“Tornei-me como um homem sem socorro, abandonado entre os mortos.” (Sl 87, 5)
Considera os sofrimentos de Jesus Cristo no seio de sua Mãe,
onde esteve como numa prisão durante nove meses. É verdade que as
outras crianças se acham no mesmo estado, mas não lhe sentem os
incômodos, porque não os conhecem. Jesus, ao contrário, tinha pleno
conhecimento deles, pois desde o primeiro instante de sua vida, teve o
perfeito uso da razão.
Possuía os sentidos e não podia servir-se deles; tinha olhos e não
podia ver; tinha língua e não podia falar; tinha mão e não podia
estendê-las; tinha pés e não podia andar, de sorte que durante nove
meses teve de ficar no seio de Maria como um morto encerrado num
sepulcro: “Como um homem sem socorro, abandonado entre os mortos”.
Era livre, porque voluntariamente se fizera prisioneiro de amor naquele cárcere;
mas o amor o privava da liberdade e lá o conservava tão estreitamente
preso, que não podia mover-se: ele era livre, porém entre os mortos. “Ó
paciência do Salvador!”, exclama S. Ambrósio ao considerar os
sofrimentos de Jesus no seio de Maria.
O seio de Maria foi pois para o nosso Redentor uma prisão voluntária, porque era uma prisão de amor;
não foi todavia uma prisão injusta: Jesus era inocente, mas se
oferecera para pagar as nossas dívidas e expiar as nossas iniqüidades.
É pois com razão que a divina justiça o conservou assim encerrado,
começando a exigir por esta primeira pena a satisfação que lhe era
devida. Eis a que se reduz o Filho de Deus por amor dos homens: priva-se de sua liberdade e se coloca em cadeias para livrar-nos das cadeias do inferno.
E nós poderíamos sem injustiça não corresponder com gratidão e amor à
bondade daquele que, sem estar a isso obrigado, mas por puro afeto para
conosco, se fez nossa caução e nosso libertador, que se ofereceu para
pagar nossas dívidas e de fato as pagou com sua vida divina, e se
carregou das penas devidas aos nossos crimes? “Não te esqueças”, diz o
autor sagrado, “do benefício que te fez o que ficou por teu fiador,
porque ele expôs a sua vida por ti” (Eclo 29, 20).
Afetos e Súplicas
Sim, meu Jesus, o vosso profeta tem razão de advertir-me a não esquecer a graça inapreciável que me fizestes. Eu era o devedor, o culpado; e vós inocente, vós, o meu Deus, quisestes expiar minhas faltas com vossas dores e com a vossa morte. Mas eu, depois disso, esqueci os vossos benefícios e o vosso amor e tive a audácia de voltar-vos as costas, como se não fosseis o meu soberano Senhor, e um Senhor que me amou tanto!
Mas, meu caro Redentor, se no passado fui ingrato, estou resolvido a não cometer mais a mesma falta: os vossos sofrimentos e a vossa morte serão o objeto contínuo dos meus pensamentos;
recordar-me-ão sem cessar o amor que me tendes. Maldigo esses dias em
que, esquecido do que sofrestes por mim, fiz uso tão mau da minha
liberdade; vós ma destes para eu vos amar, e dela me servi para vos ultrajar! Mas hoje, consagro-vos inteiramente essa liberdade que recebi de vós.
Por favor, Senhor, preservai-me da desgraça de me ver outra vez separado de vós e caído na escravidão de Lúcifer. Prendei minha pobre alma aos vossos sagrados pés pelas cadeias do vosso amor a fim de que não se separe jamais de vós. — Pai eterno, pelo cativeiro de Jesus no seio de Maria, livrai-me das cadeias do pecado e do inferno.
E vós, ó Mãe de Deus, socorrei-me. Tendes o Filho do Altíssimo
encerrado em vosso seio e estreitamente unido a vós: já que Jesus é
vosso prisioneiro, fará o que lhe disserdes, ah! dizei-lhe que me
perdoe, dizei-lhe que me torne santo. Ajudai-me, minha Mãe, eu vos
conjuro pela graça e honra que Jesus Cristo vos fez de habitar nove
meses em vós.
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