quinta-feira, 15 de setembro de 2011

VIVER NA PRESENÇA DO SENHOR.

A

Ao revelar seu nome: «Eu sou aquele que é»1, Deus se manifesta como quem sempre está ali, junto ao seu povo para salvá-lo. O Papa João Paulo II nos diz: «Deus está sobretudo presente a si: em sua Divindade una e Trina. Está presente também no universo que criou... Esta presença supera o mundo, o penetra e o mantém na existência. O mesmo pode repetir-se da presença de Deus mediante seu conhecimento, como Olhar infinito que tudo vê, penetra e perscruta... Finalmente, Deus está presente de modo particular na história da humanidade, que é também a história da salvação... mediante a graça, cuja plenitude a humanidade recebeu em Jesus Cristo»2.

Presentes perante o Senhor

O constante exercício da presença de Deus põe em primeiro lugar da existência diária o Plano divino e a intencionalidade de cumpri-lo. É por isso uma prática fundamental para avançar na fé e conformar-se com o Senhor Jesus, alcançando a felicidade: «Ensinar-me-ás o caminho da vida, cheio de alegrias em tua presença»3
Tal exercício é antes de tudo um ato de amor, pois aquele que ama sempre recorda e leva gravado em seu coração a presença do amado. Desta maneira se constitui em chave essencial da vida interior. Como nos diz nosso Fundador: «a consciência da própria identidade, descoberta dia a dia na oração e no exercício da presença de Deus, levam a um encontro plenificador com o Senhor e a viver uma autêntica vida cristã»4. A própria vida ascética deve centrar-se nessa presença, já que ali encontra seu sentido mais profundo. Também é necessária para o prudente discernimento diante das exigências apostólicas. A presença de Deus também nos coloca diante de nós mesmos, diante de nossos irmãos e diante da criação toda. Devemos acrescentar que sempre caminha de mãos dadas com suas outras “irmãs”: a obediência amorosa, a renúncia aos frutos da ação e a pureza de intenções.

O autêntico exercício da presença de Deus tem diversas características: é habitual, enquanto modo especial e contínuo de comportar-se; constante, pois persevera tenazmente inclusive em meio às dificuldades; cotidiano, porque se exercita em todas as circunstâncias concretas; vital, pois dá forma a toda a existência e é encontro e comunhão entre duas pessoas: o eu humano e o Tu divino; e por último é integral, já que é um exercício que, reconhecendo na mente a presença de Deus, fazendo memória consciente dEle (inclusive no subconsciente), faz palpitar o coração em seu amor e impulsiona a vontade ao reto obrar.
Estamos chamados a viver na presença do Senhor em toda a nossa vida, oração e apostolado. Somente no encontro com Deus o apóstolo encontra a luz e a força para cumprir sua missão.

A experiência de Adão e Eva

Uma leitura atenta dos primeiros capítulos do Gênesis nos leva a concluir que Adão e Eva no paraíso experimentam constantemente a presença de Deus. Conhecem-no como Amigo, amam-no como Criador e servem-lhe obedientemente como Pai. Tal presença constitui-se na fonte de sua alegria, de sua confiança, de sua harmonia e de sua paz.
Contudo, como fruto de um mal uso da liberdade que Deus lhes havia dado, desobedecem, e introduzem a ruptura na criação. Esta ruptura está acompanhada pela passagem da confiança filial ao temor. Quando escutam Deus que passeia pelo jardim, se ocultam. Sua Presença já não gera neles um sentimento familiar de confiança, mas de inquietude e vergonha. Rompendo consigo mesmos, já não são capazes de manifestar-se tal como são e se escondem do Senhor: «Eles ouviram o passo de Iahweh Deus que passeava no jardim à brisa do dia e o homem e sua mulher se esconderam da presença de Iahweh Deus, entre as árvores do jardim»5. Algo semelhante experimenta Caim depois de assassinar seu irmão Abel: «Minha culpa é muito pesada para suportá-la. Vê! Hoje tu me banes do solo fértil, terei de ocultar-me longe de tua face e serei um errante fugitivo sobre a terra»6. Quantas vezes também nós não nos ocultamos ante a presença de Deus e não queremos olhá-lO de frente? Basta perguntar-nos por um sintoma simples: não somos muitas vezes relutantes para buscar o Senhor na Eucaristia ou no sacramento da confissão, inclusive quando sabemos que Ele nos espera cheio de perdão e misericórdia?

