quinta-feira, 22 de setembro de 2011

DIRETRIZES PARA A FORMAÇAO DOS PRESBÍTEROS DA IGREJA NO BRASIL.


1. Origem das Diretrizes Diretrizes para a formação dos presbíteros da Igreja no Brasil

As Diretrizes são um conjunto bem articulado de sugestões e normas referentes à formação ministrada nos seminários, incluindo, de certo modo, as escolas de filosofia e teologia. As atuais Diretrizes englobam também a formação permanente dos presbíteros. Trata-se da continuidade do processo formativo.

As Diretrizes para a formação dos futuros presbíteros surgiram de uma recomendação do Concilio Ecumênico Vaticano II contida no Decreto Optatam Totius: “ Adote-se em cada país ou rito um método peculiar de formação sacerdotal, estabelecido pelas Conferencias Episcopais, revisto de tempo em tempo e aprovado pela Sé Apostólica” (n.1).

Para colocar em pratica a mencionada recomendação da Optatam Totius, foi publicada, em 06 de janeiro de 1970, a Ratio Fundamentalis Institutionis Sacerdotalis. A Ratio traçou as Diretrizes Gerais para a formação dos presbíteros em toda a Igreja. Em maio de 1970, a 11ª Assembléia Geral da CNBB aprovou um texto que adaptou as normas da Ratio Fundamentalis à realidade da Igreja no Brasil. Esse mesmo texto tem sido revisto e renovado após cada Conferência do Episcopado Latino Americano e Caribe: Puebla, em 1979; Santo Domingo, 1992; Aparecida, 2007.

As atuais Diretrizes tem, com objetivo primeiro, a formação de presbíteros com os três traços apontados no Documento de Aparecida: presbíteros discípulos, presbíteros missionários, presbíteros servidores da vida e cheios de misericórdia (cf.n.199). Presbíteros ungidos para serem mestres da Palavra, ministros dos sacramentos e pastores da comunidade cristãs (cf. LG 28).

1. Visão Geral

O texto das Diretrizes possue duas partes. A primeira apresenta o contexto em que se realiza a formação hoje: a mudança de época. Trata-se de um contexto cheio de desafios.

Ainda, nesta primeira parte, encontra-se a fundamentação teológica da vida e missão do presbítero, incluindo algumas considerações sobre a identidade do presbítero diocesano.

A segunda parte, de caráter pratico, trata, com certa originalidade, do conteúdo e método da formação presbiteral. Refere-se aos espaços formativos: o do primeiro discernimento que engloba as atividades da pastoral vacacional; o espaço da primeira formação: seminário menor e experiências semelhantes. O propedêutico, hoje existente em quase todas as dioceses, geralmente com a duração de um ano. Segue-se a consideração sobre os espaços de formação específica, tradicionalmente chamados seminário maior, tanto de filosofia quanto de teologia.

O seminário maior é considerado, na perspectiva do Documento de Aparecida, “como escolas e casas de formação de discípulos e missionários” (n. 143). Esta escola tem, como ponto de referencia, a convivência de Jesus com os grupo de Apóstolos: vida em comum, comunhão com Cristo, preparação para a missão (n. 144). O seminário maior deve inserir gradativamente o futuro presbítero na comunhão com o bispo, com o presbitério e no relacionamento com as comunidades eclesiais (cf. 144).

Nesta parte do documento, são tratados também os espaços de estudo: nível fundamental, médio e superior.

1. Alguns pontos relevantes do texto

O texto das Diretrizes contém alguns pontos relevantes que, ao meu ver, constituem um avanço com relação às Diretrizes anteriores. A título de exemplo, recordo os seguintes: processo de formação calcado no processo pelo qual, segundo o Documento de Aparecida, alguém se torna discípulo missionário. A missão como componente da noção de seminário; a teologia em perspectiva missionária; a espiritualidade do futuro presbítero.

Consideremos brevemente cada um desses itens:


a) noção de formação calcado no processo pelo qual alguém se torna discípulo missionário.

