A liturgia deste domingo leva-nos à
manifestação de Jesus como "a luz" que atrai a Si todos os povos da
terra. Essa "luz" encarnou na nossa história, a fim de iluminar os
caminhos dos homens com uma proposta de salvação/libertação.
A primeira leitura anuncia a chegada da
luz salvadora de Jahwéh, que alegrará Jerusalém e que atrairá à cidade de Deus
povos de todo o mundo.
No Evangelho, vemos a concretização
dessa promessa: ao encontro de Jesus vêm os "Magos", atentos aos
sinais da chegada do Messias, que O aceitam como "salvação de Deus" e
O adoram. A salvação, rejeitada pelos habitantes de Jerusalém, torna-se agora
uma oferta universal.
A segunda leitura apresenta o projeto
salvador de Deus como uma realidade que vai atingir toda a humanidade, juntando
judeus e pagãos numa mesma comunidade de irmãos - a comunidade de Jesus.
1ª leitura: Is.
60,1-6 - AMBIENTE
A primeira leitura de hoje integra um
bloco a que se convencionou chamar "TritoIsaías" (cap. 56-66 do Livro
de Isaías). Para alguns, são textos de um profeta anônimo, pós-exílico, que
exerceu o seu ministério em Jerusalém, entre os retornados da Babilônia, nos
anos 537/520 a.C.; para a maioria, trata-se de textos que provêm de uma
pluralidade de autores e que foram redigidos ao longo de um arco de tempo
relativamente longo (provavelmente, entre os séc. VI e V a.C.). Seja como for,
estamos na época a seguir ao regresso do exílio da Babilônia e numa Jerusalém
ainda bem marcada pelo sofrimento passado e pela pobreza presente.
O texto que nos é proposto é uma
glorificação de Jerusalém, a cidade da luz (pela sua situação geográfica, a
cidade é iluminada desde o nascer do dia até ao pôr do sol). Ainda há pouco
tempo a cidade estava vazia e em ruínas, num quadro de noite e escuridão;
agora, já terminou a humilhação, mas a cidade espera ainda a restauração do
Templo, uma população mais numerosa e uma tranquilidade maior.
MENSAGEM
Inspirado, sem dúvida, pelo sol
nascente que ilumina as belas pedras brancas das construções de Jerusalém e faz
a cidade transfigurar-se pela manhã, o profeta anuncia a chegada da luz
salvadora de Deus, que dará à cidade um novo rosto. Essa luz nova, que a
presença salvadora de Deus trará à sua cidade, vai concentrar nela os olhares
de todos os que esperam a salvação. Como consequência, Jerusalém será
abundantemente repovoada (com o regresso de muitos "filhos" e
"filhas") e os povos convergirão para Jerusalém, inundando-a de
riquezas (nomeadamente, incenso para o serviço do Templo) e cantando os
louvores de Deus.
ATUALIZAÇÃO
* Outra vez se manifesta na caminhada
do Povo de Deus a presença salvadora e libertadora de Deus, que não abandona o
seu Povo. Esta "fidelidade" de Deus aos seus compromissos aquece-nos
o coração e dá-nos a garantia de um Deus que não desiste, nunca, de nos
proporcionar a salvação, a vida plena.
* É preciso, sem dúvida, ligar a
chegada da "luz" salvadora de Deus a Jerusalém com o nascimento de
Jesus. O projeto de libertação que Jesus vem apresentar aos homens será a luz
que vence as trevas e que dará um novo rosto ao mundo. Mais uma vez é preciso
perguntar: essa luz libertadora chega, de fato, aos homens através do nosso
testemunho?
* Na catequese cristã dos primeiros
tempos, esta Jerusalém nova, que já "não necessita de sol nem de lua para
a iluminar, porque é iluminada pela glória de Deus", é a Igreja - a
comunidade dos que aderiram a Jesus e acolheram a luz salvadora que Ele veio
trazer (cf. Ap 21,10-14.23-25). Será que nas nossas comunidades brilha a luz
libertadora de Jesus? As nossas desavenças e conflitos, a nossa falta de amor,
os ciúmes e rivalidades, não contribuirão para empanar o brilho dessa luz de
Deus que devíamos refletir?
* Será que na nossa Igreja há espaço
para todos aqueles que buscam a luz libertadora de Deus? As diferenças,
próprias da diversidade de culturas, são vistas como uma riqueza que importa
preservar, ou como uma ameaça à uniformidade?
2ª leitura: Ef.
3,2-3a.5-6 - AMBIENTE
Quando Paulo escreve a Carta aos
Efésios, está preso - não sabemos se em Cesareia, em Roma, ou em qualquer outro
lugar. É um Paulo de uma reflexão e uma catequese já bem amadurecidas que escreve
este texto. A carta (talvez uma "carta circular", enviada a várias
comunidades cristãs da Ásia Menor) parece apresentar uma espécie de síntese do
pensamento paulino...
O tema central da Carta aos Efésios é
aquilo a que Paulo chama "o mistério": o desígnio (ou projeto)
salvador de Deus, definido desde toda a eternidade, escondido durante séculos,
revelado e concretizado plenamente em Jesus, comunicado aos apóstolos,
desfraldado e dado a conhecer ao mundo na Igreja.
MENSAGEM
A Paulo, apóstolo como os Doze, também
foi revelado "o mistério". É esse "mistério" que aqui Paulo
desvela aos crentes da Ásia Menor.
Em que consiste o mistério desvelado
por Paulo? Consiste na constatação de que, em Jesus Cristo, chegou a salvação
definitiva para os homens; e essa salvação não é exclusivamente para os judeus,
mas destina-se a todos os povos da terra, sem exceção. Percebemos, assim,
porque é que Paulo se fez o arauto da boa nova de Jesus entre os pagãos ...
Agora, judeus e gentios são membros de
um mesmo e único "corpo" (o "corpo de Cristo" ou
"Igreja"), partilham o mesmo projeto salvador que os faz, em
igualdade de circunstâncias, "filhos de Deus" e todos participam da
promessa feita por Deus a Abraão (cf. Gn 12,3) - promessa cuja realização
Cristo levou a cabo.
ATUALIZAÇÃO
* A presença salvadora de Deus no meio
do seu Povo, já enunciada na primeira leitura, tem aqui novos desenvolvimentos.
A primeira novidade é que Cristo é a revelação e a realização plena desse
projeto. A segunda novidade é que esse projeto não se destina apenas "a
Jerusalém" (ao mundo judaico), mas é para todos os povos, sem exceção.
* A Igreja é o "corpo de
Cristo", isto é, a comunidade daqueles que acolheram "o
mistério". Nela, judeus e pagãos - beneficiários todos do projeto salvador
de Deus - têm lugar, em igualdade de circunstâncias. Temos, verdadeiramente,
consciência de que é nesta comunidade de crentes que se revela hoje ao mundo o
projecto salvador de Deus? E as nossas comunidades são verdadeiras comunidades
fraternas, onde todos se amam sem distinção de raça, cor ou estatuto social? As
diferenças legítimas são um complemento da nossa riqueza comum, ou razões para
manifestarmos indiferença e afastamento face aos irmãos?
* Esta igualdade fundamental de todos
os homens implica sentirmo-nos responsáveis por todos aqueles que partilham
conosco o mundo (ou, quem sabe, o cosmos). Sentimo-nos responsáveis pela sorte
dos nossos irmãos, mesmo por aqueles que estão separados de nós pela geografia,
pela diversidade de culturas e de raças?
Evangelho: Mt. 2,1-12
- AMBIENTE
Na Solenidade da Epifania do Senhor, a
liturgia apresenta-nos a visita dos Magos ao menino de Belém. Trata-se de um
episódio que, ao longo dos séculos, tem provocado um impacto considerável nos
sonhos e nas fantasias dos cristãos ... No entanto, não estamos diante de uma
reportagem jornalística que faz a cobertura da visita oficial de três chefes de
Estado a outro país; estamos diante de uma catequese sobre Jesus, destinada a
apresentar Jesus como o salvador/libertador de todos os homens.
MENSAGEM
Os numerosos detalhes do relato
demonstram, claramente, que o propósito de Mateus não é de tipo histórico, mas
catequético.
Notemos, em primeiro lugar, a
insistência de Mateus no fato de Jesus ter nascido em Belém de Judá (cf. Mt.
2,1.5.6.7). Para entender esta insistência temos de recordar que Belém era a
terra natal do rei David. Afirmar que Jesus nasceu em Belém é ligá-l'O a esses
anúncios proféticos que falavam do Messias como o descendente de David que
havia de nascer em Belém (cf. Mq 5,1.3; 2Sm. 5,2) e restaurar o reino ideal de
seu pai. Com esta nota, Mateus quer aquietar aqueles que pensavam que Jesus
tinha nascido em Nazaré e que viam nisso um obstáculo para O reconhecerem como
Messias.
Notemos, em segundo lugar, a referência
a uma estrela "especial" que apareceu no céu por esta altura e que
conduziu os "Magos" para Belém. A interpretação desta referência como
indicação histórica levou alguém a cálculos astronômicos complicados para
concluir que, no ano 6 a.C., uma conjunção de planetas explicaria o fenômeno
luminoso da estrela refulgente mencionada por Mateus; outros andaram à procura
do cometa que, por esta época, devia ter sulcado os céus do Médio Oriente ...
Na realidade, não podemos entender esta referência como histórica, mas antes
como catequese sobre Jesus. Segundo a crença popular, o nascimento de uma
personagem importante era acompanhado da aparição de uma nova estrela. Também a
tradição judaica anunciava o Messias como a estrela que surge de Jacob (cf. Nm
24,17). É com estes elementos que a imaginação de Mateus, posta ao serviço da
catequese, vai inventar a "estréia". Mateus está, sobretudo,
interessado em fornecer aos cristãos da sua comunidade argumentos seguros para
rebater aqueles que negavam que Jesus era o Messias esperado.
Temos, ainda, as figuras dos
"Magos". A palavra grega "mágos", usada por Mateus, abarca
um vasto leque de significados e é aplicada a personagens muito diversas:
mágicos, feiticeiros, charlatães, sacerdotes persas, propagandistas religiosos
... Aqui, poderia designar astrólogos mesopotâmios, entrados em contacto com o
messianismo judaico. Seja como for, esses "Magos" representam, na
catequese de Mateus, esses povos estrangeiros de que falava a primeira leitura
(cf. Is 60,1-6), que se põem a caminho de Jerusalém com as suas riquezas (ouro
e incenso) para encontrar a luz salvadora de Deus que brilha sobre a cidade.
Jesus é, na opinião de Mateus e da catequese da Igreja primitiva, essa luz.
Além de uma catequese sobre Jesus, este
relato recolhe, de forma paradigmática, duas atitudes que se vão repetir ao
longo de todo o Evangelho: o povo de Israel rejeita Jesus, enquanto que os
"Magos" do oriente (que são pagãos) O adoram; Herodes e Jerusalém "ficam
perturbados" diante da notícia do nascimento de Jesus e planeiam a sua
morte, enquanto que os pagãos sentem uma grande alegria e reconhecem-n'O como o
seu Senhor.
Mateus anuncia, aqui, que Jesus vai ser
rejeitado pelo seu povo; mas vai ser acolhido pelos pagãos, que entrarão a
formar parte do novo Povo de Deus. O itinerário seguido pelos "Magos"
reflecte o processo que os pagãos seguiram para encontrar Jesus: estão atentos
aos sinais (estrela), percebem que Jesus traz a salvação, põem-se decididamente
a caminho para O encontrar, perguntam aos judeus - que conhecem as Escrituras -
o que fazer, encontram Jesus e adoram-n'O. É muito possível que um grande
número de pagano-cristãos da comunidade de Mateus descobrisse neste relato as
etapas do seu próprio caminho em direção a Jesus.
ATUALIZAÇÃO
* Em primeiro lugar, meditemos nas
atitudes das várias personagens que Mateus nos apresenta em confronto com
Jesus: os "Magos", Herodes, os príncipes dos sacerdotes e os escribas
do povo ... Diante de Jesus, eles assumem atitudes diversas que vão desde a
adoração (os "Magos") até à rejeição total (Herodes), passando pela
indiferença (os sacerdotes e os escribas: nenhum deles se preocupou em ir ao
encontro desse Messias que eles conheciam bem das Escrituras). Identificamo-nos
com algum destes grupos? Não é fácil "conhecer as Escrituras", como
profissionais da religião e, depois, deixar que as propostas e os valores de
Jesus nos passem ao lado?
* Os "Magos" são apresentados
como os "homens dos sinais", que sabem ver na "estrela" o
sinal da chegada da libertação. Somos pessoas atentas aos "sinais" -
isto é, somos capazes de ler os acontecimentos da nossa vida e da história do
mundo à luz de Deus? Procuramos perceber nos "sinais" a vontade de
Deus?
* Impressiona também, no relato de Mateus,
a "desinstalação" dos "Magos": viram a "estréia",
deixaram tudo, arriscaram tudo e vieram procurar Jesus. Somos capazes da mesma
atitude de desinstalação, ou estamos demasiado agarrados ao nosso sofá, ao
nosso colchão, à nossa televisão, à nossa aparelhagem, à nossa internet? Somos
capazes de deixar tudo para responder aos apelos que Jesus faz através dos
irmãos?
* Os "Magos" representam os
homens de todo o mundo que vão ao encontro de Cristo e que se prostram diante
d'Ele. É a imagem da Igreja, essa família de irmãos, constituída por gente de
muitas cores e raças, que aderem a Jesus e que O reconhecem como "o
Senhor".
SEGUNDA HOMILIA
A liturgia deste domingo celebra a
manifestação de Jesus a todos os homens… Ele é uma “luz” que se acende na noite
do mundo e atrai a si todos os povos da terra. Cumprindo o projeto libertador
que o Pai nos queria oferecer, essa “luz” encarnou na nossa história, iluminou
os caminhos dos homens, conduziu-os ao encontro da salvação, da vida
definitiva.
A primeira leitura anuncia a chegada da
luz salvadora de Jahwéh, que transfigurará Jerusalém e que atrairá à cidade de
Deus povos de todo o mundo.
No Evangelho, vemos a concretização
dessa promessa: ao encontro de Jesus vêm os “magos” do oriente, representantes
de todos os povos da terra… Atentos aos sinais da chegada do Messias,
procuram-n’O com esperança até O encontrar, reconhecem n’Ele a “salvação de
Deus” e aceitam-n’O como “o Senhor”. A salvação rejeitada pelos habitantes de
Jerusalém torna-se agora um dom que Deus oferece a todos os homens, sem
exceção.
A segunda leitura apresenta o projeto
salvador de Deus como uma realidade que vai atingir toda a humanidade, juntando
judeus e pagãos numa mesma comunidade de irmãos – a comunidade de Jesus.
1ª leitura: Is.
60,1-6 - AMBIENTE
Aos capítulos 56-66 do Livro de Isaías,
convencionou-se chamar “Trito-Isaías”. Trata-se de um conjunto de textos cuja
proveniência não é totalmente consensual… Para alguns, são textos de um profeta
anônimo, pós-exílico, que exerceu o seu ministério em Jerusalém após o regresso
dos exilados da Babilônia, nos anos 537/520 a.C.; para a maioria, trata-se de
textos que provêm de diversos autores pós-exílicos e que foram redigidos ao
longo de um arco de tempo relativamente longo (provavelmente, entre os sécs. VI
e V a.C.). De qualquer forma, estamos na época a seguir ao Exílio e numa
Jerusalém em reconstrução… As marcas do passado ainda se notam nas pedras
calcinadas da cidade; os judeus que se estabeleceram na cidade são ainda
poucos; a pobreza dos exilados faz com que a reconstrução seja lenta e muito
modesta; os inimigos estão à espreita e a população está desanimada… Sonha-se,
no entanto, com esse dia futuro em que vai chegar Deus para trazer a salvação
definitiva ao seu Povo. Então, Jerusalém voltará a ser uma cidade bela e
harmoniosa, o Templo será reconstruído e Deus habitará para sempre no meio do
seu Povo.
O texto que nos é proposto é uma
glorificação de Jerusalém, a cidade da luz, a “cidade dos dois sóis” (o sol
nascente e o sol poente: pela sua situação geográfica, a cidade é iluminada
desde o nascer do dia, até ao pôr do sol).
