1º  leitura – At. 12,1-11 -  AMBIENTE
O  texto que nos é hoje proposto encerra praticamente a primeira parte do livro dos  Atos dos Apóstolos (a história da expansão do cristianismo dentro das fronteiras  palestinas – cf. At. 1-12). Lucas narra, neste texto, uma nova perseguição à  Igreja de  Jesus.
Esta  perseguição é obra de Herodes Agripa I, neto do famoso Herodes, o Grande. O  imperador Calígula deu-lhe, por volta do ano 37, os antigos territórios de  Filipe (Itureia, Traconítide, Bataneia, Gaulanítide e Auranítide); mais tarde  (ano 40), confiou-lhe ainda os antigos territórios de Herodes Antipas (Galileia  e Pereia). Depois do assassínio de Calígula, Herodes Agripa prestou vários  serviços ao imperador Cláudio, o qual lhe ofereceu o governo da Samaria e da  Judeia (ano 41). Assim, Herodes Agripa I reinou praticamente sobre toda a  Palestina entre os anos 41 e 44. Morreu subitamente no ano 44, durante uma  cerimónia  pública.
Herodes  Agripa I preocupou-se bastante em não se incompatibilizar com os líderes  judaicos. Por isso, foi muito cuidadoso em observar as prescrições da Lei de  Moisés (embora essa preocupação tenha sido mais por política do que por  convicção: fora do território judaico, Herodes Agripa I vivia à maneira  helénica). Foi, provavelmente, com o mesmo objetivo que ele tentou suprimir a  "seita cristã", mandando executar Tiago e prendendo  Pedro.
Este  Tiago de que se fala no nosso texto é o filho de Zebedeu, irmão de João. Tiago  era, com toda a certeza, um pregador ativo do Evangelho de Jesus e um membro  importante da comunidade cristã de Jerusalém. Com esta morte violenta, Tiago  "bebeu do mesmo cálice", conforme lhe foi anunciado pelo próprio Jesus (cf. Mc.  10,38).
Estamos  no ano  42.
Esta  perseguição atingiu também outros membros da comunidade cristã de Jerusalém. O  próprio Pedro foi preso, neste contexto, embora tenha sido, posteriormente,  libertado. Os dados avançados por Lucas – no texto que nos é hoje proposto –  sobre a prodigiosa libertação de Pedro não devem ser rigorosamente históricos;  mas devem ser, sobretudo, uma catequese sobre a forma como Deus cuida da sua  Igreja e dos discípulos que dão testemunho da  salvação.
MENSAGEM
No  Livro dos Atos dos Apóstolos, Lucas procura mostrar como o plano salvador de  Deus para os homens continua a cumprir-se, mesmo depois da partida de Jesus para  junto do Pai. Os discípulos de Jesus são agora, no meio do mundo, as testemunhas  desse projeto de libertação que Deus ofereceu aos homens através de Jesus  Cristo.
Como  é que o mundo acolhe o testemunho dos discípulos? Deus deixa as testemunhas do  seu projeto de salvação entregues à sua sorte, à mercê da perseguição e da  incompreensão do mundo? O texto que nos é proposto como primeira leitura procura  responder a estas  questões.
1.  Os elementos históricos avançados por Lucas sobre a morte de Tiago e a prisão de  Pedro, no contexto da perseguição contra a Igreja durante o reinado de Herodes  Agripa I (vs. 1-4), mostram como o testemunho do projeto libertador de Deus no  mundo gera sempre confronto com as forças da opressão e da morte. Trata-se de  uma realidade que não deve deixar os discípulos surpreendidos, pois o próprio  Jesus teve que percorrer o caminho da cruz (a indicação de que Pedro foi preso  no dia  dos
Ázimos  e, portanto, muito próximo do dia de Páscoa, pode sugerir uma correspondência  com a Páscoa de Jesus: o caminho que Pedro está a seguir é o mesmo caminho do  Mestre). Por outro lado, a oposição do mundo não pode nem deve calar o  testemunho que os discípulos são chamados a  dar.
2.  Enquanto Pedro estava na prisão, a Igreja orava por ele (v. 5). A indicação  mostra uma comunidade cristã unida, em que os crentes estão próximos e  solidários, apesar da distância e das grades da prisão. Por outro lado, o fato  de a libertação de Pedro acontecer enquanto a Igreja "orava instantemente a Deus  por ele" mostra como Deus escuta a oração da  comunidade.
