Foi
no século II que viveu a primeira santa a experimentar o fenômeno da
incorruptibilidade. Conheça a história de Santa Cecília e saiba como seu
corpo foi encontrado preservado ainda no século XVI.
Por Joan Carroll Cruz — A história indica que a primeira santa a experimentar o fenômeno da incorruptibilidade
foi Santa Cecília, a padroeira dos músicos. O ano de seu nascimento é
desconhecido, mas acredita-se que ela tenha morrido por volta do ano 177
depois de Cristo.
Cecília pertencia a uma rica e distinta família romana, que, apesar do
desejo da menina de permanecer virgem, ofereceu a sua mão em casamento a
um jovem nobre chamado Valeriano. Na noite de núpcias, Cecília
conseguiu convencer o seu esposo a respeitar o seu voto de virgindade e,
depois, converteu-o à fé, quando ele foi favorecido com uma visão do
seu anjo da guarda. Valeriano e o seu irmão, Tibúrcio, também convertido
por ela, foram perseguidos e instados a renunciarem à religião cristã.
Como ambos heroicamente se recusassem a fazê-lo, foram decapitados e
enterrados ao longo da Via Ápia. Cecília foi presa por ter sepultado os
seus corpos e, por esse "crime", teve que escolher entre sacrificar aos
deuses pagãos e enfrentar a morte. Ela prontamente afirmou a sua fé e
preferiu o caminho do martírio.
Por causa de sua nobreza e juventude, os seus algozes decidiram
executá-la em segredo, para evitarem as previsíveis críticas do povo.
Cecília foi presa no banheiro de sua casa para morrer por asfixia pelos
vapores d'água. Ela permaneceu um dia e uma noite inteiros nesse
ambiente sufocante, sem que lhe acontecesse qualquer mal.
Um executor experiente, então, foi enviado para decepar-lhe a cabeça,
mas, devido à falta de coragem em matar uma mulher tão jovem e bela, ele
não conseguiu cortar a sua cabeça com os três golpes prescritos pela
lei. O carrasco acabou fugindo, deixando a santa no pavimento de seu
banheiro, viva e totalmente consciente, com a cabeça cortada pela
metade. Deitada para o lado direito, com as mãos cruzadas em oração, ela
voltou a sua cabeça para o chão e continuou rezando na mesma postura
por três dias e três noites. A posição dos seus dedos, três
estendidos na mão direita e um na esquerda, foram a sua última e
silenciosa profissão de fé na Santíssima Trindade.
Os primeiros cristãos vestiram o corpo da mártir com uma rica túnica de
seda e de ouro e colocaram-no em um caixão de cipreste na mesma posição
em que ela expirou. Aos seus pés foram colocados os mantos e panos de
linho usados para coletar o seu sangue. Ela foi sepultada nas Catacumbas
de São Calisto por um bispo de nome Urbano, que também tinha batizado o
seu marido e o seu cunhado.
No ano 822, durante o período de restauração da igreja dedicada à sua
memória, o Papa Pascoal I quis transferir os restos da santa a um lugar
de honra em sua catedral, mas não conseguia localizar o seu túmulo. A
santa apareceu-lhe em uma visão extraordinária enquanto ele rezava e
contou-lhe o lugar em que estava o seu corpo. A relíquia foi encontrada
exatamente no lugar indicado. O Papa, então, colocou o corpo, junto com
os ossos do seu marido, do seu cunhado e do mártir Máximo, logo abaixo
do altar do templo.
Setecentos e setenta e sete anos depois, em 1599, ocorreu uma das mais
documentadas exumações do corpo de um santo, quando o Cardeal Paolo
Emilio Sfondrati, amigo de São Filipe Néri,
ordenou a restauração de algumas partes da basílica. No dia 20 de
outubro daquele ano, enquanto se trabalhava embaixo e perto do
altar-mor, dois sarcófagos de mármore branco foram descobertos: eles
correspondiam à descrição deixada por Pascoal I das urnas que continham
as relíquias dos santos mártires. O Cardeal mandou que se abrisse o
sarcófago na presença de testemunhas de inquestionável integridade.
Depois que a cobertura de mármore foi removida, o caixão original de
cipreste foi encontrado em ótimo estado de conservação. O prelado, com
compreensível emoção, levantou a tampa, deixando à vista o tesouro que
havia sido guardado pelos papas Urbano e Pascal. Os restos mortais foram
encontrados na mesma posição em que a santa tinha morrido, quase 1500
anos antes. Através de um manto de seda que modestamente cobria o
seu corpo, era possível ver o vestido dourado da santa, a ferida mortal
no seu pescoço e as roupas manchadas de sangue. O Papa
Clemente VIII foi imediatamente informado da descoberta e enviou o
Cardeal Barônio para examinar o caso, juntamente com Antonio Bosio,
explorador das catacumbas de Roma, que nos deixaram inestimáveis
documentos descrevendo essa exumação.
