Ao
brincar de Deus tomando decisões de dar e tirar a vida, de recriar a
identidade de alguém pela teoria de gênero e de redefinir o matrimônio, o
mundo moderno tem pecado gravemente contra Deus Criador.
Por Maria Cintorino — A história tem o
hábito de repetir a si mesma. Não importa o quão avançado se torne o
homem moderno, o mundo ainda parece cometer os mesmos erros do passado e
deixar-se enganar pelas mesmas mentiras. Uma delas é a noção de que o
homem pode tomar o lugar de Deus [1], esforço que não é estranho ao ser
humano. Foi com sucesso, afinal, que a serpente convenceu Adão e Eva de
que, comendo do fruto da árvore proibida, eles seriam "como Deus,
conhecedores do bem e do mal" (Gn 3, 5). Desde o momento da queda, a serpente repete a sua mentira geração após geração.
Ela plantou esse desejo de tomar o lugar de Deus, por exemplo, nos
corações dos povos sumérios, a mais antiga civilização de que se tem
notícia. Para satisfazer esse desejo, eles pretenderam edificar uma
torre tão alta que atingiria os céus. Embora também a quisessem
construir como símbolo de sua unidade, os sumérios revelaram o
verdadeiro propósito de começarem a construção da Torre de Babel,
proclamando: "Façamos para nós uma cidade e uma torre que chegue até o
céu. Assim nos faremos um nome. Do contrário, seremos dispersados por
toda a superfície da terra" (Gn 11, 4). Suas palavras imitam aquelas com as quais Deus criou o homem: "Façamo-lo à nossa imagem e segundo nossa semelhança" (Gn 1, 26). Assim, ao construírem a Torre de Babel, os sumérios tentavam parodiar o ato criador de Deus.
Sua ambição e orgulho, porém, deram em nada. Deus, conhecendo as
intenções de seus corações, percebeu que a construção da torre refletia o
desejo dos homens de tomarem o lugar dEle. Se desse certo, Deus sabia
que sua ambição só aumentaria, já que nada os impediria de fazer o que
se propusessem (cf. Gn 11, 7). Por isso, a fim de castigá-los
por seu pecado, Ele desce dos céus e confunde as línguas do povo. Ao
invés de conseguir a unidade e a honra a que aspiravam, o povo da
Suméria não consegue mais entender a si mesmo. A construção da torre
chega a um fim abrupto devido à desordem e à confusão, e os seres
humanos terminam se espalhando por toda a terra (cf. Gn 11, 9).
A torre com que se pretendia representar a unidade e o poder dos
sumérios acabou se tornando símbolo de desunião e fracasso.
A mentalidade dos sumérios reflete a da sociedade de hoje. O homem
moderno, como aqueles que construíram a Torre de Babel, procura tomar o
lugar de Deus, por exemplo, quando O elimina da vida pública e abandona a
"fé no Criador" e a "escuta da linguagem da criação", como ensinava o Papa emérito Bento XVI.
"O homem pretende fazer-se sozinho e dispor sempre e exclusivamente
sozinho o que lhe diz respeito". As eventuais consequências dessas ações
levam-no à autodestruição.
Quando o ser humano se coloca como "criador", ele faz com que qualquer coisa, moral ou imoral, se torne permissível.
Deixando de guiar-se pela lei natural, ele cria leis que contradizem o
seu próprio bem e que tratam o seu próximo como um objeto descartável. A
vida de uma criança por nascer, vista não mais como uma bênção,
torna-se uma inconveniência para muitos. A sua própria existência
depende de uma decisão se ele deve ou não viver ou morrer. Os enfermos e
os mais velhos se tornaram descartáveis, já que a sociedade tem o
"direito" de legalmente mascarar o homicídio praticando a eutanásia de
seus entes queridos a fim de poupar-lhes mais dor e sofrimento. Não
fosse o suficiente, em alguns lugares, o suicídio assistido por médicos
agora também proporciona o falso conforto de ter os membros de sua
família "morrendo com dignidade".
