A Palestina, no tempo de Jesus, era um pequeno território sob domínio do império romano (desde 63 a.C.) e onde fervilhavam muitas religiões e cultos pagãos. Judeus (monoteístas) e pagãos (politeístas) guerreavam-se mas Cristo veio unir estes dois povos, formando um só, o Povo de Deus. Assim no-lo diz São Paulo, na carta aos Efésios: Cristo "anulou a lei, que contém os mandamentos em forma de prescrições, para, a partir do judeu e do pagão, criar em si próprio um só homem novo, fazendo a paz, e para os reconciliar com Deus, num só Corpo, por meio da cruz, matando assim a inimizade" (Ef 2,15-16).
Na verdade, Cristo não veio para revogar a lei, mas para a levar à perfeição (Cf. Mt 5,17), isto é, para, antes de mais, lhe devolver a simplicidade original porque muitos grupos religiosos, sobretudo os fariseus e os doutores da Lei, teimavam em carregar os homens com prescrições legais, fardos demasiado pesados que eles próprios não carregavam. Por isso lhes disse Jesus: "ai de vós, doutores da Lei e fariseus hipócritas, porque pagais o dízimo da hortelã, do funcho e do cominho e desprezais o mais importante da Lei: a justiça, a misericórdia e a fidelidade!" (Mt 23,23).
Mas não só os fariseus e os doutores da Lei mas também outros grupos religiosos de então como os saduceus, os samaritanos e os zelotas impunham aos seus fiéis um conjunto de preceitos que, naturalmente, teriam como objectivo ajudá-los a reconhecer a sua natureza frágil e o seu pecado perante Deus e a purificar-se mas que, pelo contrário, eram, muitas vezes, meramente rituais e cultuais, prestando pouco importância ao espírito com que eram vividos; por isso diz o Senhor: "este povo aproxima-se de mim só com palavras e honra-me só com os lábios, pois o seu coração está longe de mim e o culto que me presta é apenas preceito humano e rotineiro" (Is 29,13).
E também por isso é que João Batista, "cheio do Espírito Santo já desde o ventre da sua mãe" (Lc 1, 15b) os convidava a produzir frutos de sincero arrependimento (Cf. Lc 3,8), como diz o salmo: "sacrifício agradável a Deus é o espírito arrependido" (Sl 51,19a). Também Jesus, logo no início da sua vida pública, em Cafarnaúm, começou a pregar a CONVERSÃO (Cf. Mt 4,17) para logo de seguida, como nota o evangelista Mateus, subir a um monte e proclamar a nova Lei do Reino onde OS PACIFICADORES SERÃO CHAMADOS FILHOS DE DEUS (Cf. Mt 5,9).
Assim, a conversão surge como um primeiro passo necessário para a construção da paz porque favorece RELAÇÕES MAIS PROFUNDAS, TRANSPARENTES E VERDADEIRAS, ao contrário das relações entre muitos dos povos que habitavam aquela estreita faixa de terra entre o Jordão e o Mediterrâneo, onde imperava a atenção ao culto e à lei, e que se afastavam uns dos outros chamando-se mutuamente de impuros (a este respeito pode ler-se todo o capítulo 23 de São Mateus). Criavam-se, assim, divisões e muros praticamente intransponíveis: os judeus deviam abster-se de todo o contacto com os samaritanos (Cf. Jo 4,9), aqueles que não jejuavam eram criticados (Cf. Lc 5,33-35), bem como aqueles que não lavavam as mãos antes de comer (Cf. Mc 7,1-4), não era permitido colher espigas (Cf. Mc 2,23-28) ou curar (Cf. Mc 3,1-6) ao sábado, etc. No tempo de Jesus, só as ‘sentenças' dos rabinos contavam-se por 613 regras, sendo que a grande maioria se referiam ao puro e ao impuro.