Olhando através do velho manto que cobria o seu corpo, eles notaram que
Cecília era de baixa estatura, e que a sua cabeça estava voltada para
baixo, mas, devido a uma "santa reverência", não fizeram mais nenhuma
examinação. Bosio registrou a sua opinião de que a santa foi encontrada
na mesma posição em que havia expirado [1].
O Cardeal Sfondrato quis guardar como memorial desse tocante evento um
pedaço do tecido coberto de sangue, e distribuiu pequenas relíquias a
vários cardeais em Roma. Mas após inspecionar o último pedaço, que ele
tinha reservado para si, o prelado descobriu grudado ao tecido um
pequeno fragmento do osso da santa, que tinha sido deslocado pela espada
e que um cristão primitivo tinha colhido sem perceber enquanto
estancava a ferida da santa mártir. Sfondrato preservou essa relíquia
como um querido e inestimável tesouro e colocou-a junto dos crânios de
São Valeriano, São Tibúrcio e São Máximo, em relicários separados para
exposição [2].
O Cardeal também quis reter um pequeno pedaço do vestido da santa e,
enquanto o segurava, sentiu debaixo das roupas da virgem as cordas e nós
de uma camisa que ela provavelmente usava como cilício [3].
A urna da santa foi colocada em uma sala situada na parte de cima da
nave da basílica, onde podia ser vista através de uma janela com grades.
A plataforma e a urna foram cobertas com cortinas de seda douradas, e a
sala foi esplendidamente decorada com candelabros, belas lamparinas e
flores de prata e ouro. Depois, o santuário foi inundado de um misterioso e agradável odor de rosas que procedia do caixão [4].
Por ordem do Papa Clemente VIII, a relíquia foi deixada exposta ali até
a festa de Santa Cecília, no dia 22 de novembro, e tão grande era a
multidão de fiéis romanos que acorreram à basílica que a Guarda Suíça
foi chamada ao local para manter a ordem [5].
Após o período de um mês de exposição, a relíquia, ainda repousando no
antigo caixão de cipreste, foi colocada em um novo caixão de prata,
comissionado pelo próprio Papa como símbolo de sua veneração pela santa
mártir. Na presença de 42 cardeais e representantes diplomáticos de
vários países, o Papa celebrou uma Missa Solene durante a qual o corpo
da santa foi novamente depositado sob o altar principal.
Um escultor de talento incomum, Stefano Maderno (1576-1636), que
parecia empenhado em desempenhar o seu ofício durante a restauração da
basílica, esculpiu uma imagem da santa, que é reputada como uma das mais
celebradas e conhecidas obras de arte da Itália. Acredita-se que
Maderno tenha representado a santa na exata posição em que permaneceu o
seu corpo incorrupto. Essa estátua é encontrada imediatamente em frente
ao altar-mor em um nicho de mármore preto, que foi designado pelo
artista para dar a impressão de um sarcófago aberto. Fazendo isso,
Maderno introduziu um novo design de altar, que foi frequentemente
imitado depois [6].
Acredita-se que a Basílica de Santa Cecília tenha sido construída no
local em que estava a mansão de sua família. A segunda capela, na nave
lateral à direita, é chamada de caldário (caldarium, em latim) e
é o quarto onde a santa foi condenada à morte. Aí são encontrados os
restos de uma antiga banheira romana; os dutos, que continham a água
aquecida, estão preservados. A peça de mármore sobre o altar é aquela em
que se acredita que Cecília tenha sobrevivido ao primeiro martírio por
asfixia, e pode muito bem ser a laje que marcou o lugar de sua morte.
Por Joan Carroll Cruz | Tradução: Equipe Christo Nihil Praeponere
CRUZ, Joan Carroll. The Incorruptibles. Charlotte: TAN Books, 2012, pp. 1-4.
CRUZ, Joan Carroll. The Incorruptibles. Charlotte: TAN Books, 2012, pp. 1-4.
Referências
- Ludwig von Pastor, The History of the Popes — Drawn from the Secret Archives of the Vatican and other Original Sources, v. XXIV. Londres: Kegan, Paul, Trench, Trubner & Co., 1933, p. 521.
- Ibid., p. 522.
- Prosper Guéranger, Life of Saint Cecilia, Virgin and Martyr. Filadélfia: Peter F. Cunningham, 1866, p. 283.
- Ibid., p. 284.
- Pastor, op. cit., p. 523.
- Ibid., p. 525.
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