3.  A maravilhosa história da libertação de Pedro (vs. 6-11) mostra a presença  efetiva de Deus na caminhada da sua Igreja e a solicitude com que Deus cuida  daqueles que dão testemunho do seu projeto de salvação no meio dos homens. O  relato está construído com elementos maravilhosos e prodigiosos que não são,  certamente, de caráter histórico (o aparecimento do "anjo do Senhor", a luz que  iluminou a cela da cadeia, a passagem pelos guardas sem que nenhum deles se  tivesse apercebido da fuga do prisioneiro, a abertura milagrosa da porta da  prisão);
mas  pretendem sublinhar a presença de Deus e apor no testemunho dos apóstolos o  "selo de garantia" de Deus. Não há dúvida: Deus está com os apóstolos e, diante  da oposição do mundo, garante a autenticidade da proposta apresentada por  eles.
ATUALIZAÇÃO
· Como  cenário de fundo da nossa primeira leitura, está o fato de a comunidade cristã  (aqui representada por Pedro) ser uma comunidade que tem como missão dar  testemunho do projeto libertador de Deus no meio dos homens. A Igreja que nasce  de Jesus não é uma comunidade fechada em si própria, ou que vive apenas de olhos  postos no céu à espera que Deus, de forma mágica, renove o mundo; mas é uma  comunidade comprometida com a transformação do mundo, que testemunha – com  palavras e com gestos concretos – os valores de Jesus, do Evangelho e do mundo  novo.  
·  O nosso texto mostra que o anúncio da proposta de salvação que Deus faz aos  homens gera sempre oposição. Essa oposição vem, especialmente, daqueles que  querem perpetuar os mecanismos de exploração, de injustiça, de morte; mas também  pode vir de quem está comodamente instalado na escravidão e não tem a coragem de  questionar as cadeias que o prendem… Em qualquer caso, a oposição traduz-se  sempre em atitudes de incompreensão, de desrespeito, ou mesmo de perseguição  declarada. Uma Igreja que procura ser fiel ao mandato de Jesus e testemunhar a  libertação de Deus ver-se-á sempre confrontada com esta realidade. Todos nós,  discípulos de Jesus, chamados a testemunhar a vida de Deus na sociedade, no  nosso local de trabalho, na nossa família, conhecemos a oposição, as calúnias,  os sarcasmos, a dificuldade em que levem a sério o nosso testemunho… Tal fato  não deve preocupar-nos demasiado: é a reação lógica do mundo quando se sente  questionado pelos valores de Jesus. Para nós, o que é importante é afirmar, com  sinceridade e verticalidade, os valores em que acreditamos.  
·  A história de Pedro que hoje nos é proposta garante-nos que, nos momentos de  perseguição e de oposição, o nosso Deus não nos abandona. Ele será sempre uma  presença reconfortante e libertadora ao nosso lado, dando-nos a coragem para  continuarmos a nossa missão e para darmos testemunho dos valores do Reino. O  cristão não tem medo porque sabe que Deus está com ele e que, por isso, nenhum  mal lhe acontecerá.  
·  A nossa história sugere também a importância da união e da solidariedade da  comunidade, sobretudo para com os irmãos que estão longe ou que estão em  situações dramáticas de sofrimento. A oração é uma forma de manifestar essa  solidariedade e a comunhão que deve unir todos os irmãos, membros da mesma  família de  fé.
2º  leitura – 2 Timóteo 4,6-8.17-18 -  AMBIENTE
O  Timóteo destinatário desta carta é um cristão nascido em Listra (Ásia Menor), de  pai grego e de mãe judeo-cristã. A partir de certa altura, tornou-se um  companheiro inseparável de Paulo; foi a ele que Paulo confiou importantes  missões e a quem encarregou da responsabilidade pastoral das Igrejas da Ásia  Menor. Segundo a tradição, foi o primeiro bispo da comunidade cristã de  Éfeso.
É  muito duvidoso que seja Paulo o autor desta carta: a linguagem, o estilo e mesmo  a doutrina apresentam diferenças consideráveis em relação a outras cartas  paulinas; além disso, o contexto eclesial em que esta carta nos situa é mais do  final do séc. I ou princípios do séc. II do que da época de Paulo (o grande  problema destas cartas já não é o anunciar o Evangelho, mas o "conservar a fé",  frente aos falsos mestres que se infiltram nas comunidades e que ensinam falsas  doutrinas).
