Não é raro entender por “vida mística” uma vida caracterizada por fenômenos extraordinários, com visões, êxtases, estigmas, etc. Tal concepção não é muito certa, na verdade a vida mística, longe de ser algo extraordinário, deve ser tida como uma fase normal na ordem das coisas que o cristão vive.
Podemos tirar como conceito fundamental que a vida mística é simplesmente a experiência cuja criatura humana faz Deus presente no íntimo de sua alma.
Grandes santos se dedicaram à oração e práticas ascéticas, penetraram em uma fase conhecida por noite escura do espírito, essa fase é necessária para ingressar na vida mística, onde a alma sofre purificação, sem isso, não poderia se sentir certos níveis do amor de Deus.
Na fase da noite escura, muitas vezes não tendo o tempo determinado de passagem, o demônio se empenha a todo custo em deter o avanço espiritual da pessoa, fazendo sucumbir vários pecados. O demônio não suporta a alma que se eleva ao mais longe de seu alcance tendo uma profunda experiência de Deus, deleitando-se apenas pela vida espiritual.
A literatura dos santos é riquíssima em textos retratando a noite escura do espírito. Na seqüência apresentarei a descrição de uma humilde costureira do século XIX, chamada Javiera de Valle, que descreve a respeito desta fase:
“Quando a alma resolve não querer nada se não seguir o seu amado Redentor, e colocando seu olhar fixo sobre Ele,se pudesse ver o que fez e sofreu por ela seu adorável Redentor, Satanás enfurecido prepara uma grande batalha.
(…) Se propõe arrancar de nós as três virtudes teologais. Mais onde vai colocar diretamente seu alvo é na fé,porque,obtida essa, fica mais fácil conseguir as outras duas coisas; porque é como o fundamentos sobre a qual se levanta todo edifício espiritual,que é o que ele(demônio) mais quer e deseja, e pretende destruir.
Deus então silencia; não o impede em sua intenção; antes prepara o caminho para que a batalha seja mais dura. E também mantém seus olhares firmes nele, pois prepara os caminhos para deixá-lo confuso na batalha, enganado e derrotá-lo completamente, para que saíamos verdadeiros vencedores desta batalha e nos tornemos invencíveis no que vier.
Quando Satanás já se aproxima da luta, a primeira coisa que diminui é a luz clara e formosa que Deus havia nos dado, para com ela conhecermos a verdade.
A escola[do Espírito Santo] se fecha; a memória e a razão pela força da dor e o sentimento que a alma tem parecem perdidos. Pobre alma que buscar a Deus e não sabe. Quer chamá-lo e não pode articular uma palavra. Tudo que sabia foi esquecido; com uma profunda piedade,sente-se sozinha,sem companhia alguma.
A quem me compararei neste estado? A nada, senão é essas noites de verão que de repente se levantam esses nevoeiros tão fortes e horríveis, quer por sua obscuridade tenebrosa nada se vê, senão relâmpagos que assustam, trovões que deixam alguém tremendo, tufões que recordam a justiça de Deus no fim do mundo, o granizo e a pedra que parecem destruir tudo.
Não digo ao que poderia comparar: somente, sem Deus, sentir ir até ela um exército furioso, que gritam a ela que está enganada, que não existe Deus, e a cercam por todos os lados[...],
[...] Mas não a deixam prontamente, e com raciocínios tão fortes e violentos, à força, querem fazer com que ela acredite que não existe Deus, e com horríveis deboches dizem que não há o tal Deus a quem ela busca e o fazem como com um poder sobre as potências, para ao poder nem refletir nem acreditar em outra coisa se não naquilo que a força nus querem fazer entender e crer, querem que não se acredite em mais nada além daquilo que eles dizem, e não acredite em nenhuma coisa mais.
[...] Assim é uma alma sem voz, e gaguejando, como que quisesse dizer: me uno a todo o credo de minha mão, a Igreja e não quero crer em ninguém mais. E sem poder dizer mais nada, nem falar, nem entender, assim se foram meses e meses, até se passarem dois anos.
Eu tinha dezoito anos quando isso aconteceu, e quando eu tanto sofria e chorava sem consolo a perda da minha fé, amanheceu para mim o dia claro e formoso.
E assim como eu sem saber de nada, nesse estado em que me vi metida, agora também vi e senti que me tiraram dele.”
Javiera Del Valle(1856-1930)
Decenário do Espírito Santo, oitavo dia
A noite escura do espírito supõe uma série de tentações de ateísmo, de escrúpulos, de suicídio ou depressão ,e, em qualquer caso, são muito intensas. Santo Inácio de Loyola e Santa Teresa de Lisieux sofreram tentações de suicídio. Madre Teresa de Calcutá sofreu de terríveis tentações que colocavam em perigo a fé e a existência de Deus.
Não há nada que possa evitar o sofrimento da noite escura do espírito, e quanto pior for as tentações, mais breves serão, e quanto mais brandas, mais prolongadas. No entanto tenhamos convicção que mesmo diante das tentações do demônio nesta noite, elas só acontecem com plena permissão de Deus, que também pode determina o espaço de tempo necessário para que termine.
Nos escritos de Javiera Del Valle, pudemos notar a influência demoníaca durante a noite escura, dando compreensão clara de sua existência. Infelizmente hoje muitos teólogos modernos fazem questão de tratar como fábulas, uma presença real que busca levar muitos a perdição.
Fonte:paraclitus
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