A liturgia deste domingo continua o tema da vinha, um poema composto pelo profeta Isaías, em que é descrito o amor de Deus e a resposta do povo. A 1ª leitura nos ajuda a entender que se trata de fazer obras boas em favor do próximo, a justiça social. No Evangelho, Jesus retoma o poema de Isaías que se assemelha à 1ª leitura. Na época da colheita, o dono não entrega os frutos, maltrata os enviados, substitui os empregados, mata pessoas. A parábola ilustra a recusa de Israel em aceitar o projeto de salvação que Deus oferece aos homens através de Jesus Cristo. O dono é o Senhor que manifestou muito amor pela vinha. Os vinhateiros, são os chefes de Israel. Os enviados, são os profetas, o próprio Cristo (o Filho de Deus). Resultado: Jesus anuncia que “a vinha” vai ser retirada e confiada a trabalhadores que produzem e entregam a Deus os frutos colhidos, pois os frutos expressam a gratidão ao desvelo de Deus para com a sua vinha. Hoje, a Palavra nos diz que somos os trabalhadores da vinha que devemos produzir os frutos para não decepcionar as esperanças do Senhor na hora da colheita. A responsabilidade pelo zelo da vinha não está restrita a alguns, deve ser uma preocupação do cristão, pois em Jesus Cristo todos se tornam membros do povo eleito.
Nesse sentido, todo cristão deve sentir-se inserido nesta vinha do Senhor e motivado a produzir muitos e bons frutos de justiça, paz e mansidão. É preciso semear não apenas com palavras e sim, com testemunho, que é o que realmente fica. “Praticai o que aprendestes e recebestes de mim”, diz São Paulo na 2ª leitura de hoje. Quais são os frutos que produzem hoje as nossas comunidades?
Produzem justiça, amor, paz, serenidade? Produzem felicidade para todas as pessoas ou se restringem a mostrar solenes liturgias, feitas de palavras e gestos desligados da vida? Preocupam-se em saber qual a vontade do único e legítimo Senhor da vinha?
A liturgia do 27º domingo do tempo comum utiliza a imagem da “vinha de Deus” para falar desse Povo que aceita o desafio do amor de Deus e que se coloca ao serviço de Deus. Desse Povo, Deus exige frutos de amor, de paz, de justiça, de bondade e de misericórdia.
Na primeira leitura, o profeta Isaías dá conta do amor e da solicitude de Deus pela sua “vinha”. Esse amor e essa solicitude não podem, no entanto, ter como contrapartida frutos de egoísmo e de injustiça… O Povo de Jahwéh tem de deixar-se transformar pelo amor sempre fiel de Deus e produzir os frutos bons que Deus aprecia – a justiça, o direito, o respeito pelos mandamentos, a fidelidade à Aliança.
No Evangelho, Jesus retoma a imagem da “vinha”. Critica fortemente os líderes judaicos que se apropriaram em benefício próprio da “vinha de Deus” e que se recusaram sempre a oferecer a Deus os frutos que Lhe eram devidos. Jesus anuncia que a “vinha” vai ser-lhes retirada e vai ser confiada a trabalhadores que produzam e que entreguem a Deus os frutos que Ele espera.
Na segunda leitura, Paulo exorta os cristãos da cidade grega de Filipos – e todos os que fazem parte da “vinha de Deus” – a viverem na alegria e na serenidade, respeitando o que é verdadeiro, nobre, justo e digno. São esses os frutos que Deus espera da sua “vinha”.
1ª leitura: Is. 5,1-7
Ambiente
Isaías, filho de Amós, exerceu o seu ministério profético em Jerusalém, no reino de Judá, durante a segunda metade do séc. VIII a.C. (de acordo com os seus oráculos, o profeta foi chamado por Deus ao ministério profético por volta de 740-739 a.C.; e os seus oráculos vão até perto de 700 a.C.). A sua pregação abarca, portanto, um arco de tempo relativamente longo e abrange vários reinados. Isaías – como os outros profetas – não fala de realidades abstratas e intangíveis. A sua pregação refere-se a acontecimentos concretos e toca a realidade da vida, dos problemas, das inquietações, das esperanças dos homens do seu tempo. Para perceber a sua mensagem temos, portanto, de situá-la na época e na realidade histórica que o profeta conhece e sobre a qual é chamado por Deus a pronunciar-se.