Segundo o Documento de Aparecida, o processo para se tornar discípulo missionário compreende os seguintes passos: anúncio do querigma, conversão, discipulado e missão.

O vocábulo querigma é um substantivo que se origina do verbo grego Kérissein. Trata-se de anúncio semelhante ao grito de um arauto, que provoca impacto, pois proclama uma novidade, um evento sem precedentes. Foi o que fez Pedro no dia de Pentecostes. Diz o texto do livro dos Atos: “ Pedro, de pé com os Onze, ergueu a voz e assim lhes falou: Homens da Judéia e habitantes todos de Jerusalém, disto ficai cientes e prestai ouvidos às minhas palavras” ( At. 2,14). A seguir, anuncia, com fé e convicção, a morte e ressurreição de Cristo pela nossa salvação.

O querigma não é um anúncio decorado, feito mecanicamente. Trata-se de um anúncio acompanhado de testemunho, ou seja, feito por alguém que “viu e ouviu”; por alguém que fez a experiência do evento que está anunciando, por alguém que teve a sua vida transformada pelo anúncio que agora está fazendo.

O querigma é a mensagem central do Evangelho. É não só objeto da nossa fé (creio que ele ressuscitou). Está na própria origem da nossa fé: “... se Cristo não ressuscitou, vazia é a nossa pregação, vazia também é a nossa fé” (1Cor. 15,14).

A morte redentora de Cristo e sua ressurreição são componentes essenciais e fundamentais do querigma. Sem o anúncio da morte redentora, não é possível compreender o “alto preço” da graça salvífica que provém do Filho de Deus, como nos recorda o apóstolo Pedro: “Tende consciência de que fostes resgatados da vida fútil herdada de vossos pais, não por coisas perecíveis, como a prata e o ouro, mas pelo precioso sangue de Cristo, cordeiro sem defeito e sem mancha” ( 1Pd 1,18-19). Do mesmo modo, sem o anúncio da ressurreição de Cristo, não é possível compreender o ardor missionário que incendiou a proclamação dos primeiros apóstolos, como se pode notar pelo discurso de Pedro (At. 2,14-36).

O querigma é uma intervenção atual de Deus através da palavra anunciada pelo evangelizador. O anúncio é realizado na força do Espírito, como demonstra o evento de Pentecostes narrado por Lucas no livro dos Atos.

A resposta ao anúncio querigmatico é uma resposta prática que envolve toda a pessoa: o despertar da fé e a conversão, seguida do batismo e ingresso na Igreja, comunidade dos discípulos de Jesus. Fé e conversão se implicam mutuamente. A fé, como evento salvífico, implica a conversão. E esta não existe sem a fé: “ convertei-vos e crede no evangelho” (Mc. 1,15). O querigma é, pois, o fundamento, o início e a raiz da evangelização.

O texto das Diretrizes descreve todo o itinerário da formação calcado no processo pelo qual alguém se torna discípulo missionário (cf.nn.96-101). O propedêutico é o tempo para o anúncio querigmático. A filosofia, para a formação do discípulo. A teologia, para a formação do missionário.

b) A missão como componente da noção de seminário.

O Vaticano II concebe o seminário menor como casa destinada a cultivar os germes da vocação (cf. OptatamTotius, n.31). Considera o seminário maior como escola de formação sacerdotal ( cf. ibid.,n.4). Para o Direito Canônico, os seminários são instituições nas quais os aspirantes aos ministérios sagrados recebem a adequada preparação. Já o texto das Diretrizes considera o seminário na perspectiva da missão. Afirma que o seminarista deve ser preparado não apenas para ser pastor do rebanho, “mas um evangelizador, um missionário, alguém que sai de seus espaços eclesiais e vai ao encontro das pessoas onde elas se encontram, para anunciar-lhes o Evangelho do Reino” (n. 186). Acrescenta que as “diversas praticas pastorais e variadas experiências missionárias devem acompanhar todos os passos, momentos e etapas do processo formativo” (n. 301). Também o assim chamado “ano de pastoral” deve ter um caráter acentuadamente missionário (cf.n.191).

c)Teologia numa perspectiva missionária.

