“Veio para o que era seu, e os seus o não receberam.” (Jo 1, 11)
Um dia, durante as festas do Natal, S. Francisco de Assis andava
chorando e suspirando pelos caminhos e florestas, e parecia
inconsolável. Perguntaram-lhe a causa de sua dor e ele respondeu: “Como quereis que eu não chore, vendo que o amor não é amado?
Vejo um Deus amar o homem até a loucura, e o homem ser tão ingrato a
esse Deus!” [1] Se a ingratidão dos homens afligia tanto o coração de S.
Francisco, imaginemos quanto mais afligiu o coração de Jesus Cristo!
Apenas concebido no seio de Maria, ele viu a cruel ingratidão que
devia receber dos homens. Viera do céu para acender na terra o fogo do
amor divino; esse único motivo o levou a deixar-se imergir num abismo de
dores e opróbrios: “Vim trazer o fogo sobre a terra, e que quero senão
que se inflame?” (Lc 12, 49). E via um abismo de pecados que os homens iriam cometer depois de receberem tantas provas de seu amor! Eis, diz S. Bernardino de Sena, o que lhe causou uma dor infinita [2].
Nós
mesmos sentimos pena insuportável vendo-nos tratados com ingratidão; é
que, segundo a reflexão do bem-aventurado Simão de Cássia, “muitas vezes a ingratidão aflige mais a nossa alma do que qualquer outra dor ao corpo” [3].
Qual não foi pois a dor de Jesus Cristo, nosso Deus, ao ver que
corresponderíamos a seus benefícios e amor com ofensas e injúrias!
Ele se queixou pela boca de Davi: “Deram-me males em troca de bens, e ódio em troca do amor que eu lhes tinha” (Sl 108, 5); mas também hoje em dia parece que Jesus Cristo se lamenta: “Sou como um estranho no meio de meus irmãos” (Sl
68, 9), por ver um grande número deles viver sem o amar e sem o
conhecer, como se não os tivesse beneficiado, e como se nada houvera
sofrido por amor deles. Ah! que caso fazem hoje muitos cristãos do amor de Jesus Cristo?
Nosso Senhor apareceu um dia ao bem-aventurado Henrique Suso sob a
forma dum peregrino a mendigar de porta em porta um abrigo; mas todos o
repeliam injuriando-o grosseiramente [4]. Quantos se parecem com aqueles
de que falava Jó: “Diziam a Deus: Retirai-vos de nós...; e isso depois
que enchera suas casas de toda a sorte de bens” (Jó 22, 17-18).
No passado também nós fomos ingratos; queremos ainda continuar a sê-lo? Oh! não: esse amável Menino, que do céu veio sofrer e morrer por nós para obter o nosso amor, não merece tal ingratidão.
Afetos e Súplicas
É pois verdade, meu Jesus, que descestes do céu para vos fazer amar
de mim; viestes abraçar uma vida de penas e a morte da cruz por meu
amor, a fim de abrir-vos a entrada do meu coração; e eu vos repeli
tantas vezes dizendo: “Retirai-vos de mim, Senhor; não vos quero!” — Ah!
se não fosseis um Deus de bondade infinita, e se não tivésseis dado a vossa vida para perdoar-me, não ousaria pedir-vos perdão. Mas ouço que vós mesmo me ofereceis a paz: “Converteis-vos a mim”, dizeis, “e eu me converterei a vós” (Zc 1, 3).
Pois
bem, meu Jesus, vós a quem ofendi, vos fazeis meu intercessor. Não
quero pois fazer-vos ainda a injúria de desconfiar da vossa
misericórdia. Arrependo-me de toda a minha alma de vos haver ofendido e desprezado, ó Bem supremo; recebei-me em vossa graça, conjuro-vos pelo sangue que derramastes por mim. Não, meu Redentor e meu Pai, “não sou digno de ser chamado vosso filho” (cf. Lc 15, 18-21), depois de haver tantas vezes renunciado ao vosso amor; mas vós com os vossos méritos me tornais digno dele.
Agradeço-vos, meu Pai, agradeço-vos e amo-vos. Ah! já a lembrança da
paciência com que me suportastes tantos anos e das graças que me
prodigalizastes após tantos ultrajes da minha parte, deveria fazer-me
arder sem cessar de amor por vós. Vinde, pois, meu Jesus, não quero mais repelir-vos; vinde habitar em meu pobre coração. Amo-vos e quero amar-vos sempre; inflamai-me cada vez mais recordando-me sempre o amor que me tivestes.
Minha Rainha e minha Mãe, ajudai-me, pedi a Jesus por mim: fazei que
durante o resto da minha vida, eu seja grato para com esse Deus que
tanto me tem amado mesmo depois de haver recebido de mim tantas ofensas.
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