Ao longo de toda a sua vida pública, Jesus, aparecerá como um destruidor desses muros, não ao jeito recente de alguns países que, em nome da luta anti-terrorista, provocam e levam a cabo terríveis guerras com todas as consequências que daí advêm, mas com uma pedagogia única que Ele se propõe ensinar: "aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração e encontrareis descanso para o vosso espírito. Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve" (Mt 11,29-30). Jesus foi ungido para anunciar a Boa-Nova aos pobres, dar a vista aos cegos e proclamar a liberdade aos oprimidos (Cf. Lc 4,18), por isso, ao contrário dos fariseus e dos doutores da Lei, Ele acolhe e come com cobradores de impostos e pecadores (Cf. Lc 15,1-2), permite que as prostitutas se aproximem dele (Cf. Lc 7,37-38), perdoa aos pecadores arrependidos (Cf. Lc 7,36-50), cura os estrangeiros (Cf. Lc 17,11-19), dá uma grande importância à mulher num tempo em que ela era religiosa e socialmente discriminada (Cf. Lc 8,1-3; 10,38-42), convida todos a amarem os inimigos (Cf. Mt 5,43-48), tem um olhar bondoso e misericordioso para com todos, mesmo com aqueles que o negam (Cf. Lc 22,56-62) e oferece a vida eterna a uma samaritana (Cf. Jo 4,14). Vejamos alguns exemplos:
JESUS ESCOLHE MULHERES COMO SUAS DISCÍPULAS: "Em seguida, Jesus ia de cidade em cidade, de aldeia em aldeia, proclamando e anunciando a Boa-Nova do Reino de Deus. Acompanhavam-no os Doze e algumas mulheres, que tinham sido curadas de espíritos malignos e de enfermidades: Maria, chamada Madalena, da qual tinham saído sete demónios; Joana, mulher de Cuza, administrador de Herodes; Susana e muitas outras, que os serviam com os seus bens" (Lc 8,1-3).
ENTRA EM CASA DE UM CHEFE DE COBRADORES DE IMPOSTOS e consegue a sua conversão: Jesus disse a Zaqueu: "‘Zaqueu, desce depressa, pois hoje tenho de ficar em tua casa.' Ele desceu imediatamente e acolheu Jesus, cheio de alegria. Ao verem aquilo, murmuravam todos entre si, dizendo que tinha ido hospedar-se em casa de um pecador. Zaqueu, de pé, disse ao Senhor: ‘Senhor, vou dar metade dos meus bens aos pobres e, se defraudei alguém em qualquer coisa, vou restituir-lhe quatro vezes mais.' Jesus disse-lhe: ‘Hoje veio a salvação a esta casa, por este ser também filho de Abraão; pois, o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido'" (Lc 19,5b-10).
PERMITE QUE UMA PROSTITUTA LHE LAVE E BEIJE OS PÉS: "(...) certa mulher, conhecida naquela cidade como pecadora, ao saber que Ele estava à mesa em casa do fariseu, trouxe um frasco de alabastro com perfume. Colocando-se por detrás dele e chorando, começou a banhar-lhe os pés com lágrimas; enxugava-os com os cabelos e beijava-os, ungindo-os com perfume. (...) E Jesus disse à mulher: ‘A tua fé te salvou. Vai em paz'" (Lc 7,37-38.50).
PERDOA A UMA MULHER ADÚLTERA em vez de a apedrejar como era normal naquela época: "(...) os doutores da Lei e os fariseus trouxeram-lhe certa mulher apanhada em adultério, colocaram-na no meio e disseram-lhe: ‘Mestre, esta mulher foi apanhada a pecar em flagrante adultério. Moisés, na Lei, mandou-nos matar à pedrada tais mulheres. E Tu que dizes?' Faziam-lhe esta pergunta para o fazerem cair numa armadilha e terem de que o acusar. Mas Jesus, inclinando-se para o chão, pôs-se a escrever com o dedo na terra. Como insistissem em interrogá-lo, ergueu-se e disse-lhes: ‘Quem de vós estiver sem pecado atire-lhe a primeira pedra!' E, inclinando-se novamente para o chão, continuou a escrever na terra. Ao ouvirem isto, foram saindo um a um, a começar pelos mais velhos, e ficou só Jesus e a mulher que estava no meio deles. Então, Jesus ergueu-se e perguntou-lhe: ‘Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?' Ela respondeu: ‘Ninguém, Senhor.' Disse-lhe Jesus: ‘Também Eu não te condeno. Vai e de agora em diante não tornes a pecar'" (Jo 8, 3-11).