Recordo-me da dificuldade que houve, nesta Faculdade, quando da introdução, no currículo de teologia, da disciplina “Teologia da Missão”. Numa das minhas intervenções, como membro da 5ª Conferência, fiz a sugestão de que toda a Teologia fosse ministrada numa perspectiva missionária, pois só a disciplina missiologia não basta. É necessário que todos os tratados tenham uma perspectiva missionária. Em outras palavras é preciso que toda a teologia se torne querigmática, isto é, seja elaborada em vista da pregação da Palavra aos crentes e não crentes.

A este propósito, o texto das Diretrizes se refere à “índole marcadamente pastoral e missionária da Teologia, que leve o formando, futuro ministro da Palavra, a proclamar a verdade sobre Deus, sobre o homem e sobre a Igreja mediante pensamentos e linguagem que sejam, ao mesmo tempo, acessíveis a todos e capazes de dialogar com as correntes de pensamentos, filosofias e culturas de hoje” (300,3).

d) A espiritualidade do futuro presbítero.

Para que o seminário seja de fato uma casa de formação de discípulos missionários, além de uma teologia em perspectiva missionária, é preciso também uma espiritualidade missionária (cf.n. 277). Segundo as Diretrizes, essa espiritualidade deve ser, ao mesmo tempo, trinitária, cristocéntrica, eclesial e mariana (cf. nn.278 – 281). Consiste na comunhão intima e profunda com o Pai, pelo Filho e no Espírito Santo, expressa na caridade. Implica o seguimento de Jesus, inclusive o caminho da cruz. Deve ser uma espiritualidade que leve à comunhão com o bispo e o presbitério, a serviço da comunidade. É também uma espiritualidade mariana, pois Maria, além de mãe – modelo de intimidade com o Senhor – foi também discípula e missionária.

A espiritualidade missionária abrirá o horizonte do futuro presbítero para que ele coloque a sua vida a serviço da Igreja em qualquer lugar, até mesmo, em outras dioceses e em outros países.

1. Contexto atual da formação

Afirma as Diretrizes que a formação se realiza hoje não só no contexto de uma época de mudanças, mas numa mudança de época, isto é, inicio de uma nova civilização cheia de desafios para missão da Igreja, para a educação e formação de futuro presbíteros.

A mudança de época tem duas expressões: a globalização e o campo dos valores, que podemos chamar de ética globalizada.

O Documento de Aparecida aponta os aspectos negativos e positivos da globalização. A última encíclica de Bento XVI – Caritas in Veritate – afirma que a globalização conseguiu aproximar os povos, mas não conseguiu uma interação ética das consciências. Por isso mesmo, não conseguiu evitar o fenômeno da exclusão nem de indivíduos nem de povos inteiros.

Ligada ao processo de globalização, apareceu a ética globalizada. Os princípios desta ética foram formulados numa serie de Conferências organizadas pela ONU no período que vai de 1990 a 1996. Recordemos as Conferências sobre a Infância (1990), Meio Ambiente (1992), Direitos Humanos (1993), População (1994), Desenvolvimento Social (1995), Habitação (1996), Segurança Alimentar (1996).

O pressuposto destas Conferências é o seguinte: problemas globais não só exigem soluções globais, mas também valores globais. Daí a necessidade de se elaborar uma visão integrada do mundo em vista de uma espécie de consenso geral.

Menciono alguns princípios dessa ética:

a) consideração da realidade como construção social.

De acordo com este princípio, a verdade e a realidade não tem um conteúdo objetivo e definitivo. A realidade é semelhante a um texto que pode receber diversas interpretações. Todas elas se equivalem. O individuo, por sua vez, é soberano e criador de seu próprio destino. Tem o direito de eleger a interpretação que desejar. Para isso, deve libertar-se de todo marco normativo: lei natural, revelação, tradição. No campo da sexualidade, por exemplo, é possível decidir pela homossexualidade, amor livre etc.

b) desconstrução antropológica do homem e da mulher, de sua complementaridade, masculinidade e feminilidade. Trata-se, em última análise, de construir uma sociedade assexual. Surge daí, a título de exemplo, o conceito de diversas formas de família: famílias tradicionais e famílias com pais do mesmo sexo.

