sábado, 10 de setembro de 2011

A BIOÉTICA, SUA RELAÇÃO COM A LEI NATURAL E O RESPEITO PELO HOMEM "IMAGEM DE DEUS".


Dom Rino Fisichella

Como podemos conceber a vida humana?Como a aceitamos e como nos colocamos diante de seu limite?
Em uma sociedade que parece rejeitar o início e o fim da existência, como se elas não tivessem plena dignidade, para se concentrar apenas na juventude, como se saberá responder ao verdadeiro sentido da vida em seu inexorável crescimento?
Nos esquecemos, muitas vezes, que a vida deve ser aceita tal como é, porque possui uma verdade própria e, portanto, uma consequente dignidade, devido ao respeito pelo mistério que contém dentro de si e a “indisponibilidade” que possui por ser dom ofertado, e não possuído ou conquistado.
Sempre, do início ao fim, ela deve ser vista com aquela dinâmica intrínseca que não conduz a uma existência que termina em si mesmo, mas somente na aceitação livre, não passiva daquilo que se é, porque inserido no interior daquela ordem impressa na natureza por seu Criador, que ordenou tudo com sabedoria infinita.
O relacionamento entre os novos problemas que estão presentes em nosso contexto contemporâneo afetam, em primeiro lugar, as questões da bioética, e a pesquisa do fundamento sobre o qual construir o inevitável juízo ético que se é chamado a tomar frente aos desafios que são provocados pela natureza, ciência e tecnologia.
O mundo de hoje vive uma situação verdadeiramente paradoxal: quanto mais aumenta a capacidade de avanços científicos e técnicos, mais cresce a lacuna com a questão fundamental da vida, que gira em torno do bem e do mal como premissa indispensável para dar sentido à existência pessoal.
Por um lado, a ciência e a técnica parecem atenuar a lacuna existente na questão ética sobre o bem e o mal,colocando em relevo sempre mais novas e sofisticadas conquistas que tendem a mostrar a urgência e a necessidade da investigação científica como promessa para resolver todas as nossas doenças, de modo a prolongar o tempo de vida, sem, todavia, nos dizer como ele será vivido em termos de qualidade; por outro, a questão torna-se ainda mais imperativa devido ao aparecimento de questões que a mente – não absorvida pelas novas conquistas, mas fascinada por elas, embora talvez confusa em alguns momentos – apresenta devido à impossibilidade de deixá-las de lado.
Houve um tempo em que o homem se sentia parte integrante da natureza; se referia a ela como o lugar significativo da própria existência e como o espaço em que encontrar significado. O sentimento de pertença à natureza levava a verificar diretamente os tempos e as dinâmicas da vida pessoal; como se experimentava a passagem das estações do ano também se experimentava na própria carne o sentido da precariedade do viver e do morrer. Acontecia assim que o homem vivia a própria existência com base nas leis que reconhecia estarem presentes na natureza, não criadas nem determinadas por ele, mas acima de tudo descobertas por ele devido à atenção dos fenômenos, e por ele respeitadas como provenientes de um mundo intangível a que ele devia obediência.
O senso de respeito adquiria, neste contexto, seu significado semântico mais profundo: o homem tomava consciência de não ser sozinho, ao redor e ao seu lado percebia a presença de outros seres vivos que satisfaziam as suas leis sem que ele pudesse mudar a rota. Atido ao conhecimento desta presença, vivia uma espécie de harmonia que o levava a experimentar na natureza a própria audácia e o próprio limite. Audácia, porque podia imprimir na natureza o seu poder; limite, porque a obra de suas mãos continuava a existir depois dele.
Esquecida a relação com a natureza pelo surgimento do senso de autonomia, também diminuiu o recurso ao senso de respeito pela natureza que havia caracterizado as relações durante séculos inteiros. A linha divisória entre a vida humana e a natureza ia se alargando progressivamente e, à medida que se perdia o contato com a natureza, também a vida pessoal parecia adquirir os traços de plena autonomia da natureza e, de modo quase insolente, reivindicava para si uma liberdade que havia cansavelmente adquirido com o predomínio sobre a própria natureza.
A situação do relacionamento se modificou sobretudo pelo surgimento da ciência experimental. Porque se podia entrar diretamente na natureza e desvendar os segredos escondidos, produzindo-os também em laboratório, ela se tornava mais um grande laboratório que uma área de intangibilidade. Esta situação, apesar de seu lado positivo, criou de fato uma forma de dualismo antropológico, que resultou na colocação de dois elementos, em forma de oposição, que faz o homem esquecer que o seu próprio corpo está em plena natureza.
As questões de bioética permanecerão, por algum tempo, como foco de nossos debates porque o progresso da ciência é imparável, e deve permanecer assim, bem como a conquista tecnológica será sempre mais aberta e entrará ainda mais longe no processo de determinar a vida dos indivíduos e das sociedades.
Se cada vez mais cresce o conhecimento científico e a tecnologia é refinada, é evidente que as questões da razão terão motivo de se multiplicar para verificar o quanto o percurso rumo à felicidade desejada e ansiada seja realmente factível e atingível. A exigência ética, no entanto, encontrará neste contexto ainda maior urgência para chegar a uma resposta justa e respeitosa da dignidade da vida humana.
A vida pessoal não pode ser reduzida à pura matéria, nem relegada a um limbo, privada de paixão pela verdade;
pelo contrário, ela deverá sempre ser capaz abarcar a resposta definitiva que gira em torno da questão do sentido da própria existência.
A instância ética que reclama o valor fundamental da lei moral natural, portanto, longe de ser anacrônica, impõe-se como critério obrigatório para chegar à verdade e guiar os julgamentos éticos em vista de uma autêntica e forte escolha de liberdade na verdade.

carmadelio

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