Na
primeira metade de seu pontificado, devido a sérias controvérsias
suscitadas na Igreja, São João Paulo II se viu obrigado a confirmar a
Tradição católica de não ordenar mulheres.
Depois dos agitados anos 1960, quando a Igreja também se viu
questionada pelas revoluções mundo afora, o problema relativo à
ordenação de mulheres já não era uma novidade para os teólogos. O tema
estava entre os principais assuntos discutidos nas academias, sobretudo
após a iniciativa dos anglicanos de incluírem entre os seus sacerdotes
também as mulheres. Foi aí que o então Sumo Pontífice Paulo VI,
exercendo o ministério petrino de confirmar os irmãos na fé, publicou a
Declaração
Inter Insigniores, com a qual dirimia qualquer dúvida acerca da Tradição católica. A Igreja "não se considera autorizada a admitir as mulheres à ordenação sacerdotal", explicou o Santo Padre na época. Todavia, o debate estava longe de acabar ali.
As discussões continuaram a fervilhar nos anos seguintes com cada vez
mais veemência e caráter reivindicatório. A seu favor, os defensores das
ordenações femininas argumentavam que a decisão de Jesus de escolher
apenas homens para o ministério apostólico baseava-se somente em um
contexto sociológico e que, por isso, tal decisão seria disciplinar,
como no caso do celibato dos padres. Ao contrário da doutrina, que não
pode ser contestada pelo fiel católico, a disciplina, embora deva ser
obedecida enquanto estiver em vigor, pode ser ab-rogada. E era esse o
desejo deles.
Em 1978, assume o trono de São Pedro o cardeal polonês Karol Wojtyla. É
durante o seu governo que o Papa será desafiado a dar uma resposta
definitiva para a questão. O estopim da queda de braço ocorreu nos
Estados Unidos, em 1979, na Catedral de Washington. Na ocasião, a irmã
Therese Kane, então presidente da
US Leadership of the Women Religious, havia sido escolhida
para representar as freiras no encontro com o Santo Padre. Foi durante a
sua fala que ela explodiu a bomba:
"Nós temos ouvido a poderosa mensagem de nossa Igreja, dirigida à dignidade e à reverência de todas as pessoas [...]. A Igreja deve responder oferecendo a possibilidade de as mulheres, como pessoas, serem incluídas em todos os ministérios."
A mensagem da irmã Therese Kane ganhou o mundo e não podia passar
despercebida dentro dos círculos católicos. Apesar do constante
ensinamento do Magistério sobre o assunto, a força daquele gesto
desencadeou uma nova onda de discussões que exigiram do Papa uma posição
inequívoca. E foi o que ele fez, já mesmo na ocasião da visita aos
Estados Unidos, explicando repetidas vezes que a Igreja não possuía a
faculdade de ordenar mulheres. "Chamando só homens como seus apóstolos,
Cristo agiu de maneira totalmente livre e soberana. Fez isto com a mesma
liberdade com que, em todo o seu comportamento, pôs em destaque a
dignidade e a vocação da mulher", explicou novamente o Santo Padre,
agora em 1988, na Carta Apostólica
Mulieris Dignitatem (n. 26). No mesmo documento, São João Paulo II ainda esclareceu que:
"Se Cristo, instituindo a Eucaristia, a ligou de modo tão explícito ao serviço sacerdotal dos apóstolos, é lícito pensar que dessa maneira ele queria exprimir a relação entre homem e mulher, entre o que é 'feminino' e o que é 'masculino', querida por Deus, tanto no mistério da criação como no da redenção. É na Eucaristia que, em primeiro lugar, se exprime de modo sacramental o ato redentor de Cristo Esposo em relação à Igreja Esposa. Isto se torna transparente e unívoco, quando o serviço sacramental da Eucaristia, no qual o sacerdote age 'in persona Christi', é realizado pelo homem. É uma explicação que confirma o ensinamento da Declaração Inter Insigniores, publicada por incumbência do Papa Paulo VI para responder à interrogação sobre a questão da admissão das mulheres ao sacerdócio ministerial."
A intervenção clara de São João Paulo II serviu para tranquilizar
"muitas consciências que, em boa fé, se deixaram agitar talvez não tanto
pela dúvida, como pela insegurança.
Elas "encontraram a serenidade graças ao ensinamento do Santo Padre", como observaria o cardeal Ratzinger anos depois.
Por outro lado, algumas oposições ao ensinamento constante do
Magistério ordinário da Igreja não cessaram e se fizeram ainda mais
atrevidas, chegando ao cúmulo de ordenações clandestinas. O desafio
estava lançado à Santa Sé e São João Paulo II não o deixaria sem
resposta. No dia 22 de maio de 1994, data em que se celebrava a
Solenidade de Pentecostes, o Santo Padre mandou publicar a Carta
Apostólica
Ordinatio Sacerdotalis:
"Portanto, para que seja excluída qualquer dúvida em assunto da máxima importância, que pertence à própria constituição divina da Igreja, em virtude do meu ministério de confirmar os irmãos (cf. Lc 22, 32), declaro que a Igreja não tem absolutamente a faculdade de conferir a ordenação sacerdotal às mulheres, e que esta sentença deve ser considerada como definitiva por todos os fiéis da Igreja." (grifos nossos)
A definição de São João Paulo II, apesar de clara, ainda foi objeto de
dúvidas entre alguns prelados e fiéis. Questionava-se se a declaração
possuía caráter dogmático.
Em forma de dubium,
chegou à Congregação para a Doutrina da Fé a seguinte questão: "Se a
doutrina, segundo a qual a Igreja não tem faculdade de conferir a
ordenação sacerdotal às mulheres, proposta como definitiva na Carta
Apostólica Ordinatio sacerdotalis, deve ser considerada pertencente ao depósito da fé." A resposta da mesma congregação foi: "Afirmativa". Roma locuta!
Toda esta controvérsia nos ensina como a Igreja costuma usar o instrumento do
dubium (plural dubia) para esclarecer alguma dificuldade interpretativa que possa surgir de um documento magisterial. Ensinar com clareza o caminho de Deus é um grande ato de misericórdia e de caridade para os fiéis.
Afinal, não há nada mais importante para as ovelhas do que ouvir, com
clareza, a voz do bom pastor e dele receber a vida eterna.
Por Equipe Christo Nihil Praeponere
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