sexta-feira, 9 de setembro de 2011

A IGREJA FUNDAMENTA SUA MORAL E ÉTICA NA "LEI NAURAL"


Como há leis que regem os movimentos dos corpos (leis físicas), suas transformações (leis químicas) e o funcionamento dos organismos (leis biológicas), há também as que dirigem os atos livres dos homens (leis morais).
Em face destas últimas, manifesta-se a liberdade humana, ao passo que aquelas outras atuam, necessariamente, no plano do determinismo. Todas as leis elaboradas pelos homens na sociedade fundam-se na lei natural, cuja transgressão as torna iníquas. E dizer que se fundam na lei natural é o mesmo que dizer que são conformes à reta razão e à eqüidade. Fora disso, de lei conservam apenas o nome.
Usa-se, neste caso, a expressão lei natural porque:
1) ela tem sua causalidade intrínseca na própria natureza humana, cujas inclinações naturais a manifestam (elemento ontológico);
2) ordena o homem para os fins ou bens que lhe permitem realizar a sua natureza em toda a plenitude (elemento teleológico);
3) é conhecida universalmente por todos à luz natural da razão (elemento gnoseológico).
Em suma, a lei natural, no sentido de lei moral, consiste em normas segundo as quais o homem viverá como homem – sem se deixar animalizar, arrastado por tendências inferiores ou dominado pelas paixões – observando sempre a justiça e procedendo retamente para com todos. Seus primeiros princípios são de evidência imediata, a partir daquele princípio primeiríssimo: bonum faciendum, malum vitandum, o bem deve ser feito e o mal, evitado.

Quanto a saber o que é o bem para o homem, isto resulta do conhecimento da natureza humana, quer dizer, da observação e da experiência. Daí procedem os princípios secundários da lei da natureza, conforme a ordem das inclinações naturais, assim enumeradas por Santo Tomás de Aquino (1225?-1274), no Tratado das Leis da Summa Theologiæ (Ia. IIae., q. 94, a. 2):
1) inclinação conforme à natureza que o homem tem de comum com todas as substâncias (as substâncias tendem para a conservação de seu ser, donde, para o homem, o direito à vida);
2) inclinações fundadas na natureza que lhe é, sob certo aspecto, comum com os animais irracionais (cabe aqui considerar a união dos sexos e conseqüentemente o direito à constituição da família e à educação dos filhos, com as peculiaridades do homem enquanto ser racional e não numa união meramente instintiva);
3) inclinações próprias do ser racional (o conhecimento da verdade, a religião, a vida em sociedade). Esta análise das inclinações humanas e dos preceitos da lei da natureza que lhes correspondem é feita depois de ter Santo Tomás de Aquino apontado na lei natural uma “impressão da lei divina em nós”, definindo-a como “participação da lei eterna na criatura racional”, participatio legis aeternae in rationali creatura (Ia. IIae., q. 91., a. 2).

Guiados pelo instinto, os animais têm a percepção sensível natural, e estão inflexivelmente submetidos à ordem universal, mas sem o conhecimento dela. Este conhecimento é alcançado pelos seres inteligentes, e por isso mesmo o homem é capaz de descobrir a ordem da natureza, formulando as leis físicas, químicas e biológicas; e tem ainda a faculdade de distinguir o bem do mal e, partindo daí, conhecer os primeiros princípios de sua conduta moral. Ora, toda esta ordem moral, aspecto particular da ordem universal, procede da razão divina ordenadora. Eis porque Santo Tomás diz que a lei natural é um reflexo da lei eterna no homem.
Aplicados à concreta realidade histórica, os preceitos da lei natural são complementados pelas multivariadas normas que constituem a ordem jurídica positiva de cada povo. Ocorre, entretanto, que essa variedade não se cinge ao direito positivo, mas também pode ser constatada nas idéias que os homens têm sobre a moral, cujas mutações no tempo e no espaço levam alguns sociólogos a negar, nesse domínio, princípios imutáveis e universalmente conhecidos, concluindo deles que a moral não passa de um produto de convenções sociais. As variações da moral foram muito bem estudadas por Simon Deploige (1868-1927), que as explica pelas seguintes causas:
1) a influência das paixões;
2) o desigual desenvolvimento da razão e da civilização;
3) a diversidade dos meios, das situações e das circunstâncias (Le conflit de la morale et de la sociologie, cap. VII, nº 4, 2ª Ed., Nouvelle Librairie Nationale, Paris, 1912).
Se os preceitos secundários da lei natural podem variar, isto não afeta a universalidade e imutabilidade dos primeiros princípios, princípios evidentes, à luz dos quais sempre se admitiu, por exemplo, que os filhos devem respeitar os pais e que o homicídio e o roubo são condenáveis, o que todos os povos continuam a aceitar. Não obstante aquelas variações, nem a sociologia, nem a axiologia mais relativistas podem deixar de reconhecer que as idéias de justiça, dever e direito são naturalmente alcançadas por todos os homens, sem que a diversidade de costumes, crenças e convenções sociais chegue a apagá-las da consciência humana.
Dicionário de Política, José Pedro Galvão de Sousa, Clovis Lema Garcia e José Fraga Teixeira de Carvalho; T. A. Queiroz editor, São Paulo, 1998.

Nenhum comentário: