A Igreja chama de transubstanciação a mudança da natureza do
pão no corpo de Cristo, e a mudança da natureza do vinho no seu sangue.
O termo transubstanciação, na linguagem teológica, só se
tornou corrente a partir do séc. XII, embora a realidade por ele expressa já
fosse professada pela Sagrada Escritura e pelas subsequentes gerações cristãs. No séc. XI um
concílio regional de Roma (1079), recolhendo os dados da tradição teológica
anterior, redigiu a seguinte profissão de fé:
“Intimamente creio e abertamente confesso que o pão e o vinho
colocados sobre o altar, mediante o mistério da oração sagrada e as palavras do
nosso Redentor, se convertem substancialmente (substantialiter converti) na
verdadeira, própria, carne e sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo; e (…) que,
depois da Consagração, há o verdadeiro corpo de Cristo, o qual nasceu da
Virgem, foi oferecido para a salvação do mundo, pendurado na cruz e ora está
assentado a direita do Pai; há também o verdadeiro sangue de Cristo, que jorrou
do seu lado; na propriedade da sua natureza e na realidade da sua substância” (DS 700).
No séc. XIII o Concílio do Latrão IV (1215), retomando a
constante doutrina da Igreja, exprimiu-a com a palavra que se achava esboçada
pelos textos anteriores: transubstanciação. Os subsequentes Concílios de
Constança (1415-1417) e Florença (1438-1444) repetiram, em suas definições, o
termo que assim se tornara clássico na teologia.
Santo Agostinho († 430) já dizia a mesma coisa em outras palavras:
“O que vedes,
caríssimos, na mesa do Senhor, é pão e vinho; mas esse pão e esse vinho,
acrescentando-se-lhes a palavra, tornam-se corpo e sangue de Cristo
(…). Tira a palavra, e tens pão e vinho; acrescenta a palavra, e já tens outra
coisa. E essa outra coisa que é? Corpo e sangue de Cristo.
Tira a palavra, e tens pão e vinho; acrescenta a palavra, e
tens um sacramento. A isso tudo vós dizeis: “Amém”. Dizer “Amém” é subscrever
Amém; em latim significa: É verdade” (Sermão 6,3).
Quando Lutero pôs em dúvida a presença real e permanente
de Cristo na sagrada Hóstia, o Concílio de Trento, em 1551, professou:
“Uma vez que Cristo nosso Redentor disse que aquilo que
oferecia sob a espécie de pão era verdadeiramente o seu corpo (Mt 26,26; Mc
14,22; Lc 22,19; 1Cor 11,24), sempre houve, na Igreja de Deus, esta mesma
persuasão que agora este Santo Concílio passa a declarar: pela consagração do
pão e do vinho efetua-se a conversão de toda a substância do pão na substância
do corpo de Cristo Nosso Senhor, e de toda a substância do vinho na substância
do seu sangue. Esta conversão foi com muito acerto e propriedade chamada pela
Igreja Católica transubstanciação” (DS 1642; cf. DS 165).
O corpo de Cristo pode simultaneamente estar presente em
diversas hóstias consagradas e em vários lugares, pois Jesus não está presente
na Eucaristia pela localização no espaço; mas pela presença do pão.
A mesma presença do Cristo eucarístico se multiplica, com as
muitas Hóstias consagradas, sem que o corpo de Cristo se multiplique. Não há
bilocação nem multilocação do corpo de Cristo, porque simplesmente não há
locação do mesmo, mas apenas locação e multilocação do pão consagrado.
O corpo de Cristo não se parte nem se divide quando se
divide a sagrada Hóstia; quando o pão consagrado é partido, só se parte a
quantidade do pão, não o corpo de Jesus. Assim, muitas Hóstias e muitos
fragmentos de Hóstia não constituem muitos Cristos, o que seria absurdo, mas muitas
“presenças” de um só e mesmo Cristo. Uma comparação se pode fazer com os
espelhos. A multiplicação deles não multiplica o objeto original, mas
multiplica a presença desse objeto. Quando você olha para um espelho, nele você
vê uma imagem do seu rosto inteiro; se quebrá-lo em duas ou mais partes, a sua
imagem não se quebrará com o espelho, mas continuará uma imagem inteira em cada
pedaço.
Outra comparação é a de uma música ouvida por muitos
ouvintes; isto não multiplica a música, mas apenas a presença da mesma (Dom
Estêvão Bettencourt).
Quando o pão eucarístico se deteriora por efeito do tempo,
dos sucos digestivos ou de um agente corruptor, o que se estraga são apenas os
acidentes do pão (quantidade, cor, figura…); então, o corpo de Cristo deixa de
estar presente sob os véus eucarísticos desde que estes sejam alterados. Cristo
claramente quis que a sua presença eucarística fosse garantida pelas espécies,
ou as aparências, de pão e vinho, não as de algum outro corpo.
É importante notar que para o físico, a substância de um
corpo é algo material, que ele pode medir e pesar, mas para o filósofo ou o
teólogo, a substância das coisas materiais é uma entidade muito real, mas só
perceptível pela inteligência. O que para o físico é substância, para o filósofo
é aparência, ou acidente. Assim, na Eucaristia, há mudança de substância ou
essência do pão e do vinho, mas as aparências acidentais permanecem as mesmas.
