Há os que perguntam para aprender e há os que perguntam para sondar o pensamento do outro; às vezes até, com a intenção de apanhá-lo em erro ou contradição. O doutor da Lei que perguntou a Jesus "qual era o maior mandamento" queria sondá-lo e compará-lo com os doutores das várias escolas rabínicas que existiam em Jerusalém. Esses homens viviam num ambiente muito amarrado às prescrições da Lei. Mais à letra do que ao espírito. Faziam listas e classificações e discutiam sobre qual mandamento - "honrarás teu pai e tua mãe" - pois a ele estava ligada uma recompensa: "e terás vida longa na terra que o Senhor Deus te vai dar" (Ex 20,12).
Jesus não se prestou a comparações vazias de sentido. Deu a única resposta que a luz da verdade iluminava: "Amarás ao Senhor teu Deus de toda a tua alma, com todo o teu coração, de toda a tua alma, com todo o teu espírito: eis o grande e primeiro mandamento". Era o texto do Deuteronômio que constituía a essência da oração que os Israelitas rezavam diariamente - o "Shemá" - e que na atual liturgia das horas nós rezamos na oração da noite de domingo. Mas Jesus acrescentou: "o segundo mandamento é semelhante a ele: amarás a teu próximo como a ti mesmo" (Mt 22, 37-37). E disse ainda: "Desses dois mandamentos decorre toda a lei e os profetas (v 40)".
Está aí a essência do Evangelho. Amar a Deus sobre todas as coisas tem que ser o maior mandamento. Nem é possível qualquer dúvida. Deus está acima de tudo. A Ele devemos tudo. E Ele nos ama! Aliás, São João declarou que "Deus é amor" (1Jo 4,8), não pretendendo com isso dar uma definição filosófica, mas indicando a manifestação mais característica de Deus. Esse amor sem limites, que envolve a humanidade desde a criação, a redenção, a vida da graça, o prêmio da glória. E por causa desse amor com que Deus nos ama, que usamos um possessivo ao falar com Ele: "Meu Deus". Ou, como ensinou Jesus: "Pai nosso".
Mas Jesus completou, apontando o segundo mandamento o amor do próximo. Dizendo implicitamente que não existe amor de Deus verdadeiro, se não amarmos os nossos irmãos. É o grande mandamento que Jesus irá proclamar na última ceia como "o novo mandamento". Aquele que distinguirá no mundo os discípulos de Cristo: "Os homens conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns para com os outros" (Jo 13,35). Ter o nome de cristão e não amar os irmãos seria uma contradição viva. São João - que é um especialista na teologia do amor - o diz de maneira muito explícita: "Se alguém disser: "amo a Deus", mas odeia seu irmão, é um mentiroso" (1Jo 4,20). O verdadeiro cristão é aquele que ama, acolhe, perdoa.
Li outro dia uma bonita página de Garrigou-Lagrange, onde ele conta o seguinte fato: Um jovem israelita, que ele conhecera, filho de um banqueiro de Viena, estava aguardando uma oportunidade para se vingar do maior inimigo de sua família. E esse dia chegou. No momento em que ia executar seu plano de vingança, lembrou-se do Evangelho que ele lia de vez em quando, e da oração ensinada por Jesus: "Perdoai-nos as nossas dívidas, como nós perdoamos aos nossos devedores". Na mesma hora a graça de Deus o tocou. Abandonou o desejo de vingança. Perdoou completamente. E abraçou o Evangelho inteiro. Pouco depois recebeu o batismo e se fez religioso e sacerdote. O mandamento do amor o havia iluminado ("Les trois Ages de La Vie Intérrierur", II,270).
O amor é a grande força do mundo. Só ele é capaz de construir. O ódio destrói. A vingança divide. As rivalidades fragmentam a sociedade. Só o amor constrói. Porque o amor não é egoísta. Ele contém uma força que nos liberta da prisão de nossa mesquinhez e nos abre o coração para amarmos a todos. Mesmo os que parecem ser os mais desprezíveis. Os mais detestáveis. Pois, se amamos a Deus, temos que amar os filhos de Deus, aqueles que já o são pela graça ou, pelo menos, que são chamados a se tornarem tais.
E é importante notar que só o amor abre para nós o coração dos outros. Diante de atitudes de imposição e de dureza, os corações se fecham. Diante do amor eles se abrem, como se abrem as flores ao calor de um sol de primavera. O mundo só será feliz, se nele houver amor. Sem amor, será a desordem, a revolta, o caos.
Padre Lucas de Paula Almeida, CM
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