MENSAGEM
Inspirado, sem dúvida, pelo sol
nascente que ilumina as belas pedras brancas das construções de Jerusalém e faz
a cidade transfigurar-se pela manhã (e brilhar no meio das montanhas que a
rodeiam), o profeta sonha com uma Jerusalém muito diferente daquela que os
retornados do Exílio conhecem; essa nova Jerusalém levantar-se-á quando chegar
a luz salvadora de Deus, que dará à cidade um novo rosto. Nesse dia, Jerusalém
vai atrair os olhares de todos os que esperam a salvação. Como consequência, a
cidade será abundantemente repovoada (com o regresso de muitos “filhos” e
“filhas” que, até agora, assustados pelas condições de pobreza e de
instabilidade ainda não se decidiram a regressar); além disso, povos de toda a
terra – atraídos pela promessa do encontro com a salvação de Deus – convergirão
para Jerusalém, inundando-a de riquezas (nomeadamente incenso, para o serviço
do Templo) e cantando os louvores de Deus.
ATUALIZAÇÃO
Como pano de fundo deste texto (e da
liturgia deste dia) está a afirmação da eterna preocupação de Deus com a vida e
a felicidade desses homens e mulheres a quem Ele criou. Sejam quais forem as
voltas que a história dá, Deus está lá, vivo e presente, acompanhando a
caminhada do seu Povo e oferecendo-lhe a vida definitiva. Esta “fidelidade” de
Deus aquece-nos o coração e renova-nos a esperança… Caminhamos pela vida de
cabeça levantada, confiando no amor infinito de Deus e na sua vontade de salvar
e libertar o homem.
É preciso, sem dúvida, ligar a chegada
da “luz” salvadora de Deus a Jerusalém (anunciada pelo profeta) com o
nascimento de Jesus. O projeto de libertação que Jesus veio apresentar aos
homens será a luz que vence as trevas do pecado e da opressão e que dá ao mundo
um rosto mais brilhante de vida e de esperança. Reconhecemos em Jesus a “luz”
libertadora de Deus? Estamos dispostos a aceitar que essa “luz” nos liberte das
trevas do egoísmo, do orgulho e do pecado? Será que, através de nós, essa “luz”
atinge o mundo e o coração dos nossos irmãos e transforma tudo numa nova
realidade?
Na catequese cristã dos primeiros
tempos, esta Jerusalém nova, que já “não necessita de sol nem de lua para a
iluminar, porque é iluminada pela glória de Deus”, é a Igreja – a comunidade
dos que aderiram a Jesus e acolheram a luz salvadora que Ele veio trazer (cf.
Ap. 21,10-14.23-25). Será que nas nossas comunidades cristãs e religiosas
brilha a luz libertadora de Jesus? Elas são, pelo seu brilho, uma luz que atrai
os homens? As nossas desavenças e conflitos, a nossa falta de amor e de
partilha, os nossos ciúmes e rivalidades, não contribuirão para embaciar o
brilho dessa luz de Deus que devíamos refletir?
Será que na nossa Igreja há espaço para
todos os que buscam a luz libertadora de Deus? Os irmãos que têm a vida
destroçada ou que não se comportam de acordo com as regras da Igreja, são
acolhidos, respeitados e amados? As diferenças próprias da diversidade de
culturas são vistas como uma riqueza que importa preservar, ou são rejeitadas
porque ameaçam a uniformidade?
2ª leitura: Ef.
3,2-3a.5-6 - AMBIENTE
A carta aos Efésios (cuja autoria
paulina alguns discutem por questões de linguagem, de estilo e de teologia)
apresenta-se como uma “carta de cativeiro”, escrita por Paulo da prisão (os que
aceitam a autoria paulina desta carta discutem qual o lugar onde Paulo está
preso, nesta altura, embora a maioria ligue a carta ao cativeiro de Paulo em
Roma entre 61/63).
É, de qualquer forma, uma apresentação
sólida de uma catequese bem elaborada e amadurecida. A carta (talvez uma “carta
circular”, enviada a várias comunidades cristãs da parte ocidental da Ásia
Menor) parece apresentar uma espécie de síntese do pensamento paulino.