A primeira fase do ministério de Isaías desenrola-se durante o reinado de Jotam (740-734 a.C.). É uma época de relativa tranquilidade política, em que Judá se mantém afastado da cena internacional e das jogadas políticas das super-potências. Tudo parece correr bem, num clima de paz generalizada.
No entanto, o olhar crítico do profeta detecta uma realidade distinta. Internamente, a sociedade de Judá está marcada por grandes injustiças e arbitrariedades… Os poderosos exploram os mais débeis, os juízes deixam-se corromper, os latifundiários deixam-se dominar pela cobiça e inventam esquemas legais para se apropriar dos bens dos mais pobres, os governantes oprimem os súbditos, as senhoras finas de Jerusalém vivem no luxo e na futilidade, num desrespeito absoluto pelas necessidades e carências dos mais pobres.
Em termos religiosos, o culto floresce numa abundância inaudita de práticas de piedade e de abundantes e solenes manifestações religiosas; no entanto, todo esse fausto cultual é incoerente e mentiroso, pois não resulta de uma verdadeira adesão a Jahwéh, mas de uma tentativa de acalmar as consciências e de “comprar” Deus.
Para o profeta, Jerusalém deixou de ser a esposa fiel, para converter-se numa prostituta (cf. Is. 1,21-26); ou, dito de outra forma, a “vinha” cuidada por Deus só produz frutos amargos e não os frutos bons (de justiça e de amor) pedidos a quem vive envolvido no ambiente da Aliança.
A mensagem de Isaías neste período encontra-se nos capítulos 1-5 do seu livro. O texto que hoje nos é proposto é um dos textos mais emblemáticos deste período. O “cântico da vinha” poderia ser, inicialmente, um “cântico de vindima” ou um “cântico de trabalho”, que um poeta popular entoa diante do seu círculo de amigos ou de companheiros de trabalho. Mas, como acontece tantas vezes com as formas de expressão da cultura popular, rapidamente as palavras adquirem um duplo sentido e passam a evocar outra realidade. Na cultura judaica, a “vinha” é um símbolo do amor (cf. Cant. 1,6.14; 2,15; 8,12). O “cântico da vinha” passa então a ser, na boca do poeta popular, uma “cantiga de amor”, que descreve os esforços do jovem apaixonado para conquistar a sua amada.
Isaías vai utilizar esta “cantiga de amor” como recurso para transmitir a mensagem que Deus lhe confiou.
Mensagem
A canção que o profeta canta é bonita e o tema é sugestivo. O profeta/poeta brinca com as sonoridades e com o ritmo, alterna os sons doces das canções de amor com os sons ásperos das canções de trabalho. Os interlocutores do profeta/poeta estão atentos e fascinados e escutam com prazer a descrição das quase patéticas tentativas do poeta para conquistar a sua amada. Ouvem-no falar dos seus trabalhos para construir a sua vinha, dos seus cuidados com ela, das suas ilusões, dos seus sonhos; sorriem perante as alusões ao “lagar” (o lugar onde será feito o vinho do amor) e à torre (de onde o amado vigiará, para que ninguém entre na sua “vinha” e colha os frutos do seu amor). Aprovam quando ele, depois de tantos cuidados, fica à espera dos “frutos saborosos” do amor que cultivou. Ficam revoltados quando, depois de todo o empenho do amado, a “vinha” só lhe ofereceu frutos azedos. O auditório simpatiza com o poeta, identifica-se com ele, partilha a sua desilusão…
De repente, o poeta transforma o cântico em queixa e reclama justiça. Interpela diretamente os seus interlocutores e exige deles um veredicto. Tem o público na mão: todos concordam que o profeta/poeta tem razão e que tem todo o direito em tirar a vedação que protegia a vinha, em não voltar a cuidar dela, em dar ordens às nuvens para que não a fecundem com a chuva…
Quando o seu público já pronunciou mentalmente um veredicto favorável ao profeta/poeta, este lança-lhe à cara a acusação que vinha preparando: “a vinha do Senhor do universo é a casa de Israel e os homens de Judá são a plantação escolhida. Ele esperava retidão e só há sangue derramado; esperava justiça e só há gritos de horror” (v. 7).
A imagem da “vinha” aplicada ao Povo de Deus encontra-se frequentemente na Bíblia (cf. Is. 3,14; 27,2-5; Jr. 2,21; 12,10; Ez. 17,6; Os. 10,1; Sal. 80,9-17). Os profetas e catequistas de Israel viram na imagem da “vinha” um símbolo privilegiado para expressar essa história de amor que Deus quis escrever com o seu Povo, isto é, a Aliança.