Explicando melhor: em todo ser há um conjunto de coisas que
podem mudar, como o tamanho, a cor, o peso, o sabor, etc., e um
substrato-permanente que, conservando-se sempre o mesmo, caracteriza o ser, que
não muda. Esse substrato é chamado substância, essência ou natureza do ser. Em
qualquer pedaço de pão, há coisas mutáveis: a cor, tamanho, gosto, o sabor, a
posição, sem que a substância que as sustenta mude; esta substância ninguém vê;
mas é uma realidade. Assim, há homens de cores diferentes, feições diferentes,
etc.; mas todos possuem uma mesma substância: uma alma humana imortal, que se
nota pelas suas faculdades que os animais não têm: inteligência, liberdade,
vontade, consciência, psiquê, etc.
Quando as palavras da Consagração são pronunciadas sobre
o pão, a substância (essência, natureza) deste se muda ou se converte
totalmente em substância do corpo humano de Jesus (donde o nome
“transubstanciação”), ficando, porém, os acidentes externos (aparências) do pão
(gosto, cor, cheiro, sabor, tamanho, etc.); sendo assim, sem mudar de
aparência, o pão consagrado já não é pão, mas é substancialmente o corpo de
Cristo.
Evidentemente Cristo manteve as aparências do pão, a fim de
que pudéssemos recebê-lo como alimento. O mesmo se dá com o vinho; ao serem
pronunciadas sobre ele as palavras da Consagração; sua substância se converte
na do sangue do Senhor, pelo poder da intervenção da Onipotência divina. As
palavras do sacerdote já não são mais dele, mas de Cristo mesmo que, pelo
sacramento da Ordem, age por meio dele.
A fé católica, no Concílio de Trento, rejeitou a doutrina
de Lutero, que admitia a “empanação” de Cristo: isto é, permaneceriam a
substância do pão e a do vinho junto com a do corpo e a do sangue de Cristo; o
pão continuaria a ser realmente pão (e não apenas segundo as aparências), o
vinho continuaria a ser realmente vinho (e não apenas segundo as aparências),
de tal sorte que o corpo de Cristo estaria como que “revestido” de pão e vinho.
Assim como na criação acontece o surgimento de todo o ser,
também na Eucaristia há a conversão de todo o ser. Esta “conversão de todo o
ser” é “conversão de toda a substância” ou “transubstanciação”.
Assim como só Deus pode criar (tirar um ser do nada), só
Deus pode “transubstanciar”, ambas as atividades supõem um poder infinito que
só Deus tem.
O Papa Paulo VI, na encíclica “Mysterium Fidei”, em 1965,
disse:
“Todavia, para que ninguém entenda mal este modo de presença
que supera as leis da natureza (…) é necessário escutar com docilidade a voz da
Igreja docente e orante. Esta voz, que repete continuamente a voz de Cristo,
ensina-nos que neste Sacramento Cristo se torna presente pela conversão de toda
a substância do pão no seu Corpo e de toda a substância do vinho no seu Sangue;
conversão admirável e sem paralelo, que a Igreja Católica chama, com razão e
propriedade, ‘transubstanciação’ (Cf. Conc.Trid., Decr. De Ss. Euchar., cân. 4
e cân. 2).
Depois da transubstanciação as espécies do pão e do vinho tomam nova
significação e nova finalidade, deixando de pertencer a um pão usual e a uma
bebida usual, para se tornarem sinal de coisa sagrada e sinal de alimento espiritual;
mas só adquirem nova significação e nova finalidade por conterem nova
‘realidade’, a que chamamos com razão ‘ontológica’. Com efeito, sob as ditas
espécies já não há o que havia anteriormente, mas outra coisa completamente
diversa: isto não só porque assim julga a fé da Igreja, mas porque é uma
realidade objetiva, pois, convertida a substância ou natureza do pão e do
vinho, no Corpo e no Sangue de Cristo, nada fica do pão e do vinho, além das
espécies; debaixo destas, está Cristo completo, presente na sua ‘realidade’
física, mesmo corporalmente, se bem que não do mesmo modo como os corpos se
encontram presentes localmente” (MF 47).
Prestamos uma grande honra a uma pessoa quando cremos em sua
palavra, suspeitá-la de mentira é uma grande injúria.
Quem confia na palavra do amigo não lhe pede provas e
garantias. Se cremos na palavra dos nossos pais, irmãos e amigos, por que não
crer na Palavra de Jesus: “Isto é o meu corpo”, “Isto é o meu sangue?”.
Crer em Jesus na Eucaristia é honrar a sua Pessoa divina, é
respeitar o mistério que o envolve, e nosso mérito é grande e alegra o coração
do Senhor. Crer “contra o que nos dizem os sentidos”, apoiando-se unicamente na
Palavra do Mestre, é dar-lhe grande glória.
Crer que neste Sacramento estão presentes o Corpo e o Sangue
de Cristo, “não é coisa que se possa descobrir com os sentidos, diz Santo
Tomás, mas só com a fé, baseada na autoridade de Deus”. Por isso, comentando a
passagem de São Lucas, 22,19: “Isto é o meu corpo que será entregue por vós”,
diz São Cirilo: “Não ponhas em dúvida se é ou não verdade, mas aceita com fé
as palavras do Salvador; sendo Ele a Verdade, não mente” (Summa
Theol. III, q. 75, a. I.).
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