O tema mais importante da carta aos
Efésios é aquilo que o autor chama “o mistério”: trata-se do projeto salvador
de Deus, definido e elaborado desde sempre, escondido durante séculos, revelado
e concretizado plenamente em Jesus, comunicado aos apóstolos e, nos “últimos
tempos”, tornado presente no mundo pela Igreja.
Na parte dogmática da carta (cf. Ef.
1,3-3,19), Paulo apresenta a sua catequese sobre “o mistério”: depois de um
hino que põe em relevo a ação do Pai, do Filho e do Espírito Santo na obra da
salvação (cf. Ef. 1,3-14), o autor fala da soberania de Cristo sobre os poderes
angélicos e do seu papel de cabeça da Igreja (cf. Ef. 1,15-23); depois, reflete
sobre a situação universal do homem, mergulhado no pecado, e afirma a
iniciativa salvadora e gratuita de Deus em favor do homem (cf. Ef. 2,1-10);
expõe, ainda, como é que Cristo – realizando “o mistério” – levou a cabo a
reconciliação de judeus e pagãos num só corpo, que é a Igreja (cf. 2,11-22). O
texto que nos é proposto vem nesta sequência: nele, Paulo apresenta-se como
testemunha do “mistério” diante dos judeus e diante dos pagãos (cf. Ef.
3,1-13).
MENSAGEM
A Paulo, apóstolo como os Doze, também
foi revelado “o mistério”. É esse “mistério” que Paulo aqui desvela aos crentes
da Ásia Menor… Paulo insiste que, em Cristo, chegou a salvação definitiva para
os homens; e essa salvação não se destina exclusivamente aos judeus, mas
destina-se a todos os povos da terra, sem exceção. Paulo é, por chamamento
divino, o arauto desta novidade… Percebemos, assim, porque é que Paulo se fez o
grande arauto da “boa nova” de Jesus entre os pagãos…
Agora, judeus e gentios são membros de
um mesmo e único “corpo” (o “corpo de Cristo” ou Igreja), partilham o mesmo
projeto salvador que os faz, em igualdade de circunstâncias com os judeus,
“filhos de Deus” e todos participam da promessa feita por Deus a Abraão (cf.
Gn. 12,3) – promessa cuja realização Cristo levou a cabo.
ATUALIZAÇÃO
A perspectiva de que Deus tem um
projeto de salvação para oferecer ao seu Povo – já enunciada na primeira
leitura – tem aqui novos desenvolvimentos. A primeira novidade é que Cristo é a
revelação e a realização plena desse projeto. A segunda novidade é que esse
projeto não se destina apenas “a Jerusalém” (ao mundo judaico), mas é para ser
oferecido a todos os povos, sem exceção.
A Igreja, “corpo de Cristo”, é a
comunidade daqueles que acolheram “o mistério”. Nela, brancos e negros, pobres
e ricos, ucranianos ou moldavos – beneficiários todos da ação salvadora e
libertadora de Deus – têm lugar em igualdade de circunstâncias. Temos, verdadeiramente,
consciência de que é nesta comunidade de crentes que se revela hoje no mundo o
projeto salvador que Deus tem para oferecer a todos os homens? Na vida das
nossas comunidades transparece, realmente, o amor de Deus? As nossas
comunidades são verdadeiras comunidades fraternas, onde todos se amam sem
distinção de raça, de cor ou de estatuto social?
Destinatários, todos, do mistério,
somos “filhos de Deus” e irmãos uns dos outros. Essa fraternidade implica o
amor sem limites, a partilha, a solidariedade… Sentimo-nos solidários com todos
os irmãos que partilham conosco esta vasta casa que é o mundo? Sentimo-nos
responsáveis pela sorte de todos os nossos irmãos, mesmo aqueles que estão
separados de nós pela geografia, pela diversidade de culturas e de raças?
Evangelho: Mt. 2,1-12
- AMBIENTE
Aleluia, aleluia, aleluia.
Vimos sua estrela no Oriente e viemos adorar o Senhor (Mt 2,2).
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus.
2 1 Tendo, pois, Jesus nascido em Belém de Judá, no tempo do rei Herodes, eis que magos vieram do oriente a Jerusalém.