Nesta “parábola”, Deus é o “vinhateiro” e Israel é a “vinha”. Foi Deus quem trouxe de longe (do Egito) essas videiras escolhidas, que as plantou numa terra fértil (a terra de Canaan), que removeu dessa terra as pedras (os outros povos que aí habitavam) que podiam estorvar a fecundidade da “vinha”, que cuidou e, sobretudo, que amou a sua “vinha”.
Como é que Israel respondeu aos esforços de Deus? Que frutos produziu a “vinha” de Jahwéh? O profeta/poeta responde: Deus esperava que Israel vivesse no direito e na justiça (“mishpat” e “zedaqa”) cumprindo fielmente as exigências da Aliança; esperava uma vida de coerência com os mandamentos; esperava que Israel respeitasse os direitos dos mais débeis… Na realidade, o Povo atua em sentido exatamente contrário àquilo que Deus esperava: os poderosos cometem injustiças e arbitrariedades, os juízes são corruptos e não fazem justiça ao pobre, os grandes praticam violências e derramam o sangue do inocente, os órfãos e as viúvas vêem espezinhados os seus direitos sem que ninguém os defenda.
Na verdade, sugere o profeta, Deus não pode pactuar com este esquema e prepara-Se para abandonar essa “vinha” ingrata, essa amada infiel. Atente-se nesta “lição” fundamental: o amor de Deus pretende criar no coração do seu Povo uma dinâmica que leve ao amor ao irmão. Deus ama-nos, para que nos deixemos transformar pelo amor e amemos os outros.
Atualização
A “parábola da vinha” é uma história de amor. Fala-nos do amor de um Deus que liberta o seu Povo da escravidão, que o conduz para a liberdade, que estabelece com ele laços de família, que lhe oferece indicações seguras para caminhar em direção à justiça, à harmonia, à felicidade, que o protege nos caminhos da história… É preciso termos consciência de que esta história de amor não terminou e que o mesmo Deus continua a derramar sobre nós, todos os dias, o seu amor, a sua bondade, a sua misericórdia. Tenho consciência desse fato? Tenho o coração aberto aos seus dons? Encontro tempo e disponibilidade para Lhe agradecer e para O louvar?
O encontro com o amor de Deus tem de significar uma efetiva transformação do nosso coração e tem de nos levar ao amor ao irmão. Quem trata os irmãos com arrogância, quem assume atitudes duras, agressivas e intolerantes, quem pratica a injustiça e espezinha os direitos dos mais débeis, quem é insensível aos dramas dos irmãos, certamente ainda não fez a experiência do amor de Deus. Às vezes encontramos nas nossas comunidades cristãs ou religiosas pessoas muito válidas do ponto de vista da organização e da animação, que se consideram a si próprias colunas da comunidade, que têm uma fé inabalável, mas que são insensíveis, amargas, agressivas, intolerantes… Será possível ser sinal de Deus e testemunhar o Deus que ama os homens, sem nos deixarmos conduzir pela tolerância, pela misericórdia, pela bondade, pela compreensão?
O nosso texto identifica os “frutos bons” que Deus espera da sua “vinha” com o direito e a justiça e afirma que Deus não tolera uma “vinha” que produza “sangue derramado” e “gritos de horror”. Nos nossos dias, o “sangue derramado” das vítimas da violência, do terrorismo, das guerras religiosas, dos sistemas que geram morte e sofrimento continua a tingir a nossa história; os “gritos de horror” de tantos homens e mulheres privados dos direitos mais elementares, torturados, marginalizados, excluídos, impedidos de ter acesso a uma vida minimamente humana, continuam a escutar-se na Europa, na Ásia, na África, nas Américas… Qual o nosso papel, no meio de tudo isto? Podemos calar-nos, num silêncio cúmplice e alienado, diante do drama de tantos irmãos condenados à morte? O que podemos fazer para que a “vinha” de Deus produza outros frutos?