A presença do Senhor Jesus

O Catecismo da Igreja Católica nos diz que o Senhor Jesus «está presente de múltiplas maneiras em sua Igreja: na sua Palavra, na oração de sua Igreja, “lá onde dois ou três estão reunidos em meu nome”, nos pobres, nos doentes, nos presos, nos seus sacramentos, dos quais Ele é o autor, no sacrifício da Missa e na pessoa do ministro. Mas, “sobretudo (está presente), sob as espécies eucarísticas”»7. O Senhor Jesus é realmente o «pão da Oblação»8, pois está no Santíssimo Sacramento de forma verdadeira, real e substancial. Jesus, «Seu Nome é o único que contém a presença que significa»9, é o Emmanuel —Deus conosco— que nos dá a conhecer o Rosto dAquele que buscamos incessantemente.

Com Maria diante de Deus

Nossa Mãe Santa Maria viveu sempre na presença de Deus de uma maneira tão sublime e real que chegou a ser Morada de sua Presença. Ela é em pessoa a Arca da Aliança, o lugar onde reside a Glória do Senhor, «a morada de Deus entre os homens»10. Na Anunciação-Encarnação é chamada pelo anjo: «Cheia de graça, o Senhor é contigo»11. Estas duas palavras se esclarecem mutuamente, pois Maria é a cheia de graça porque o Senhor está com ela e por sua vez a graça de que está repleta é a presença dAquele que é a fonte de toda graça.
A presença do Senhor em seu seio leva-a ao anúncio e ao serviço; é por isso que vemos à Mãe na Visitação portando o Messias e refletindo sua presença a Isabel 12. E no momento mais pungente, ao pé da Cruz 13, a Mãe não foge, ao contrário, permanece com sua firme presença, renovando em meio a sua dor o fiat inicial 14: “Aqui estou contigo, eu que sou a Serva do Senhor”. Em Pentecostes 15 a Mãe do fogo do Divino Amor obtém por sua intercessão a presença do Espírito de vida, de luz, de verdade, de liberdade e de paz. Por tudo isso os Bispos em Puebla não duvidam em afirmar que Maria é «presença sacramental dos traços maternais de Deus»16, convertendo-se assim em modelo para todos os seus filhos.

Exercício orante

Podemos afirmar sem vacilar que o exercício constante da presença de Deus é por excelência a oração do cristão que busca fazer de sua existência cotidiana um culto agradável ao Pai. Por sua vez, a presença de Deus é a essência de toda oração autêntica e sem a primeira é impossível a segunda. Como reza o Catecismo: «o mais importante é a presença do coração Àquele a quem falamos na oração»17.
Unida aos momentos fortes de encontro íntimo, pessoal e comunitário com o Senhor, uma espiritualidade da vida cotidiana nos leva a procurar que a dinâmica da oração penetre nossa vida e todas as nossas ações, e que imbuídos com o Espírito de oração, nos desdobremos com a consciência de que «nEle vivemos, nos movemos e existimos»18. Desta maneira nossas ocupações de cada dia ganham maior sentido, pois adquirem caráter santificador.

Atitudes necessárias

Viver na presença do Senhor implica algumas atitudes essenciais:
1. O silêncio integral, entendido como a atmosfera espiritual indispensável para perceber a ação de Deus em nossas vidas, como «uma atitude interior, profunda, que vai-se fazendo cada vez mais constante, pela qual vamos nos educando a fazer-nos, em primeiro lugar, presentes a nós mesmos, para depois fazer-nos capazes de perceber a presença de Deus em nossas vidas»19.