2 Perguntaram eles: "Onde está o rei dos judeus que acaba de nascer? Vimos a sua estrela no oriente e viemos adorá-lo".
3 A esta notícia, o rei Herodes ficou perturbado e toda Jerusalém com ele.
4 Convocou os príncipes dos sacerdotes e os escribas do povo e indagou deles onde havia de nascer o Cristo.
5 Disseram-lhe: "Em Belém, na Judéia, porque assim foi escrito pelo profeta:
6 ´E tu, Belém, terra de Judá, não és de modo algum a menor entre as
cidades de Judá, porque de ti sairá o chefe que governará Israel, meu
povo´".
7 Herodes, então, chamou secretamente os magos e perguntou-lhes sobre a época exata em que o astro lhes tinha aparecido.
8 E, enviando-os a Belém, disse: "Ide e informai-vos bem a respeito do
menino. Quando o tiverdes encontrado, comunicai-me, para que eu também
vá adorá-lo".
9 Tendo eles ouvido as palavras do rei, partiram. E eis que e estrela,
que tinham visto no oriente, os foi precedendo até chegar sobre o lugar
onde estava o menino e ali parou.
10 A aparição daquela estrela os encheu de profunda alegria.
11 Entrando na casa, acharam o menino com Maria, sua mãe. Prostrando-se
diante dele, o adoraram. Depois, abrindo seus tesouros, ofereceram-lhe
como presentes: ouro, incenso e mirra.
12 Avisados em sonhos de não tornarem a Herodes, voltaram para sua terra por outro caminho.
Palavra da Salvação.
O episódio da visita dos magos ao
menino de Belém é um episódio simpático e terno que, ao longo dos séculos, tem
provocado um impacto considerável nos sonhos e nas fantasias dos cristãos… No
entanto, convém recordar que estamos ainda no âmbito do “Evangelho da
Infância”; e que os fatos narrados nesta secção não são a descrição exata de
acontecimentos históricos, mas uma catequese sobre Jesus e a sua missão… Por
outras palavras: Mateus não está aqui interessado em apresentar uma reportagem
jornalística que conte a visita oficial de três chefes de estado estrangeiros à
gruta de Belém; mas está interessado em (recorrendo a símbolos e imagens bem
expressivos para os primeiros cristãos) apresentar Jesus como o enviado de Deus
Pai, que vem oferecer a salvação de Deus aos homens de toda a terra.
MENSAGEM
A análise dos vários detalhes do relato
confirma que a preocupação do autor (Mateus) não é de tipo histórico, mas
catequético.
Notemos, em primeiro lugar, a
insistência de Mateus no fato de Jesus ter nascido em Belém de Judá (cf. vs.
1.5.6.7). Para entender esta insistência, temos de recordar que Belém era a
terra natal do rei David e que era a Belém que estava ligada a família de
David. Afirmar que Jesus nasceu em Belém é ligá-l’O a esses anúncios proféticos
que falavam do Messias como o descendente de David que havia de nascer em Belém
(cf. Mi 5,1.3; 2 Sm 5,2) e restaurar o reino ideal de seu pai. Com esta nota,
Mateus quer aquietar aqueles que pensavam que Jesus tinha nascido em Nazaré e
que viam nisso um obstáculo para o reconhecerem como o Messias libertador.
Notemos, em segundo lugar, a referência
a uma estrela “especial” que apareceu no céu por esta altura e que conduziu os
“magos” para Belém. A interpretação desta referência como histórica levou
alguém a cálculos astronômicos complicados para concluir que, no ano 6 a.C.,
uma conjunção de planetas explicaria o fenômeno luminoso da estrela refulgente
mencionada por Mateus; outros andaram à procura de um cometa que, por esta época,
devia ter sulcado os céus do antigo Médio Oriente… Na realidade, é inútil
procurar nos céus a estrela ou cometa em causa, pois Mateus não está narrando
fatos históricos. Segundo a crença popular da época, o nascimento de uma
personagem importante era acompanhado da aparição de uma nova estrela. Também a
tradição judaica anunciava o Messias como a estrela que surge de Jacob (cf. Nm.
24,17). Ora, é com estes elementos que a imaginação de Mateus, posta ao serviço
da catequese, vai inventar a “estrela”. Mateus está, sobretudo, interessado em
fornecer aos cristãos da sua comunidade argumentos seguros para rebater aqueles
que negavam que Jesus era esse Messias esperado.