2ª leitura: Filip. 4,6-9 - Ambiente
Continuamos a ler a carta enviada pelo apóstolo Paulo aos cristãos da cidade grega de Filipos. Quando escreve aos seus amigos filipenses, Paulo está na prisão (em Éfeso?), sem saber o que o futuro imediato lhe reserva. Entretanto, recebeu ajuda dos filipenses (uma soma em dinheiro e a visita de Epafrodito, um membro da comunidade, encarregado pelos filipenses de cuidar de Paulo e de prover às suas necessidades) e está sensibilizado pela bondade e pela preocupação que os filipenses manifestam para com a sua pessoa. A Carta aos Filipenses é, sobretudo, uma carta dirigida a amigos muito queridos, na qual Paulo manifesta o seu apreço por essa comunidade que o ama, que o ajuda e que se preocupa com ele. Enviando de volta Epafrodito – que estivera gravemente doente – Paulo agradece, dá notícias, informa a comunidade sobre a sua própria sorte e exorta os filipenses à fidelidade ao Evangelho. O texto que hoje nos é proposto pertence à parte final da carta. Apresenta um conjunto de recomendações, destinadas a recordar aos filipenses algumas obrigações que resultam do seu compromisso com Cristo e com o Evangelho.
Mensagem
Os primeiros dois versículos do nosso texto (vs. 6-7) fazem parte de uma passagem mais longa, na qual Paulo recomenda aos cristãos de Filipos que vivam na alegria (vs. 4-7). Esta “alegria” não tem nada a ver com gargalhadas histéricas ou com otimismo inconscientes; mas é a “alegria” que resulta de uma vida de comunhão com o Senhor, com tudo o que isso significa em termos de garantia de vida verdadeira e eterna. O cristão vive na alegria, pois a comunhão com Cristo garante-lhe o acesso próximo (“o Senhor está próximo”) à vida definitiva. Daí resulta a serenidade, a paz, a tranquilidade, que permitem ao crente enfrentar a vida sem medo e sentir-se seguro nos braços amorosos de Deus Pai (v. 6a). Ao crente resta cultivar a comunhão com Deus, entregando-Lhe diariamente a sua vida “com orações, súplicas e ações de graças” (v. 6b).
Depois (v. 8), Paulo recomenda aos filipenses um conjunto de seis “qualidades” que eles devem cultivar e apreciar: a verdade, a nobreza, a justiça, a pureza, a amabilidade e a boa reputação. Tudo isto é “virtude”, tudo isto é digno de louvor. Há quem veja neste versículo a “magna carta do humanismo cristão”. Estes valores não são exclusivos do cristianismo: são valores sãos e louváveis, que constam também do ideal pagão (eram valores igualmente propostos pelos moralistas gregos da época). No entanto, a comunidade cristã deve estar aberta ao acolhimento de todos os verdadeiros valores humanos. Os cristãos devem ser, antes de mais, arautos e testemunhas dos verdadeiros valores humanos.
Finalmente, Paulo convida os filipenses a porem em prática estas recomendações segundo o exemplo que receberam do próprio Paulo (v. 9). O cristão tem de viver os valores humanos em confronto constante com o Evangelho e na fidelidade ao Evangelho.
Atualização
As palavras de Paulo aos filipenses definem alguns dos elementos concretos que devem marcar a caminhada do Povo de Deus. Em primeiro lugar, Paulo convida os crentes a não viverem inquietos e preocupados. Os cristãos estão “enxertados” em Cristo e têm a garantia de com Ele ressuscitar para a vida definitiva. Eles sabem que as dificuldades, os dramas, as perseguições, as incompreensões são apenas acidentes de percurso, que não conseguirão arredá-los da vida verdadeira. Os cristãos não são pessoas fracassadas, alienadas, falhadas, mas pessoas com um objetivo final bem definido e bem sugestivo. O caminho de Cristo é um caminho de dom e de entrega da vida; mas não é um caminho de tristeza e de frustração. Porquê, então, a tristeza, a inquietação, o desânimo com que, tantas vezes, enfrentamos as vicissitudes e as dificuldades da nossa caminhada? Porque é que, tantas vezes, saímos das nossas celebrações eucarísticas cabisbaixos, intranqüilos, de semblantes tristonhos e ar irritado? Os irmãos que nos rodeiam e que nos olham nos olhos recebem de nós um testemunho de paz, de serenidade, de tranquilidade?
