Nossa época despreza a humildade
como coisa de fracos e ignorantes. Mas é justamente esta a virtude de
que o homem precisa para conhecer o seu devido valor.
Em um mundo dominado pela lógica do mérito e da competição, é
inevitável que as pessoas acabem desprezando a virtude da humildade como
coisa de fracos e ignorantes. O apego à honra, aos títulos e às
glórias temporais impede a razão de compreender por que alguém deveria
admitir sua própria miséria perante outro, servindo-o mesmo nos
trabalhos, digamos, menos dignos, ou aceitar pacientemente os desaforos
e injustiças que as pessoas lhe possam causar, como ensina a doutrina
cristã. O mundo da competição atiça os ânimos e entrega a
natureza humana aos apetites sensíveis, aos desejos mais pueris de
domínio e prazer.
Desde o Renascimento, a humanidade passou a valorizar-se não mais segundo o “homem interior”, para usar a linguagem do Apóstolo, mas segundo o “homem exterior”,
isto é, segundo a carne e as realizações do homem prático: a execução
de tarefas difíceis, a conquista de troféus, o desenvolvimento das
potencialidades do corpo e da ciência, os aplausos, a estima e a boa
reputação etc. Tudo isso se tornou o objeto mais desejado pelo homem
moderno, de modo que a busca pelo Céu e pela santidade se perdeu no nevoeiro das paixões.
O filósofo Jacques Maritain explica que, a partir da desintegração da
cristandade, o homem teve de enfrentar o desespero da própria
indigência [1]. Para aquele que era a imagem e semelhança do Criador restou apenas a certeza angustiante do nada.
Essa condição gerou na sociedade uma sede de vida plena, não no sentido
escatológico, mas no sentido carnal. O homem passou a reivindicar a
própria reabilitação, diz Maritain, e o direito de ser amado,
tornando-se assim o centro do universo [2].
Mas esse amor por si mesmo desviou-se da alma para a matéria, daquilo
que o ser humano tem de mais importante para aquilo que é secundário. E
essa foi a infelicidade do mundo pós-cristão, porque, como ensina toda a
tradição cristã, o amor desordenado por si mesmo, ou seja, o amor pelas coisas inferiores à alma, é o que está na origem de todos os vícios e desordens.
Notem que foi nesse mesmo ambiente cultural que surgiram fenômenos como o capitalismo e o comunismo doutrinas viciadas pela avareza e pela inveja. O primeiro, na sua versão mais liberal possível, prega o culto à economia, ao laissez faire,
ao acúmulo dos bens materiais que tornam a vida soberba. O segundo, por
outro lado, inveja os bens alheios e não mede esforços para
“coletivizá-los”, submetendo tudo e todos ao poder tirano do Estado. Ambos são resultados de uma civilização que rejeitou a humildade, que desprezou os conselhos evangélicos para desfrutar das glórias deste mundo, considerando o bem-estar social como a única coisa capaz de tornar o homem feliz e plenamente realizado.
E, como frutos dessa escolha, essa mesma civilização colheu as guerras,
os campos de extermínio e as ditaduras dos dois últimos séculos.
A exclusão de Deus do horizonte humano provocou uma desvalorização do
próprio homem, porque, tomando como principal de si justamente a parte
que é comum às demais criaturas, este se esqueceu daquilo que é mais digno em seu ser: a alma.
Na verdade, o mundo atual padece da mesma tentação que ocupou o
coração de Adão e Eva no paraíso. A sedução do fruto proibido pela falsa
glória que ele traria causou a primeira rebeldia contra Deus, a
primeira acusação leviana contra o próximo, o primeiro passo da
humanidade para as guerras fratricidas: os pais pecaram por soberba, o filho por inveja. Como não enxergar essa mesma história se repetindo dia após dia no mundo de hoje? A beleza do fruto proibido segue corrompendo a natureza humana.
Para recuperar a saúde espiritual de nossa civilização, o homem
precisa voltar-se novamente para o seu interior, a fim de conhecer-se a
si mesmo e admitir que as glórias pueris deste mundo não são o
que o tornam digno de ser amado, mas sim o fato de ele ser a única
criatura querida por Deus por si mesma. Como ensina o Catecismo, “o indivíduo humano possui a dignidade de pessoa: ele
não é somente alguma coisa, mas alguém” (n. 357). Antes mesmo de ser
concebido, antes mesmo que tivesse a individualidade da matéria, Deus o
pensou, desejando-o pessoalmente, o que demonstra que o amor é uma iniciativa primeiramente divina, não uma consequência das conquistas mundanas.
Por sua parte sensível e corpórea, os homens não passam de trapos
velhos. Daí a necessidade da virtude da humildade para que o homem
reconheça a sua inépcia e dependência de Deus, conforme testemunha Santa
Catarina de Sena em uma carta ao Papa Gregório XI:
A alma que se conhece a si mesma se humilha. Nada vê, com efeito, de que se possa orgulhar. Ela alimenta, dentro de si, o doce fruto de uma ardente caridade, conhecendo nela a bondade sem limites de Deus. Ó doce e verdadeiro conhecimento que traz consigo o gládio do ódio, e inspirado por esse ódio estende a mão do santo desejo para agarrar e arrancar o verme do amor-próprio.
A humildade, ou seja, a atitude de recolher-se no interior e rebaixar-se diante da verdade é a única coisa que pode remediar a soberba deste século.
A encarnação de Jesus deu-se justamente como remédio eficaz para a
doença espiritual da vanglória, para reconduzir o indivíduo homem para a
pessoa humana. Despojando-se de toda a sua glória, Cristo
rebaixou-se à condição carnal para dar o exemplo aos demais homens da
virtude que deve fundamentar a vida de cada um de nós: a
humildade. Se não é ela a base sólida de nossos edifícios, é certo que
eles desmoronarão — assim como desmoronou a estátua do sonho de
Nabucodonosor, cujo busto era de ouro, prata e bronze, mas os pés eram
de barro.
A humildade, embora não seja a maior de todas as virtudes, deve estar
em primeiro lugar como fundamento da vida espiritual, diz Santo Afonso
de Ligório, a fim de que a soberba não destrua aquilo que foi construído a duras penas
[3]. A humildade é a guardiã de todas as virtudes. Por isso Jesus
chamou os humildes de “bem-aventurados”. No “fracasso” da Cruz, Jesus
mostrou que não são os músculos do homem que vencem a morte e atraem a graça de Deus, mas a reta e humilde intenção do coração, que é capaz de fazer alguém dizer aos seus algozes: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem” (Lc 23, 34).
Não há nada de bom no ser humano que não tenha sido herdado de Deus,
motivo pelo qual os soberbos, além de atraírem a ira divina, fazem
papel de ridículo quando desejam a atenção dos outros por conta de suas
conquistas materiais. A razão de tantas rixas e inquietações na
sociedade contemporânea está no orgulho que os homens nutrem por si
mesmos, de modo que nunca conseguirão ser tratados segundo o conceito
errôneo que fazem de sua própria pessoa. Os humildes, por outro lado, vivem
em paz porque sabem que por eles mesmos não merecem senão o desprezo e,
se recebem alguma honra, sempre a consideram maior do que mereceriam.
A humildade é necessária para manter a sanidade e a unidade de uma
civilização. Mais ainda: a humildade é necessária para que o homem se
ame segundo aquilo que possui de mais nobre, que é a sua alma, moldada à
imagem e semelhança de Deus. Do contrário, os homens acabam vendendo a própria alma por algumas moedas de prata, como fizeram muitos na história. Fora da humildade não há salvação.
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