De  qualquer forma, quem escreve a carta refere-se à vida de Paulo como uma vida  integralmente preenchida pelo amor a Jesus Cristo e ao seu Evangelho. Estamos  numa época em que as comunidades cristãs se debatiam com as perseguições  organizadas, a falta de entusiasmo dos crentes e as falsas doutrinas… Ao  recordar, desta forma, o exemplo de Paulo, o autor desta carta pretende convidar  os crentes em geral (e os animadores das comunidades, em particular) a  redescobrirem o entusiasmo por Jesus e pelo testemunho da Boa Nova libertadora  que Jesus veio propor aos  homens.
MENSAGEM
O  autor da carta apresenta-se na pele de Paulo, prisioneiro em Roma; e, nessa  pele, faz um balanço final da sua vida e da sua entrega ao serviço do  Evangelho.
A  vida de Paulo foi, desde o seu encontro com Cristo ressuscitado na estrada de  Damasco, uma resposta generosa ao chamamento e um compromisso total com o  Evangelho. Por Cristo e pelo Evangelho, Paulo lutou, sofreu, gastou e desgastou  a sua vida num dom total, para que a salvação de Deus chegasse a todos os povos  da  terra.
No  final, ele sente-se como um atleta que lutou até ao fim para vencer e está  satisfeito com a sua prestação. Resta-lhe receber essa coroa de glória,  reservada aos atletas vencedores (e que Paulo sabe não estar reservada apenas a  ele, mas também a todos aqueles que lutam com o mesmo denodo e o mesmo  entusiasmo pela causa do  "Reino").
Para  definir a sua vida como dom total a Deus e aos irmãos, Paulo utiliza aqui uma  imagem bem sugestiva: a imagem da vítima imolada em sacrifício. Paulo fez da sua  vida um dom total, ao serviço do Evangelho; a sua entrega foi um sacrifício  cultual a Deus. Agora, para que o sacrifício seja total, só resta coroar a sua  entrega com o dom do seu sangue… A referência à oferta "em libação" faz  referência aos sacrifícios em que se vertia o vinho sobre o altar, imediatamente  antes de ser imolada a vítima  sacrificial.
Há  duas maneiras de dar a vida por Cristo: uma é gastá-la dia a dia na tarefa de  levar a libertação que Cristo veio propor a todos os povos da terra; outra é  derramar, de uma vez, o sangue por causa da fé e do testemunho de Cristo… Paulo  conheceu as duas modalidades; imitar Paulo é um desafio que o autor da carta a  Timóteo faz aos discípulos do seu tempo e de todos os  tempos.
Na  segunda parte do nosso texto (vs. 16-18), o autor desta carta põe na boca de  Paulo o lamento desiludido de um homem cansado que, apesar de ter oferecido a  sua vida como dom aos irmãos se sente, no final, votado ao abandono e à solidão…  Mas, apesar de tudo, Paulo tem consciência de que Deus esteve a seu lado ao  longo da sua caminhada, lhe deu a força de enfrentar as dificuldades, o livrou  de todo o mal e lhe dará, no final da caminhada, a vida definitiva. Daí o louvor  com que Paulo termina: "glória a Ele por todo o sempre. Ámen". É esta a atitude  que o autor da carta pede aos seus irmãos: apesar do desânimo, do sofrimento, da  tribulação, descubram a presença de Deus, confiem na sua força, mantenham-se  fiéis ao Evangelho: assim recebereis, sem dúvida, a salvação definitiva que Deus  reserva a quem combateu o bom combate da  fé.
ATUALIZAÇÃO
·  Paulo foi uma das figuras que marcou, de forma decisiva, a história do  cristianismo. Ao olharmos para o seu exemplo, impressiona-nos como o encontro  com Cristo marcou a sua vida de forma tão decisiva; espanta-nos como ele se  identificou totalmente com Cristo; interpela-nos a forma entusiasmada e convicta  como ele anunciou o Evangelho em todo o mundo antigo, sem nunca vacilar perante  as dificuldades, os perigos, a tortura, a prisão, a morte; questiona-nos a forma  como ele quis viver ao jeito de Cristo, num dom total aos irmãos, ao serviço da  libertação de todos os homens. Paulo é, verdadeiramente, um modelo e um  testemunho que deve interpelar, desafiar e inspirar cada crente.  
·  O caminho que Paulo percorreu continua a não ser um caminho fácil. Hoje, como  ontem, descobrir Jesus e viver de forma coerente o compromisso cristão implica  percorrer um caminho de renúncia a valores a que os homens dos nossos dias dão  uma importância fundamental; implica ser incompreendido e, algumas vezes,  maltratado; implica ser olhado com desconfiança e, algumas vezes, com  comiseração… Contudo, à luz do testemunho de Paulo, o caminho cristão vivido com  radicalidade é um caminho que vale a pena, pois conduz à vida plena.  