Em segundo lugar, Paulo convida os crentes a terem em conta, na sua vida, esses valores humanos que todos os homens apreciam e amam: a verdade, a justiça, a honradez, a amabilidade, a tolerância, a integridade… Um cristão tem de ser, antes de mais, uma pessoa íntegra, verdadeira, leal, honesta, responsável, coerente. Ouvimos, algumas vezes, dizer que “os que vão à igreja são piores do que os outros”. Em parte, a expressão serve, sobretudo, a muitos dos chamados “cristãos não praticantes” para justificar o fato de não irem à igreja; mas não traduzirá, algumas vezes, o mau testemunho que alguns cristãos dão quanto à vivência dos valores humanos? Quem contata as recepções das nossas igrejas, encontra sempre simpatia, compreensão, amabilidade, verdade, coerência?
A forma como Paulo propõe aos seus cristãos os mesmos valores que constavam das listas de valores dos moralistas gregos da sua época, deve convidar-nos a refletir sobre a nossa relação com os valores do mundo que nos rodeia e sobre a forma como os aceitamos e integramos na nossa vida. Não podemos esconder-nos atrás da nossa muralha fortificada e rejeitar, em bloco, tudo aquilo que o mundo de hoje nos proporciona, como se fosse algo de mau e pecaminoso. O mundo em que vivemos tem valores muito bonitos e sugestivos, que nos ajudam a crescer de uma forma sã e equilibrada e a integrar uma realidade rica em desafios e esperanças. O que é necessário é saber discernir, de entre todos os valores que o mundo nos apresenta, aquilo que nos torna mais livres e mais felizes e aquilo que nos torna mais escravos e infelizes, aquilo que não belisca a nossa fé e aquilo que ameaça a essência do Evangelho…
Evangelho: Mt. 21,33-43 - Ambiente
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo, segundo Mateus - Naquele tempo, 33Ouvi outra parábola: havia um pai de família que plantou uma vinha. Cercou-a com uma sebe, cavou um lagar e edificou uma torre. E, tendo-a arrendado a lavradores, deixou o país. 34Vindo o tempo da colheita, enviou seus servos aos lavradores para recolher o produto de sua vinha. 35Mas os lavradores agarraram os servos, feriram um, mataram outro e apedrejaram o terceiro. 36Enviou outros servos em maior número que os primeiros, e fizeram-lhes o mesmo. 37Enfim, enviou seu próprio filho, dizendo: Hão de respeitar meu filho. 38Os lavradores, porém, vendo o filho, disseram uns aos outros: Eis o herdeiro! Matemo-lo e teremos a sua herança! 39Lançaram-lhe as mãos, conduziram-no para fora da vinha e o assassinaram. 40Pois bem: quando voltar o senhor da vinha, que fará ele àqueles lavradores? 41Responderam-lhe: Mandará matar sem piedade aqueles miseráveis e arrendará sua vinha a outros lavradores que lhe pagarão o produto em seu tempo. 42Jesus acrescentou: Nunca lestes nas Escrituras: A pedra, que fôra rejeitada pelos que edificavam, tornou-se cabeça do ângulo? Pelo Senhor foi feito isto, e é coisa maravilhosa aos nossos olhos. 43Por isso vos digo: ser-vos-á tirado o Reino de Deus, e será dado a um povo que produzirá os frutos dele. - Palavra da salvação.
Estamos em Jerusalém, pouco tempo após a entrada triunfal de Jesus na cidade (cf. Mt. 21,1-11). De hora para hora, cresce a tensão entre Jesus e os seus adversários. Os líderes judaicos pressionam Jesus, num esquema que apresenta foros de processo organizado. Adivinha-se, no horizonte próximo de Jesus, a prisão, o julgamento, a condenação à morte. Jesus está plenamente consciente do destino que lhe está reservado, mas enfrenta os dirigentes e condena implacavelmente a sua recusa em acolher o Reino.
O texto que nos é proposto faz parte de um bloco de três parábolas (cf. Mt. 21,28-32. 33-43; 22,1-14), destinadas a ilustrar a recusa de Israel em aceitar o projeto de salvação que Deus oferece aos homens através de Jesus. Com elas, Jesus convida os seus opositores – os líderes religiosos judaicos – a reconhecerem que se fecharam num esquema de auto-suficiência, de orgulho, de arrogância, de preconceitos, que não os deixa abrir o coração e a vida aos desafios de Deus. O nosso texto é a segunda dessas três parábolas.