Mas o homem moderno não se contenta em ditar a Deus quando e como a
vida deve entrar e sair do mundo. Ele também "instrui o Criador" sobre a
própria natureza do homem. Não mais denominada simplesmente como
"masculina" e "feminina", a humanidade agora pode escolher entre 63
gêneros para se identificar a si mesma. A natureza básica fundamental do
homem e da mulher que Deus criou e planejou para cada pessoa agora se
torna resultado de uma escolha pessoal. Disfarçada de "autodescoberta", a
crise de gênero tenta recriar o homem, lançando fora a identidade
fundamental de toda e cada pessoa, que é "ser criatura e, pela graça, filho de Deus, herdeiro da vida eterna".
Quando o homem compromete sua própria natureza, ele põe em perigo sua
identidade e a própria imagem que Deus criou para que ele fosse.
Com isso, é minada a sacralidade da família, que é o núcleo da
sociedade. A promulgação e a aceitação geral das uniões homossexuais
destroem tudo o que é verdadeiro, bom e belo na pessoa humana e na
família. O matrimônio de acordo com a ordem natural tem como fins
próprios tanto o bem do casal quanto o bem da existência, porque o amor e
a vida estão intrinsecamente unidos. Ao reconhecer as uniões
homossexuais, o ser humano rejeita Deus como autor do matrimônio e
repudia o casamento tanto natural quanto sobrenaturalmente.
O resultado só gera cada vez mais confusão e desordem. Esquecido de sua identidade, o ser humano acredita piamente que nada é impossível para ele atingir ou recriar. Em seu encontro com os bispos poloneses na última Jornada Mundial da Juventude,
o Papa Francisco mencionou uma conversa privada que teve com o Papa
emérito Bento XVI, na qual ele disse: "Santidade, esta é a época do
pecado contra Deus Criador". Francisco continua: "É inteligente! Deus
criou o homem e a mulher; Deus criou o mundo assim, assim e assim; e nós
estamos a fazer o contrário". Ainda que essa referência tenha sido
feita especificamente em relação à crise de gênero, ela soa verdadeira
para todas as formas pelas quais os membros da sociedade perdem sua
identidade como criaturas feitas à imagem e semelhança de Deus e,
consequentemente, tentam agir como Deus. Os resultados dessas ações
levam, como adverte o Papa Bento, à "autodestruição do homem e portanto
[a] uma destruição da própria obra de Deus".
Ao brincar de Deus tomando decisões de dar e tirar a vida, de recriar a
identidade de alguém pela teoria de gênero e de redefinir o matrimônio,
o mundo moderno tem pecado gravemente contra Deus Criador.
O ser humano tem distorcido a própria natureza com que foi criado. O
Papa Francisco diz com propriedade que "estamos a viver um momento de
aniquilação do homem como imagem de Deus". Ao tentar ser como Deus, o
homem esqueceu quem é e perdeu a própria dignidade que recebeu em
virtude da imagem e semelhança com que foi criado. Em vez de enxergar o
mundo e a si mesmo como um belo mistério com o qual se maravilhar —
mistério que aponta para a grandeza e a sabedoria de Deus —, o ser
humano põe a paciência de Deus à prova, ultrapassando os limites de sua
soberania sobre a terra, a qual lhe foi dada no Jardim do Éden. Sua
busca por emancipar-se de Deus Criador só termina em sua própria
destruição.
É verdade, a humanidade não aprendeu com os seus erros ao longo dos
anos. O homem moderno continua tentando recriar a si mesmo e o mundo à
sua volta, continua a dar ouvidos às mentiras da serpente. Com isso, ele
não se torna nem um pouco diferente dos sumérios que pensavam, também
eles, serem capazes de tomar o lugar de Deus, construindo uma torre para
atingir os céus.
Fonte: Crisis Magazine | Tradução: Equipe Christo Nihil Praeponere
Notas e referências
- O original inglês usa a expressão "be like God". Embora no Gênesis a frase com que são tentados nossos primeiros pais seja exatamente esta: "Sereis como deuses" (3, 5), no texto demos preferência várias vezes à expressão "tomar o lugar de Deus". A intenção é deixar claro aos leitores que nem todo desejo de "ser como Deus" é pecaminoso, conforme explicação cristalina de Santo Tomás de Aquino.
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