Temos ainda as figuras dos “magos”. A
palavra grega “mágos”, usada por Mateus, abarca um vasto leque de significados
e é aplicada a personagens muito diversas: mágicos, feiticeiros, charlatães,
sacerdotes persas, propagandistas religiosos… Aqui, poderia designar astrólogos
mesopotâmios, em contacto com o messianismo judaico. Seja como for, esses “magos”
representam, na catequese de Mateus, esses povos estrangeiros de que falava a
primeira leitura (cf. Is. 60,1-6), que se põem a caminho de Jerusalém com as
suas riquezas (ouro e incenso) para encontrar a luz salvadora de Deus que
brilha sobre a cidade santa. Jesus é, na opinião de Mateus e da catequese da
Igreja primitiva, essa “luz”.
Além de uma catequese sobre Jesus, este
relato recolhe, de forma paradigmática, duas atitudes que se vão repetir ao
longo de todo o Evangelho: o Povo de Israel rejeita Jesus, enquanto que os
“magos” do oriente (que são pagãos) O adoram; Herodes e Jerusalém “ficam
perturbados” diante da notícia do nascimento do menino e planeiam a sua morte,
enquanto que os pagãos sentem uma grande alegria e reconhecem em Jesus o seu salvador.
Mateus anuncia, desta forma, que Jesus
vai ser rejeitado pelo seu Povo; mas vai ser acolhido pelos pagãos, que
entrarão a fazer parte do novo Povo de Deus. O itinerário seguido pelos “magos”
reflete a caminhada que os pagãos percorreram para encontrar Jesus: estão
atentos aos sinais (estrela), percebem que Jesus é a luz que traz a salvação,
põem-se decididamente a caminho para O encontrar, perguntam aos judeus – que
conhecem as Escrituras – o que fazer, encontram Jesus e adoram-n’O como “o
Senhor”. É muito possível que um grande número de pagano-cristãos da comunidade
de Mateus descobrisse neste relato as etapas do seu próprio caminho em direção
a Jesus.
ATUALIZAÇÃO
Em primeiro lugar, meditemos nas
atitudes das várias personagens que Mateus nos apresenta em confronto com
Jesus: os “magos”, Herodes, os príncipes dos sacerdotes e os escribas do povo…
Diante de Jesus, o libertador enviado por Deus, estes distintos personagens
assumem atitudes diversas, que vão desde a adoração (os “magos”), até à rejeição
total (Herodes), passando pela indiferença (os sacerdotes e os escribas: nenhum
deles se preocupou em ir ao encontro desse Messias que eles conheciam bem dos
textos sagrados). Identificamo-nos com algum destes grupos? Não é fácil
“conhecer as Escrituras”, como profissionais da religião e, depois, deixar que
as propostas e os valores de Jesus nos passem ao lado?
Os “magos” são apresentados como os
“homens dos sinais”, que sabem ver na “estrela” o sinal da chegada da
libertação… Somos pessoas atentas aos “sinais” – isto é, somos capazes de ler
os acontecimentos da nossa história e da nossa vida à luz de Deus? Procuramos
perceber nos “sinais” que aparecem no nosso caminho a vontade de Deus?
Impressiona também, no relato de
Mateus, a “desinstalação” dos “magos”: viram a “estrela”, deixaram tudo,
arriscaram tudo e vieram procurar Jesus. Somos capazes da mesma atitude de
desinstalação, ou estamos demasiado agarrados ao nosso sofá, ao nosso colchão
especial, à nossa televisão, à nossa aparelhagem, ao nosso computador? Somos
capazes de deixar tudo para responder aos apelos que Jesus nos faz através dos
irmãos?
Os “magos” representam os homens de
todo o mundo que vão ao encontro de Cristo, que acolhem a proposta libertadora
que Ele traz e que se prostram diante d’Ele. É a imagem da Igreja – essa
família de irmãos, constituída por gente de muitas cores e raças, que aderem a
Jesus e que O reconhecem como o seu Senhor.
p. Joaquim Garrido,
p. Manuel Barbosa, p. José Ornelas Carvalho
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