Essa nova ética inclui ainda a substituição dos paradigmas da modernidade por novos paradigmas, bem como a exclusão de palavras significativas da cultura judaica e cristã: pecado, virgindade, castidade e outras.

1. Fundamentação teológica

Todo texto de natureza pastoral se baseia numa eclesiologia pelo menos implícita, isto é, numa visão da Igreja.

O texto das Diretrizes tem dois referenciais eclesiolôgicos: e eclesiologia de comunhão do Vaticano II e o modelo de Igreja missionária presente no Documento de Aparecida.

5.1 A eclesiologia de comunhão.

O Vaticano II fala da Ecclesia de Trinitate. Esta expressão latina significa que a Igreja precisa ser compreendida por referência à Trindade. Deus é amor (cf. 1Jo 4,8). É um mistério de comunhão. É neste mistério de comunhão que a Igreja tem a sua origem. Ela foi concebida, desde toda a eternidade, no projeto do Pai para o mundo. A Igreja nasceu da missão do Filho e do Espírito Santo, os dois grandes missionários, enviados ao mundo pelo Pai. A origem da Igreja é, pois, de índole missionária.

Componente da eclesiologia de comunhão é também a natureza relacional da Igreja. O Vaticano II apresentou a imagem de uma Igreja não fechada sobre si mesma, mas em relação. Em primeiro lugar, em relação com a Trindade, seu ministério e paradigma para sua organização. Uma Igreja em relação com o mundo no seu sentido humano, ou seja, construído pelo ser humano: a família, o trabalho, a política, a ciência, a técnica, a cultura.

A presença da Igreja no mundo significa que ela é sacramento universal de salvação. Significa também que ela é feita de realidades terrestres. As alegrias e tristezas, as vitórias e insucessos do mundo perpassam a vida da Igreja. Também as fraquezas e debilidades do mundo. Por isso mesmo, a Igreja não só chama o mundo à conversão, mas ela mesma tem necessidade de conversão.

Igreja em relação com as outras Igrejas e comunidades cristãs. Na perspectiva da eclesiologia de comunhão, a Igreja se percebe em comunhão, ainda que imperfeita, com todas as Igrejas e comunidades cristãs.

Igreja em relação com as religiões. O diálogo inter-religioso tem, para a Igreja, uma dimensão evangelizadora. O diálogo é sinal de que a Igreja reconhece valores importantes nas outras religiões e quer colaborar com elas para a construção da justiça, da fraternidade e da paz no mundo.

Igreja, enfim, em relação com a missão. Sua índole é missionária. Isto não significa apenas atividades missionárias, mas esforço de inculturação do Evangelho e da fé.

5.2 O modelo de Igreja missionária presente no Documento de Aparecida

O Documento de Aparecida, quando trata da renovação da Igreja numa perspectiva missionária, fala da conversão pastoral, cujo sentido é amplo. Envolve todas as estruturas eclesiais: dioceses, paróquias, comunidades, movimentos, vida consagrada. Envolve as pessoas: bispos, presbíteros, diáconos, religiosos, cristãos leigos. Estamos pois diante de um novo modelo de Igreja. A partir deste modelo é concebida a pastoral, a espiritualidade, a organização da diocese e das paróquias, e também a formação dos futuros presbíteros.

Conclusão

Diante da proposta para a renovação da Igreja numa perspectiva missionária, o texto das Diretrizes se refere também, como vimos, a uma teologia em perspectiva missionária. Ela compreende um ensino coerente e bem estruturado, ministrado por professores que sejam homens de fé, cheios de amor para com a Igreja e fieis ao Magistério.

Compete ainda à Teologia, diante dos desafios suscitados pela mudança de época, encontrar respostas que dêem sustentação à fé e à experiência de discipulado dos agentes de pastoral e dos futuros presbíteros.


Dom Benedito Beni dos Santos
Bispo Diocesano de Lorena

A

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