·  Concordo? É este o caminho que eu me esforço por percorrer? Convém ter sempre  presente esse dado fundamental que deu sentido às apostas de Paulo: aquele que  escolhe Cristo não está só, ainda que tenha sido abandonado e traído por amigos  e conhecidos; o Senhor está a seu lado, dá-lhe força, anima-o e livra-o de todo  o mal. Animados por esta certeza, temos medo de quê?  
Evangelho  – Mateus 16,13-19 -  AMBIENTE
O  Evangelho deste domingo situa-nos no Norte da Galileia, perto das nascentes do  rio Jordão, em Cesareia de Filipe (na zona da atual Bânias). A cidade tinha sido  construída por Herodes Filipe (filho de Herodes o Grande) no ano 2 ou 3 a.C., em  honra do imperador  Augusto.
O  episódio que nos é proposto ocupa um lugar central no Evangelho de  Mateus.
Aparece  num momento de viragem, quando começa a perfilar-se no horizonte de Jesus um  destino de cruz. Depois do êxito inicial do seu ministério, Jesus experimenta a  oposição dos líderes e um certo desinteresse por parte do Povo. A sua proposta  do Reino não é acolhida senão por um pequeno grupo – o grupo dos  discípulos.
É,  então, que Jesus dirige aos discípulos uma série de perguntas sobre Si  próprio.
Não  se trata, tanto, de medir a sua quota de popularidade; trata-se, sobretudo, de  tornar as coisas mais claras para os discípulos e confirmá-los na sua opção de  seguir Jesus e de apostar no  Reino.
O  relato de Mateus é um pouco diferente do relato do mesmo episódio feito por  outros evangelistas (nomeadamente Marcos – cf. Mc. 8,27-30). Mateus remodelou e  ampliou o texto de Marcos, acrescentando a afirmação de que Jesus é o Filho de  Deus e a missão confiada a  Pedro.
MENSAGEM
O  nosso texto pode dividir-se em duas partes. A primeira, de caráter mais  cristológico, centra-se em Jesus e na definição da sua identidade. A segunda, de  caráter mais eclesiológico, centra-se na Igreja, que Jesus convoca à volta de  Pedro.
Na  primeira parte (vs. 13-16), Jesus interroga duplamente os discípulos: acerca do  que as pessoas dizem d'Ele e acerca do que os próprios discípulos  pensam.
A  opinião dos "homens" vê Jesus em continuidade com o passado ("João Baptista",  "Elias", "Jeremias" ou "algum dos profetas"). Não captam a condição única de  Jesus, a sua novidade, a sua originalidade. Reconhecem, apenas, que Jesus é um  homem convocado por Deus e enviado ao mundo com uma missão – como os profetas do  Antigo Testamento… Mas não vão além disso. Na perspectiva dos "homens", Jesus é,  apenas, um homem bom, justo, generoso, que escutou os apelos de Deus e que Se  esforçou por ser um sinal vivo de Deus, como tantos outros homens antes d'Ele  (vs. 13-14). É muito, mas não é o suficiente: significa que os "homens" não  entenderam a novidade do Messias, nem a profundidade do mistério de  Jesus.
A  opinião dos discípulos acerca de Jesus vai muito além da opinião comum. Pedro,  porta-voz da comunidade dos discípulos, resume o sentir da comunidade do Reino  na expressão: "Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo" (v. 16). Nestes dois  títulos, resume-se a fé da Igreja de Mateus e a catequese aí feita sobre Jesus.  Dizer que Jesus é "o Cristo" (Messias) significa dizer que Ele é esse libertador  que Israel esperava, enviado por Deus para libertar o seu Povo e para lhe  oferecer a salvação definitiva. No entanto, para os membros da comunidade do  Reino, Jesus não é apenas o Messias: é também o "Filho de Deus". No Antigo  Testamento, a expressão "Filho de Deus" é aplicada aos anjos (cf. Dt. 32,8; Sal.  29,1; 89,7; Job. 1,6), ao Povo eleito (cf. Ex. 4,22; Os 11,1; Jer. 3,19), aos  vários membros do Povo de Deus (cf. Dt. 14,1-2; Is. 1,2; 30,1.9; Jer. 3,14), ao  rei (cf. 2 Sm. 7,14) e ao Messias/rei da linhagem de David (cf. Sal. 2,7;  89,27). Designa a condição de alguém que tem uma relação particular com Deus, a  quem Deus elegeu e a quem Deus confiou uma missão. Definir Jesus como o "Filho  de Deus" significa, não só que Ele recebe vida de Deus, mas que vive em total  comunhão com Deus, que desenvolve com Deus uma relação de profunda intimidade e  que Deus Lhe confiou uma missão única para a salvação dos homens; significa  reconhecer a profunda unidade e intimidade entre Jesus e o Pai e que Jesus  conhece e realiza os projetos do Pai no meio dos homens. Os discípulos são  convidados a entender dessa forma o mistério de  Jesus.
