quarta-feira, 4 de maio de 2011

O PERDÃO DE JESUS A SEUS INIMIGOS.


No alto do Madeiro, Cristo assistiu o desenrolar do drama no qual a crueldade humana, chegando às raias da loucura, pairando nas fronteiras da mais monumental inclemência, atingiu o seu clímax e prorrompeu-se no escárnio mais picante.

Silenciar-se ante o patíbulo de um delinqüente sempre foi, nos anais dos povos e nas leis das gentes, deferência que nunca fora negada ao mais insigne dos malfeitores. Até isto recusaram a Cristo inocente.
No registro dos evangelistas, todos que estavam ali presentes insultavam o Crucificado. Zombavam os caminhantes que por aquela rota passavam para Jope e Cesaréia e, movendo a cabeça em sinal de desprezo, lançavam a Cristo as antigas profecias e os testemunhos de seu poder: “Tu que destróis o Templo e em três dias o edificas ... desce da cruz” (Mt 27,40). Escarneciam dele os chefes dos sacerdotes com os escribas e anciãos: “A outros salvou a si mesmo não pode salvar”! (Mt 27,42). Até os soldados romanos, estrangeiros em Israel, alheios ao mistério daquela execução, se atreviam a aumentar seus sofrimentos e a apostrofá-lo com sacrílegas palavras: “Aproximando-se, traziam vinagre, e diziam: “Se és o rei dos judeus, salva-te a ti mesmo” (Lc 23, 36-37).

Aquela turba infrene criticava sarcasticamente os títulos do Rabi crucificado: “O Messias, o Rei de Israel ... que desça agora da cruz !” (Mc 15,32); sua divindade: “ Confiou em Deus; pois que o livre agora, se é que se interessa por ele! Já que ele disse: Eu sou filho de Deus ( Mt 27, 39). Nada lhes escapa na ânsia de insultá-lo: o taumaturgo: “ Salva-te a ti mesmo” (Mc 15, 30) ; o santo: “ Salva-te se és o Eleito!” (Lc 23,37). A aspereza mais desabrida, a rudeza mais profunda, a rispidez mais irritante, num conjunto de palavras irônicas, abateram sobre Cristo, pobre náufrago entre as ondas de dor incomensurável.

O ritual da amargura se desenrolou lentamente. Jesus contemplou a multidão sedenta de sangue, palpitante de ódio, ululante de ira, estuante de indignação. Seu vozerio confuso, díssono, desordenado, O submergiu num pélago de chascos, remoques e motejos. O desprezo mais acerbo foi-lhe a paga de tantos benefícios! Aos pés da Cruz, após os ultrajes, os soldados romanos jogavam dados. À insensibilidade humana recriminava já a natureza que dá mostras de profundo pesar. Nuvens circundavam o Calvário. Ao longe o mar em ondas revoltas lançava seu protesto: justa punição haveria de clamar toda a natureza numa convulsão que aterraria o universo. Naquele instante de sofrimento e de desprezo, sob os mais crus baldões de inimigos sáfaros, tudo pressagiava um castigo. Elias mandou prender os profetas de Baal, “fê-los descer para perto da torrente do Quison e lá os matou” (I Reis 18,40). Noé proferira maldições: “Maldito seja Canaã! Que ele seja, para seus irmãos, o último dos escravos!” (Gên 9,25). Eliseu almejara castigo para seus adversários: “E quando os arameus desciam contra ele, Eliseu orou assim a Iahweh: “Digna-te ferir essa gente de belida”, ou seja, uma alteração na vista. Depois os queria matar (II Reis 6, 18).

Cristo vai falar! Ao perceberem isto os inimigos do Mestre em atitude de alvoroço se voltaram para ele. Sem dúvida, no auge da injúria, sob a pressão da dor imensa, naquele instante de desatino iriam surpreendê-lo em contradição com a sua doutrina. As crônicas da Grécia registram os impropérios com os quais se prorrompiam os crucificados. Descrevem as palavras terríveis que diziam contra a pátria, os juizes, os pais e até contra si mesmo. A muitos se cortava a língua, pois no clímax do sofrimento cataratas de ódio e de vingança jorravam dos lábios do pobre crucificado. Isto ocorria também entre outros povos antigos, sobretudo em Roma. No ar pairaram as palavras de Jesus: “Pai perdoai-lhes porque não sabem o que fazem”! Ó surpresa para a multidão! Ó excelsa cortesia! Ó mistério divino! Ó marulhar da divina bondade! Em vez de trovões retumbantes de ódio, aplausos de homenagens! À injúria, o ósculo da paz! Ao desprezo, a anistia cordial! Ao ultraje, a palavra de carinho! Que lição magnífica deixou o Mestre divino para todos os seus seguidores!




Fonte: Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho

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