O seguimento de Cristo não se constitui em uma mera obediência às leis, mas à prática constante do amor
A pregação de Jesus foi essencialmente por meio de parábolas.
Trata-se de um gênero literário cujo alcance permite-nos enxergar
desdobramentos ainda hoje. Em seus ensinamentos, Jesus não somente
transmitiu mensagens morais, como sugerem algumas exegeses. Ele fez
mais. O núcleo de Sua pregação era o próprio mistério da encarnação do
Verbo, que veio à humanidade para salvá-la em todas as épocas e lugares.
A clareza dessa dimensão cristológica das parábolas ajuda-nos a
perscrutar mais profundamente o sentido de algumas delas que, a
princípio, parecem obscuras a um olhar pouco espiritual. A conhecida Parábola do filho pródigo,
por exemplo, é frequentemente apresentada sob a visão do filho mais
novo, cuja herança reivindicou em nome de uma liberdade absoluta (cf. Lc
15, 11-32). É bastante tocante a maneira como o evangelista descreve a
cena do reencontro do Pai e do filho, após este ter esbanjado os bens e
sentido inveja da comida dos porcos.
Naturalmente, o leitor tende a identificar-se com a figura dessa
personagem, sobretudo pelo modo como as coisas se apresentam. Em um
mundo como o nosso, marcado por um desejo de irresponsabilidade e
liberdade sem limites, o testemunho do filho pródigo recorda-nos
que "o homem que entende a liberdade como radical arbitrariedade da
própria vontade e do próprio caminho vive na mentira", pois essa mesma liberdade facilmente converte-se em escravidão [1]. Vimos isso acontecer várias vezes na história recente.
A parábola, porém, não se resume ao perdão do Pai ao filho que
retorna do pecado. Jesus fala também de outro filho. Neste sentido,
podemos dizer que se trata da Parábola dos dois irmãos. A visão
conjunta de ambos abre-nos uma janela ainda maior para a misericórdia
de Deus, pois esses irmãos são retratos do modo como levamos nossa vida
espiritual. O filho mais novo, como se sabe, revela-nos o caminho ao
qual conduz a rebeldia contra a vontade de Deus, e a abertura desse
mesmo Deus Pai, sempre pronto a acolher quem volta após um processo de
conversão e purificação interior. O filho mais velho, por sua
vez, representa o mundo daqueles que, aparentemente, vivem na casa do
Pai, mas sua vivência não tem origem no amor.
O relato do evangelista fala-nos da insatisfação desse filho ao
deparar-se com os festejos pelo retorno do irmão. Ele se sente traído e
injuriado. "Há tantos anos que te sirvo e nunca transgredi um sequer dos
teus mandamentos", lamenta ao pai em tom de protesto. "Nunca me deste
nem sequer um cabrito para fazer uma festa com meus amigos", reclama.
Antes de mergulharmos na leitura espiritual deste texto, é preciso
conhecer o ambiente em que Jesus conta essa parábola. Cristo estava
diante dos fariseus, os quais repudiavam a aproximação d'Ele com os
pecadores. Ora, não nos fica claro agora de quem Jesus fala quando
apresenta a figura do irmão mais velho? Ele elucida a atitude daqueles
que entendem o serviço a Deus como algo meramente jurídico. Para estes,
basta o cumprimento das leis. Interiormente, explica Bento XVI, o filho
mais velho também "teria sonhado com uma liberdade sem limites"; e isso o
tornou "amargo na sua obediência", pois, afinal, não conhecia "a graça
do que significa estar em casa, da verdadeira liberdade, que ele como
filho tem" [2].
Nos dias de hoje, é grande a tentação da religiosidade jurídica. A
entrega a Deus e, consequentemente, às exigências que dela decorrem
ficam restritas ao campo da estética. O filho mais velho obedecia ao pai
não por amor, mas porque não tinha a "coragem" necessária do irmão mais
novo para reivindicar sua parte na herança. Ele tinha uma imagem a
zelar perante a família e a opinião pública. No seu íntimo, no entanto,
grande era o desejo de também estar na vida desregrada e contrária a
Deus; havia uma "silenciosa inveja por aquilo que o outro pôde
permitir-se" [3].
É preciso afastar com vigor essa compreensão voluntarista que
se tem da ação de Deus, cujos efeitos na sociedade moderna têm se
revelado desastrosos. Seja pela rebeldia ao projeto divino —
como no caso do filho mais novo —, seja pelo rigorismo moralista — que
se expressa no protesto do filho mais velho —, uma tal compreensão só
pode terminar por condenar o seguimento a Cristo a algo arbitrário e
desprovido de qualquer valor salvífico [4]. Tratar-se-ia, antes, de uma
coisa opressora.
Deus, por outro lado, não age como um legislador autoritário, que decide conforme os gostos do momento. Toda a criação manifesta uma inteligibilidade, cuja essência é o amor divino para com a criatura
[5]. Com efeito, a lei suprema não deve ser obedecida porque deve ser
obedecida, mas porque é o caminho natural para a autorrealização do
homem. "Ninguém é justificado por observar a Lei de Moisés, mas por crer
em Jesus Cristo" (Gl 2, 16). A Parábola dos dois irmãos quer revelar precisamente isto. O Pai é, acima de tudo, amor e misericórdia (1 Jo 4, 8).
Assim se entende a atitude de Jesus em relação aos pecadores como
também o modo como nós devemos reintroduzi-los à vida da graça. Como
explica o Papa Francisco, "há momentos em que somos chamados, de maneira
ainda mais intensa, a fixar o olhar na misericórdia, para nos tornarmos
nós mesmos sinal eficaz do agir do Pai" [6]. Não se trata de ser
conivente com o pecado, mas de colocar-se no lugar do outro para
perceber que, sem a ajuda de Deus, também cairíamos no mesmo erro. Desse
modo, o exercício da correção fraterna tem o efeito da correção feita
por Cristo à mulher adúltera: uma conversão verdadeiramente profunda
(cf. Jo 8, 11).
A conversão profunda dessa mulher levou-a a permanecer firme no
caminho de Jesus, mesmo quando esse caminho perfilou-se com a cruz. O
rigorismo jurídico dos fariseus pregou Jesus na cruz.
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