Na  segunda parte (vs. 17-19), temos a resposta de Jesus à confissão de fé da  comunidade dos discípulos, apresentada pela voz de Pedro. Jesus começa por  felicitar Pedro (isto é, a comunidade) pela clareza da fé que o anima. No  entanto, essa fé não é mérito de Pedro, mas um dom de Deus ("não foram a carne e  o sangue que to revelaram, mas sim o meu Pai que está nos céus" – v. 17). Pedro  (os discípulos) pertence a essa categoria dos "pobres", dos "simples", abertos à  novidade de Deus, que têm um coração disponível para acolher os dons e as  propostas de Deus (esses "pobres" e "simples" estão em contraposição com os  líderes – fariseus, doutores da Lei, escribas – instalados nas suas certezas,  seguranças e preconceitos, incapazes de abrir o coração aos desafios de  Deus).
O  que é que significa Jesus dizer a Pedro que ele é "a rocha" (o nome "Pedro" é a  tradução grega do hebraico "Kephâ" – "rocha") sobre a qual a Igreja de Jesus vai  ser construída? As palavras de Jesus têm de ser vistas no contexto da confissão  de fé precedente. Mateus está, portanto, a afirmar que a base firme e  inamovível, sobre a qual vai assentar a Ekklesia de Jesus é a fé que Pedro e a  comunidade dos discípulos professam: a fé em Jesus como o Messias, Filho de Deus  vivo.
Para  que seja possível a Pedro testemunhar que Jesus é o Messias Filho de Deus e  edificar a comunidade do Reino, Jesus promete-lhe "as chaves do Reino dos céus"  e o poder de "ligar e desligar". Aquele que detém as chaves, no mundo bíblico, é  o "administrador do palácio"… Ora o "administrador do palácio", entre outras  coisas, administrava os bens do soberano, fixava o horário da abertura e do  fechamento das portas do palácio e definia quais os visitantes a introduzir  junto do soberano… Por outro lado, a expressão "atar e desatar" designava, entre  os judeus da época, o poder para interpretar a Lei com autoridade, para declarar  o que era ou não permitido, para excluir ou re-introduzir alguém na comunidade  do Povo de Deus. Assim, Jesus nomeia Pedro para "administrador" e supervisor da  Igreja, com autoridade para interpretar as palavras de Jesus, para adaptar os  ensinamentos de Jesus a novas necessidades e situações, e para acolher ou não  novos membros na comunidade dos discípulos do Reino (atenção: todos são chamados  por Deus a integrar a comunidade do Reino; mas aqueles que não estão dispostos a  aderir às propostas de Jesus não podem aí ser  admitidos).
Trata-se,  aqui, de confiar a um homem (Pedro) um primado, um papel de liderança absoluta  (o poder das chaves, o poder de ligar e desligar) da comunidade dos discípulos?  Ou Pedro é, aqui, um discípulo que dá voz a todos aqueles que acreditam em Jesus  e que representa a comunidade dos discípulos? É difícil, a partir deste texto,  fazer afirmações concludentes e definitivas. O poder de "ligar e desligar", por  exemplo, aparece noutro contexto, confiado à totalidade da comunidade e não a  Pedro em exclusivo (cf. Mt. 18,18). Provavelmente, o mais correto é ver em Pedro  o protótipo do discípulo; nele, está representada essa comunidade que se reúne  em volta de Jesus e que proclama a sua fé em Jesus como o "Messias" e o "Filho  de Deus". É a essa comunidade, representada por Pedro, que Jesus confia as  chaves do Reino e o poder de acolher ou excluir. Isso não invalida que Pedro  fosse uma figura de referência para os primeiros cristãos e que desempenhasse um  papel de primeiro plano na animação da Igreja nascente, sobretudo nas  comunidades da Síria (as comunidades a que o Evangelho de Mateus se  destina).