A história que nos vai ser narrada compreende-se melhor à luz da situação socioeconômica da Galileia do tempo de Jesus… A terra estava, quase sempre, nas mãos de grandes latifundiários que viviam nas cidades. Esses latifundiários utilizavam vários sistemas para a exploração das suas terras; mas uma das formas preferidas de exploração da terra (precisamente porque, para o latifundiário não implicava muito trabalho) consistia em arrendar as várias parcelas do latifúndio, em troca de uma parte substancial dos produtos recolhidos. Os que arrendavam as terras eram, geralmente, camponeses que tinham perdido as suas próprias terras devido à pressão fiscal ou às más colheitas. Estes camponeses viviam numa situação periclitante: depois de descontados os gastos com a exploração, os impostos pagos e a parte que pertencia ao latifundiário, mal ficavam com o indispensável para se sustentar a si e à sua família. Em anos agrícolas maus, este esquema significava a miséria absoluta… Este quadro provocava conflitos sociais frequentes e o aparecimento de movimentos campesinos que lutavam contra os latifundiários ou contra a carga excessiva de impostos.
É neste cenário que Jesus vai colocar a parábola que hoje nos apresenta.
Mensagem
A parábola contada por Jesus coloca-nos no mesmo ponto de partida da parábola da “vinha” de Is. 5,1-7: um “senhor” plantou uma “vinha”, cercou-a com uma sebe, cavou nela um lagar e levantou uma torre. A partir daqui, no entanto, a parábola de Jesus afasta-se um pouco da parábola de Isaías… Na versão de Jesus, o proprietário não explorou diretamente a “vinha”, mas confiou-a a uns “vinhateiros” que deviam dar-lhe, cada ano, uma determinada percentagem dos frutos produzidos. No entanto, quando os “servos” do “senhor” apareceram para recolher a parte que pertencia ao seu amo, foram maltratados e assassinados pelos “vinhateiros”; e o próprio filho do dono da “vinha”, enviado pelo pai para chamar os “vinhateiros” à responsabilidade e ao respeito pelos compromissos, foi assassinado. A “vinha” de que Jesus aqui fala é Israel – o Povo de Deus. O dono da “vinha” é Deus. Os “vinhateiros” são os líderes religiosos judaicos – os encarregados de trabalhar a “vinha” e de fazer com que ela produzisse frutos. Os “servos” enviados pelo “senhor” são, evidentemente, os profetas que os líderes da nação, tantas vezes, perseguiram, apedrejaram e mataram. O “filho” morto “fora da vinha” é Jesus, assassinado fora dos muros de Jerusalém. É um quadro de uma gravidade extrema. Os “vinhateiros” não só não entregaram ao “senhor” os frutos que lhe deviam, mas fecharam todos os caminhos de diálogo e recusaram todas as possibilidades de encontro e de entendimento com o “senhor”: maltrataram e apedrejaram os servos enviados pelo “senhor” e assassinaram-lhe o filho.
Diante deste quadro, Jesus interpela diretamente os seus ouvintes: “quando vier o dono da vinha, que fará àqueles vinhateiros?”
A comunidade cristã primitiva encontrou facilmente resposta para esta questão. Na perspectiva dos primeiros catequistas cristãos, a resposta de Deus à recusa de Israel foi dada em dois movimentos. Em primeiro lugar, Deus ressuscitou o “filho” que os “vinhateiros” mataram, glorificou-o e constituiu-o “pedra angular” de uma nova construção; em segundo lugar, Deus decidiu retirar a “vinha” das mãos desses “vinhateiros” maus e ingratos e confiá-la a outros “vinhateiros” – a um povo que fizesse a “vinha” produzir bons frutos e que entregasse ao “senhor” os frutos a que ele tem direito.
Entretanto, a Mateus não interessa tanto a questão do filho – ressuscitado, exaltado e colocado como pedra angular da nova construção – quanto a questão da entrega da “vinha” a outro povo. Ao sublinhar este aspecto, Mateus tem em vista uma dupla finalidade…
Em primeiro lugar, ele explica dessa forma porque é que, na maioria das comunidades cristãs, os judeus – os primeiros trabalhadores da “vinha” de Deus – eram uma minoria: eles recusaram-se a oferecer frutos bons ao “senhor” da “vinha” e recusaram sempre as tentativas do “senhor” no sentido de uma aproximação e de um compromisso. Logicamente, o “senhor” escolheu outros “vinhateiros”. O que é decisivo, para a escolha de Deus, não é que os novos trabalhadores da “vinha” sejam judeus ou não judeus; o que é decisivo é que eles estejam dispostos a oferecer ao “senhor” os frutos que lhe são devidos e a acolher o “filho” que o “senhor” enviou ao seu encontro.
