Crônica Publicada no Monitor Campista em 17 de agosto de 2008.
É algo triste, mas depois de uma certa idade, os filhos passam a cuidar dos pais, e nem sempre essa inversão natural é tranqüila para ambos os lados. Não há receitas de relacionamento, mas aceitar o fato, sem negligenciar ou superproteger, ajuda a nutrir essa relação tão delicada. Hoje me encontro nessa situação que espero desempenhar com muito êxito.
É difícil alguém dizer: “Foi exatamente no dia 23 de junho de 2008, às 8h da manhã”. O mais comum é que, da noite para o dia, a gente acorde com a percepção de que viramos pais de nossos pais. É claro que esse parto invertido muitas vezes leva anos ou décadas, mas só nos damos conta da história quando lembramos dos acontecimentos mais recentes dessa convivência.
Mesmo morando na mesma cidade, mas em casas separadas, ligamos várias vezes por dia para saber se mamãe está bem e se alimentou e tomou todos os remédios, como o médico recomendou. Certamente que como filho reservamos uma parte do nosso salário para ajudar nas despesas com o plano de saúde, com o salário da empregada, ou com as reformas que a casa necessitar. Muitas vezes, sem querer tolher-lhe a liberdade, a convidamos para vir morar com a gente, ou a deixamos no cantinho dela, para que não perca suas referências, mas sempre com o coração apertado e esta frase de despedida: “Juízo!”.
Essa inversão de papéis entre pais e filhos vem ganhando esboços diferentes à medida que a população vive mais tempo.
Nunca pensei no tema até que recentemente ouvi pela Rádio CBN a entrevista do Sr. Rodrigo de Freitas, que fazia considerações sobre seu “blog” e de como cuida de sua mãe, Dona Cida, de 71 anos, que tem o mal de Alzheimer e como ele assumiu as responsabilidades de “pai”. A entrevista tocou meu coração, pois vivo uma experiência semelhante com minha mãe que tem 92 anos e meio, e que até fins de 2007 vivia sozinha em sua casa, assistida por uma empregada, e um dia, tive que assumir as funções de “pai” dela.
É um fenômeno mundial que a população está envelhecendo mais e muita gente já passou dos 100 anos, o que trouxe uma revolução nos relacionamentos, pois ninguém estava muito preparado para isso. O cuidado com os pais sempre existiu, só que era mais restrito e bastava não deixar faltar o básico, mas hoje já se vê que os mais jovens querem oferecer uma melhor qualidade de vida aos pais idosos, pensando também na qualidade de vida que desejam para si mesmos agora e no futuro.
Porém as necessidades deles não são as nossas. Acostumados a tomar decisões e prover, seja com dinheiro ou um copo de leite quente na cama, os pais nem sempre se sentem à vontade para receber a atenção especial dos filhos. Não querem dar trabalho, como dizem, pois também associam o cuidado com a perda de autonomia e preferem tocar as coisas do jeito que sempre fizeram.
Necessidades respeitadas. Mamãe sempre teve TOTAL independência. Ama a pintura e sempre ensinou a pintar, inclusive no Palácio da Cultura, da Prefeitura Municipal de Campos. Infelizmente, em 2005, o recém-eleito prefeito a destituiu como a aqueles idosos que eram aposentados. Para mim esse foi um ato cruel contra os idosos que deveriam ser estimulados a terem uma atividade produtiva, que os valorizasse. Esse ato muito magoou e entristeceu a minha mãe que sempre foi uma mulher dinâmica e humana – seus vizinhos são os que podem certificar. Hoje, por um sério tumor no pâncreas, descoberto em fins de 2007, está com a saúde alquebrada, o que a fez aceitar os cuidados de seu filho, que acha importante respeitar o espaço da mãe.
Difícil dependência. Sua saúde faz com que necessite uma atenção de 24h por dia. Em cada família, a situação acontece de uma forma. O importante é que quem convive com o idoso não fique deprimido com a tarefa. Isso é decisivo para que todos vivam bem e eu acredito que não é difícil atender às necessidades de nossos idosos sem perder de vista as nossas e também as dos filhos, que muitas vezes cresceram ao mesmo tempo em que os pais envelheceram.
Quando os filhos se sentem pais dos próprios pais, a primeira coisa a fazer é aceitar que a inversão aconteceu, e ainda que dói um pouco, é possível ser uma troca carinhosa e rica de se admirar as virtudes dos dois lados. Deveríamos ver como uma honra poder recompensá-los pelos cuidados que nos deram quando éramos crianças. Maria, irmã de Marta, uma vez honrou a Cristo ungindo os Seus pés. Nicodemos e José de Arimatéia honraram-no enterrando Seu corpo com o que era uma pequena fortuna em mirra e aloés. Algumas vezes nossa forma de honrar nossos pais envolve demonstrações físicas diferentes.
Honrar pais ou mães frágeis e necessitados é um amadurecimento no nosso relacionamento com eles,pois é o nosso papel como filho que devemos cumprir.
Devemos entender que o papel de um filho não termina na maioridade, mas sempre existe enquanto os pais viverem.
A†Ω
pemiliocarlos
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