as em Deus-Fonte de Sentido.
Encaminhar-se a este deserto onde Jesus também esteve, é perceber de uma vez por todas que a Fé não está separada da vida! O acolhimento do Evangelho tem conseqüências reais e quotidianas na vida daqueles que o vivem de verdade. Discernir em Deus e à Sua luz, é querermos que as nossas palavras brotem cada vez mais da fonte da Palavra, os nossos gestos brotem da experiência dos “gestos” de Deus em nós, as nossas opções brotem do acolhimento das iniciativas de Deus em nós…
Ir ao deserto do Discernimento é começar a viver a partir de Deus e ao Seu jeito…
Deserto da CONFIANÇA
“Escuta Israel: o Senhor nosso Deus é único! Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua vida, com todas as tuas forças. E quando o Senhor teu Deus te introduzir na Terra que te prometeu, com cidades grandes e ricas que tu não edificaste, com casas transbordantes de riquezas que tu não encheste, com poços de água já cavados que tu não cavaste, com vinhas e oliveiras que tu não plantaste, quando tu comeres até te fartares, tem cuidado para não te esqueceres que foi o Senhor quem te tirou do Egito, e pelo caminho do deserto te libertou do Egito, da terra da tua escravidão.” (Dt 6, 4-12)
Deus chama-nos ao Deserto da Confiança, à atitude de esperança na Sua fidelidade. Porque Deus é Amor, Deus compromete-se naquilo que promete! Está a condenar-se ao fracasso aquele que se demite dos seus próprios riscos e das suas próprias iniciativas esperando que Deus resolva. Deus não pode fazer o que nos pertence a nós! Ama-nos demais para nos abandonar; respeita-nos demais para nos substituir.
Deus está conosco, mas não em nosso lugar. Mas, ás vezes, caímos no extremo oposto… a Deus o culto, as edificantes palavras, os momentos religiosos… mas a nossa vida, nós a vamos tocando! Quando corremos o risco de irmos ao Deserto do Discernimento, tornamo-nos capazes de viajar serenamente através do Deserto da Confiança, enquanto vamos ouvindo Jesus sussurrar-nos ao ouvido os seus segredos: “Olhai os lírios do campo, como crescem… não trabalham nem fiam; porém, Eu vos digo que nem o rei Salomão com todo o seu esplendor conseguiu vestir-se como um deles. Portanto, se Deus veste assim a erva do campo, que hoje cresce e amanhã é lançada à fogueira, quanto mais a vós, seus desconfiados.
Não vivais preocupados com o que haveis de vestir ou comer; não vivais dependentes disso. Isso são coisas que as pessoas do mundo procuram! Mas, quanto a vós, o vosso Pai sabe que elas vos fazem falta.
Basta que vivais em função do Reino de Deus, e tudo o resto vos será dado como acréscimo…” (Lc 12, 27-31)
A Confiança em Deus não nos demite de fazermos a nossa parte. Muito pelo contrário! Torna-nos incomparavelmente mais fortes e mais seguros, porque há um Amor em nós que é absoluta fidelidade e compromisso de aliança conosco…
Pemiliocarlos
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