Será que o homem é um mero acidente biológico? E o gênero humano, uma simples etapa num processo evolutivo cego e sem sentido? Será que esta vida humana não passa de uma cintilação entre a longa escuridão que precede a concepção e a escuridão eterna que virá após a morte? E eu, serei apenas um grão de poeira insignificante no universo, lançado à existência pelo poder criador de um Deus indiferente, como a casca de laranja inútil que se joga fora sem pensar? Tem a vida alguma finalidade, algum plano, algum propósito? Enfim, de onde é que eu venho? E por que estou aqui?
Estas são as questões que qualquer pessoa normal levanta quando atinge idade suficiente para pensar com certa sensatez. Por isso, o novo Catecismo da Igreja Católica propõe-nos já no seu Prólogo a questão da nossa origem e do nosso fim: “Deus, infinitamente Perfeito e Bem-aventurado em si mesmo, num desígnio de pura bondade, criou livremente o homem para fazê-lo participar da sua vida bem-aventurada”.
É, condensada ao máximo, a resposta a todas as questões que formulávamos acima, e que podem resumir-se nesta outra: “Para que nos fez Deus?”.
Ao respondermos a essa pergunta, veremos que a resposta tem duas vertentes: a de Deus e a nossa. Se a considerarmos do ponto de vista de Deus, a resposta é: Deus nos fez para mostrar a sua bondade. Uma vez que Ele é o Ser infinitamente perfeito, a principal razão pela qual faz uma coisa deve ser uma razão infinitamente perfeita. Mas só há uma razão infinitamente perfeita para se fazer uma coisa: é fazê-la por Deus. Por isso, seria indigno de Deus, contrário à sua infinita perfeição, que Ele fizesse alguma coisa por uma razão inferior a Si mesmo.
Talvez compreendamos melhor esta verdade se a aplicarmos a nós. Mesmo para nós, a maior e melhor razão para fazermos alguma coisa é fazê-la por Deus. Se faço alguma coisa por outro ser humano – por mais nobre que seja a intenção, como alimentar um faminto – e a faço especialmente por essa razão, sem me referir a Deus de alguma forma, faço algo imperfeito. Não é uma coisa má, mas é menos perfeita, e isso seria assim mesmo se fosse um anjo ou a própria Virgem Santíssima quem realizassem essa ação, se prescindissem de Deus. Não existe um motivo maior para fazer uma coisa do que fazê-la por Deus, e isso é certo tanto para o que Deus faz como para o que nós fazemos.
A primeira razão, a grande razão pela qual Deus dez o universo e nos fez a nós, foi, portanto, a sua própria glória: para mostrar o seu poder e bondade infinitos. O seu infinito poder mostra-se pelo fato de existirmos. A sua infinita bondade, pelo fato de Ele nos querer fazer participar do seu amor e felicidade. E se nos parece que Deus é egoísta por fazer as coisas para sua própria honra e glória, é porque não podemos deixar de pensar nEle em termos humanos. Pensamos em Deus como se fosse uma criatura igual a nós. Mas a verdade é que não existe nada nem ninguém que mais mereça ser objeto do pensamento de Deus ou do seu amor que o próprio Deus.
No entanto, quando dizemos que Deus fez o universo (e nos fez a nós) para a sua glória, não queremos dizer, evidentemente, que Deus necessitasse dela de algum modo. A glória que dão a Deus as obras da sua Criação é a que denominamos “glória extrínseca”: é algo “fora de Deus”, que não lhe acrescenta nada. Guardadas as devidas proporções, é como um artista com grande talento para a pintura e a mente repleta de imagens: se as projeta sobre a tela para que outros as veja e admirem, isso de certa forma não lhe acrescenta nada: não o torna melhor nem mais talentoso do que era antes.
Assim, Deus nos fez primordialmente para a sua honra e glória. Daí que a primeira resposta à pergunta: “Para que nos fez Deus”: seja: “Para mostrar a sua bondade”. Porém, a principal maneira de Deus demonstrar a sua bondade baseia-se em que nos criou com uma alma espiritual e imortal, capaz de participar da sua própria felicidade. Mesmo nos assuntos humanos, sentimos que a bondade de uma pessoa se manifesta pela generosidade com que compartilha a sua pessoa e as suas posses com outros. Da mesma maneira, a bondade divina manifesta-se sobretudo pelo fato de nos fazer participar da sua própria felicidade, de nos fazer participar de Si mesmo.
Por essa razão, ao respondermos do nosso ponto de vista à pergunta: “Para que nos fez Deus”:, dizemos que nos fez para fazer-nos participar da sua vida bem-aventurada. As duas respostas são como que as duas faces da mesma moeda, o anverso e o reverso: a bondade de Deus fez-nos participar da sua felicidade e a nossa participação na sua felicidade mostra a bondade de Deus.
Retirado do livro: “A Fé Explicada”. Leo J. Trese.
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