A conversão e a ADEQUAÇÃO DO NOSSO AGIR AO DE JESUS faz de nós, necessariamente, CONSTRUTORES DE PAZ e destruidores de muros. E hoje continuam a ser muitos os muros a dividir os homens e os povos: o muro que separa os países ricos dos países pobres, o muro que esconde a violência doméstica e o trabalho infantil, o muro que impede o acesso de todos à educação, à saúde e a um emprego com dignidade, o muro que, nalguns países, proibe a liberdade religiosa e o acesso das mulheres a cargos políticos, o muro que impede o acesso dos portadores de deficiência a uma vida com dignidade, etc.
Temos ainda os muros de betão armado que rapidamente se constroem mas dificilmente se derrubam: ainda estará na memória de todos o muro que, depois da II Guerra Mundial, durante muitos anos, separou a República Democrática Alemã da República Federal Alemã, bem como muitos milhares de famílias. Também os frequentes muros erguidos na faixa de Gaza parecem perpetuar um conflito e condenar os sonhos de paz de milhares de pessoas. E, ainda não refeitos de tantos muros, uma lei aprovada em 2006 nos Estados Unidos da América determinou o reforço de um muro de 1.226 quilómetros na fronteira com o México. Mas ele será, muito provavelmente, insuficiente para resolver o problema da imigração ilegal e levará muitos mexicanos, que não desistirão de procurar uma nova oportunidade de vida, a arriscar-se ainda mais para entrar em território americano, por exemplo, através do deserto do Arizona. Pode parecer estranho como é que uma sociedade que nasceu com a imigração não é capaz de criar políticas migratórias eficazes, mas, na verdade, isto acontece porque no mundo HÁ FALTA DE HOMENS COM A PEDAGOGIA E O AMOR DE JESUS.
Duas pessoas não se podem abraçar quando estão separadas por um muro, por isso, é necessário que mais pessoas aprendam de Jesus manso e humilde e, convertidas, procurem, como Francisco de Assis e tantos outros, ser instrumentos de ‘PAZ E BEM'.
O trabalho de alguns destes homens e mulheres em prol da paz e do respeito pelos direitos humanos, é anualmente reconhecido pela comunidade internacional através da atribuição do prémio NOBEL DA PAZ. O Nobel da Paz é um legado do sueco Alfred Nobel. De acordo com a sua vontade, o prémio deveria distinguir "a pessoa que tivesse feito a maior ou melhor acção pela fraternidade entre as nações, pela abolição e redução dos esforços de guerra e pela manutenção e promoção de tratados de paz".
Assim, por exemplo, em 1979, Madre Teresa de Calcutá, ganhou o Nobel pela luta contra a pobreza na Índia; em 1990 foi a vez de Mikhail Gorbachev (antiga URSS), pela sua contribuição para o fim da Guerra-fria; em 2004 a laureada foi Wangari Maathai, ambientalista e activista dos direitos humanos queniana; e em 2006 foi a vez de Muhammad Yunus (Bangladesh) e do seu banco de microcrédito, Banco Grameen, por ajudar milhares de famílias nos países mais pobres a conseguirem financiamento para montarem o seu próprio negócio.
Em 1996, foi a vez de dois timorenses, Dom Carlos Filipe Ximenes Belo, bispo católico, e José Ramos-Horta, pelo seu contínuo esforço para terminar com a opressão vigente em Timor-Leste, esperando que "o prémio despolete o encontro de uma solução diplomática para o conflito em Timor-Leste com base no direito dos povos à autodeterminação."
Talvez nunca nenhum de nós chegue a ganhar o Nobel da Paz mas também não corremos atrás de uma coroa corruptível (Cf. 2Tm 9,25) porque a nossa herança é incorruptível e imaculada, e está reservada no Céu para nós (Cf. 1Pe 1,4). Talvez nunca nenhum de nós chegue a ganhar o Nobel da Paz mas ninguém nos liberta da obrigação, como baptizados, de nos tornarmos destruidores de muros e de tudo quanto afasta e divide os irmãos. Talvez nunca nenhum de nós chegue a ganhar o Nobel da Paz mas Jesus deixou-nos a promessa de, também nós, com ou sem prémio Nobel, nos chamarmos FILHOS DE DEUS, se nos tornássemos pacificadores (Cf. Mt 5,9). Temos uma grande oportunidade para o fazer, tornando-nos instrumentos de paz onde quer que estejamos e seja qual for a nossa condição...
Hermano Filipe
A†Ω
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