ATUALIZAÇÃO
·  Quem é Jesus? O que é que "os homens" dizem de Jesus? Muitos dos nossos  conterrâneos vêem em Jesus um homem bom, generoso, atento aos sofrimentos dos  outros, que sonhou com um mundo diferente; outros vêem em Jesus um admirável  "mestre" de moral, que tinha uma proposta de vida "interessante", mas que não  conseguiu impor os seus valores; alguns vêem em Jesus um admirável condutor de  massas, que acendeu a esperança nos corações das multidões carentes e órfãs, mas  que passou de moda quando as multidões deixaram de se interessar pelo fenômeno;  outros, ainda, vêem em Jesus um revolucionário, ingênuo e inconseqüente,  preocupado em construir uma sociedade mais justa e mais livre, que procurou  promover os pobres e os marginais e que foi eliminado pelos poderosos,  preocupados em manter o "statu quo". Estas visões apresentam Jesus como  "um homem" – embora "um homem" excepcional, que marcou a história e deixou uma  recordação imorredoira. Jesus foi, apenas, um "homem" que deixou a sua pegada na  história, como tantos outros que a história absorveu e  digeriu?
Para  os discípulos, Jesus foi bem mais do que "um homem". Ele foi e é "o Messias, o  Filho de Deus vivo". Definir Jesus dessa forma significa reconhecer em Jesus o  Deus que o Pai enviou ao mundo com uma proposta de salvação e de vida plena,  destinada a todos os homens. A proposta que Ele apresentou não é, apenas, uma  proposta de "um homem" bom, generoso, clarividente, que podemos admirar de longe  e aceitar ou não; mas é uma proposta de Deus, destinada a tornar cada homem ou  cada mulher uma pessoa nova, capaz de caminhar ao encontro de Deus e de chegar à  vida plena da felicidade sem fim. A diferença entre o "homem bom" e o "Messias,  Filho de Deus", é a diferença entre alguém a quem admiramos e que é igual a nós,  e alguém que nos transforma, que nos renova e que nos encaminha para a vida  eterna e verdadeira.  
·  "E vós, quem dizeis que Eu sou?" É uma pergunta que deve, de forma constante,  ecoar nos nossos ouvidos e no nosso coração. Responder a esta questão não  significa papaguear lições de catequese ou tratados de teologia, mas sim  interrogar o nosso coração e tentar perceber qual é o lugar que Cristo ocupa na  nossa existência… Responder a esta questão obriga-nos a pensar no significado  que Cristo tem na nossa vida, na atenção que damos às suas propostas, na  importância que os seus valores assumem nas nossas opções, no esforço que  fazemos ou que não fazemos para O seguir… Quem é Cristo para mim?  
·  É sobre a fé dos discípulos (isto é, sobre a sua adesão ao Cristo libertador e  salvador, que veio do Pai ao encontro dos homens com uma proposta de vida eterna  e verdadeira) que se constrói a Igreja de Jesus. O que é a Igreja? O nosso texto  responde de forma clara: é a comunidade dos discípulos que reconhecem Jesus como  "o Messias, o Filho de Deus". Que lugar ocupa Jesus na nossa experiência de  caminhada em Igreja? Porque é que estamos na Igreja: é por causa de Jesus  Cristo, ou é por outras causas (tradição, inércia, promoção pessoal…)?  
·  A Igreja de Jesus não existe, no entanto, para ficar a olhar para o céu, numa  contemplação estéril e inconsequente do "Messias, Filho de Deus"; mas existe  para O testemunhar e para levar a cada homem e a cada mulher a proposta de  salvação que Cristo veio oferecer. Temos consciência desta dimensão "profética"  e missionária da Igreja? Os homens e as mulheres com quem contatamos no dia a  dia – em casa, no emprego, na escola, na rua, no prédio, nos acontecimentos  sociais – recebem de nós este anúncio e este convite a integrar a comunidade da  salvação?  
·  A comunidade dos discípulos é uma comunidade organizada e estruturada, onde  existem pessoas que presidem e que desempenham o serviço da autoridade. Essa  autoridade não é, no entanto, absoluta; mas é uma autoridade que deve,  constantemente, ser amor e serviço. Sobretudo, é uma autoridade que deve  procurar discernir, em cada momento, as propostas de Cristo e a interpelação que  Ele lança aos discípulos e a todos os homens.  
p.  Joaquim Garrido, p. Manuel Barbosa, p. José Ornelas  Carvalho
 

 
 
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