2. S.S. João Paulo II menciona junto à espera atenta e vigilante a capacidade de assombro: «É necessário abrir os olhos para admirar a Deus que se esconde e ao mesmo tempo se mostra nas coisas e que nos introduz nos espaços do mistério... todas as coisas, todos os acontecimentos, para quem sabe lê-los em profundidade, encerram uma mensagem que, definitivamente, remete a Deus. Portanto, são muitos os sinais que revelam a presença de Deus. Mas para descobri-los temos que ser puros e humildes como crianças (ver Mt 18,3-4), capazes de admirar, de nos assombrar, de maravilhar-nos, de embevecer-nos pelos gestos divinos de amor e de proximidade a nós»20.

3. Humildade: porque perante a presença atraente e misteriosa do Senhor, o homem descobre sua identidade e missão, sua pequenez e sua grandeza. A santidade condena a impureza, o pecado, e o exclui de sua presença!, porque se está diante da Luz que tudo deixa patente.

4. E finalmente o esforço por transformar nossas vidas com a graça, aprendendo a caminhar obedientemente pelos caminhos do Senhor: «em quem guarda sua Palavra, certamente o amor de Deus chegou a sua plenitude. Nisto conhecemos que estamos nEle. Quem diz que permanece nEle, deve viver como Ele viveu»21. É por isso que no céu tal presença será consumada, porque lá estaremos eternamente nEle e Ele em nós.

Citações para a oração
  • Deus está presente na vida do homem: Sl 139,7-10.
  • Estamos chamados a ser santos na presença de Deus, no amor: Ef 1,3-6.
  • No céu gozaremos eternamente da presença do Senhor: 2Cor 5,8; Sl 140,14; 2Ts 1,8-10.
  • A presença de Deus é a essência de toda oração autêntica: 2Sm 7,27-28; 1Rs 8,28
  • É necessário caminhar sempre com fidelidade na presença do Senhor: 2Rs 20,3.
  • Deus recompensa copiosamente àquele que caminha em sua presença: 2Cr 7,17-18.
  • Deus tem misericórdia com quem caminha em sua presença: Tb 13,6.
  • Nossa vocação é caminhar na presença de Deus Amor: Sl 116,8-10.
  • A glória corresponde à Presença de Deus: 1Cor 1,28-30.
  • Em Deus vivemos, nos movemos e existimos: At 17,28.
  • Vivendo na presença de Deus alcança-se a felicidade: Sl 15,11.
  • O pecado faz com que nos ocultemos da presença de Deus: Gn 3,8; 4,13-14.
  • O Senhor Jesus está presente: Mt 25,31-46; 28,18-20.
  • Santa Maria é a morada de Deus entre os homens: Ap 21, 3.
  • Permanecer em Deus implica em viver como Ele viveu: 1Jo 2,3-6.
Perguntas para o diálogo
  • Por que devemos viver na presença do Senhor?
  • Que importância tem para nossa vida cotidiana?
  • Podemos viver na presença de Deus em meio a um mundo que nega sua existência?
  • É realmente possível viver em tal presença todo o dia, em meio a tantas atividades? Como? Que meios vou aplicar em mim para conseguir isso?
Notas
  • 1 Ex 3,14.
  • 2 S.S. João Paulo II, Catequese, 18 de setembro de 1985
  • 3 Sl 16(15),11
  • 4 Luis Fernando Figari, O matrimônio, um caminho de santidade, VE, Petrópolis 1997, pp. 45-46.
  • 5 Gn 3,8.
  • 6 Gn 4,13-14.
  • 7 Catecismo da Igreja Católica, 1373.
  • 8 Ex 25,30.
  • 9Ver Catecismo da Igreja Católica, 2666.
  • 10 Ap 21,3.
  • 11 Lc 1,28.
  • 12 Ver Lc 1,39-45.
  • 13 Ver Jo 19,25-27.
  • 14 Ver Lc 1,38.
  • 15 Ver At 1,12-14.
  • 16 Puebla, 291.
  • 17 Catecismo da Igreja Católica, 2700.
  • 18 At 17,28.
  • 19 Luis Fernando Figari, Uma aventura fascinante, Fondo Editorial, Lima 22001, p. 22.
  • 20 S.S. João Paulo II, Espera e assombro do homem perante o mistério, Catequese de 26/7/2000.
  • 21 1Jo 2,3-6.



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