Em segundo lugar, Mateus exorta a sua comunidade a produzir frutos verdadeiros que agradem ao “senhor” da “vinha”. Estamos no final do séc. I (década de 80); passou já o entusiasmo inicial e os crentes da comunidade de Mateus instalaram-se num cristianismo fácil, sem exigência, descomprometido, instalado. O catequista Mateus aproveita a oportunidade para exortar os irmãos da comunidade a que despertem, a que saiam do comodismo, a que se empenhem a que dêem frutos próprios do Reino, a que vivam com radicalidade as propostas de Jesus.
Em segundo lugar, Mateus exorta a sua comunidade a produzir frutos verdadeiros que agradem ao “senhor” da “vinha”. Estamos no final do séc. I (década de 80); passou já o entusiasmo inicial e os crentes da comunidade de Mateus instalaram-se num cristianismo fácil, sem exigência, descomprometido, instalado. O catequista Mateus aproveita a oportunidade para exortar os irmãos da comunidade a que despertem, a que saiam do comodismo, a que se empenhem a que dêem frutos próprios do Reino, a que vivam com radicalidade as propostas de Jesus.
Atualização
O problema fundamental posto por este texto é o da coerência com que vivemos o nosso compromisso com Deus e com o Reino. Deus não obriga ninguém a aceitar a sua proposta de salvação e a envolver-se com o Reino; mas uma vez que aceitamos trabalhar na sua “vinha”, temos de produzir frutos de amor, de serviço, de doação, de justiça, de paz, de tolerância, de partilha… O nosso Deus não está disposto a pactuar com situações dúbias, descaracterizadas, amorfas, incoerentes, mentirosas; mas exige coerência, verdade e compromisso. A parábola convida-nos, antes de mais nada, a não nos deixarmos cair em esquemas de comodismo, de instalação, de facilidade, de “deixa andar”, mas a levarmos a sério o nosso compromisso com Deus e com o Reino e a darmos frutos conseqüentes. O meu compromisso com o Reino é sincero e empenhado? Quais são os frutos que eu produzo? Quando se trata de fazer opções, ganha o meu comodismo e instalação, ou a minha vontade de servir a construção do Reino?
O que é que é decisivo para definir a pertença de alguém ao Reino? É ter uma “tradição familiar” cristã? É o ter entrado, por um ato formal (Batismo) na Igreja? É o ter feito votos de pobreza, castidade e obediência numa determinada congregação religiosa? É o cumprir determinados atos de piedade? É o participar nos ritos? Nada disso é decisivo. O que é decisivo é o “produzir frutos” de amor e de justiça, que pomos ao serviço de Deus e dos nossos irmãos. Como é que eu entendo e vivo a minha caminhada de fé?
A parábola fala de trabalhadores da “vinha” de Deus que rejeitam o “filho” de forma absoluta e radical. É provável que nenhum de nós, por um ato de vontade consciente, se coloque numa atitude semelhante e rejeite Jesus. No entanto, prescindir dos valores de Jesus e deixar que sejam o egoísmo, o comodismo, o orgulho, a arrogância, o dinheiro, o poder, a fama, a condicionar as nossas opções é, na mesma, rejeitar Jesus, colocá-lO à margem da nossa existência. Como é que, no dia a dia, acolhemos e inserimos na nossa vida os valores de Jesus? As propostas de Jesus são, para nós, valores consistentes, que procuramos integrar na nossa existência e que servem de alicerce à construção da nossa vida, ou são valores dos quais nos descartamos com facilidade, sob pressão de interesses egoístas e comodistas?
As nossas comunidades cristãs e religiosas são constituídas por homens e mulheres que se comprometeram com o Reino e que trabalham na “vinha” do Senhor. Deviam, portanto, produzir frutos bons e testemunhar diante do mundo, em gestos de amor, de acolhimento, de compreensão, de misericórdia, de partilha, de serviço, a realidade do Reino que Jesus Cristo veio propor. É isso que acontece, ou limitamo-nos a ter muitos grupos paroquiais, a preparar organogramas impressionantes da dinâmica comunitária, a construir espaços físicos amplos e confortáveis, a recitar a liturgia das horas, a produzir liturgias solenes, faustosas, imponentes… e completamente desligadas da vida?
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
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