segunda-feira, 30 de maio de 2011

DEUS RESPEITA A LIBERDADE HUMANA.

O que ocorreu um dia lá no Calvário com Gestas e Dimas mostra como Deus respeita a liberdade humana que pode ou não corresponder às graças celestiais. Debochado, Gestas lançou ao ar a grande blasfêmia que era um desafio, um repto, uma afronta a mais: “Não és tu o Messias? Salva-te a ti mesmo e a nós” (Lc 23,39). Jesus não respondeu ao atrevimento e deu, deste modo, uma lição ao petulante. Dimas, porém, analisou a situação e foi firmando sua nova visão do mundo e dos homens. Envolveu-se numa nova mundividência. Gestas queria um milagre, mas este em nada lhe adiantaria. Ele queria se libertar para continuar sua vida de crimes hediondos.

Deus exige sempre sinceridade, honestidade, pois Ele “não despreza nunca o coração contrito e humilhado” (Sl 50,19). Não era este o caso daquele que entraria nas crônicas como o Mau Ladrão. Consciência insensibilizada, ele havia transposto as próprias fronteiras e passara para o outro lado da vida donde torno retorno é impossível. Tudo junto de Cristo pode ser perdoado, exceto a recusa do perdão, pois Deus não pode passar recibo à máxima intransigência humana, mesmo porque Ele se propõe, mas nunca se impõe. Realizou-se no Calvário o que Simeão havia profetizado com relação a Cristo, a saber, que Ele “foi colocado para a queda e o soerguimento de muitos em Israel, e como um sinal de contradição” (Lc 2,34).

O que muitos se esquecem, além disto, é que o próprio Jesus falou que um dia haverá aqueles que irão para o fogo eterno (Mt 25,41), recebendo inapelável sentença de condenação, Série de infelizes que repetiriam o gesto indesejável de Gestas e entre ser trigo, preferiram ser joio, optando livremente não pela Jerusalém celeste, mas pela cidade de Satã e seus sequazes. Dimas tomou então a palavra e repreendeu a Gestas, outra chance que lhe é dada para cair em si e se arrepender: “Nem sequer temes a Deus, estando na mesma condenação? Quanto a nós é de justiça; estamos pagando por nossos atos; mas ele não fez nenhum mal” (Lc 23,40-41). Voltando-se para Jesus, num gesto sublime, numa das mais comovedoras atitudes que o mundo veria, com imensa humildade, mas com muito amor no coração, ele dirigiu a Cristo estas palavras salvíficas: “Jesus, lembra-te de mim, quando vieres com teu reino” (Lc 23,42).

O agravo de Gestas ficara sem resposta. Aquelas palavras, porém, de Dimas tão espontâneas e repletas de sinceridade enterneceram a Jesus e lhe forçam a adicionar um codicilo a seu testamento: “Em verdade, eu te digo, hoje estarás comigo no Paraíso” (Lc 23, 43). Enorme a felicidade de Dimas que num instante de pulcra inspiração, de sublime correspondência à graça, conquistou o coração do divino Mártir e arrebatou o céu! Eis aí os procedimentos de Deus, quando contempla a lealdade, a franqueza no ser humano. Os homens são sempre tardos, relapsos em se fazerem atendidos. Quão longos, morosos os processos da justiça! Quão complexos os sistemas da burocracia! Quão lentamente se movem as reivindicações, muitas vezes ou quase sempre, inadiáveis, decisivas, isto trazendo conseqüências desastrosas e de imprevisíveis desgraças. Cristo esperava, parece, aquele simples apelo e à primeira súplica do Bom Ladrão a resposta é imediata e ele promete a salvação eterna àquele desventurado: “Hoje estarás comigo no paraíso”! Gestas e Dimas estavam ao lado do Redentor da humanidade, mas um desprezou a oportunidade de se redimir, o outro recebeu com amor as luzes divinas e salvou! O ser racional é livre para aceitar a Jesus como Dimas ou recusá-lo como Gestas.

 A palavra de Deus nas Escrituras esclarece, os sinais feitos por Cristo indicam sua divindade. Entretanto, nem a poderosa palavra divina, nem os milagres feitos por Jesus podem tolher a liberdade humana. Deus quer uma adesão pessoal, consciente de cada um. É por isto que é tão beatificante a entrega a Ele pela fé e aí está o valor da virtude, pois é um ser dotado de inteligência que se volta para o seu Senhor. Aí a fonte de todo o mérito. Há, porém, um grande obstáculo ao poder da graça, por assim dizer maior do que a palavra do Todo-Poderoso e do que tudo que está no Evangelho que é o endurecimento do coração. Este impede definitivamente que Cristo possa repetir: “Hoje estarás comigo no Paraíso”. Bem-aventurados, entretanto, aqueles que se deixam iluminar pelas inspirações celestes e se imergem na beleza das mensagens de Jesus, na grandiosidade de seus prodígios, pois este, sim, escutará um dia estas dulcíssimas palavras: “Hoje estarás comigo no Paraíso”. Suprema desgraça de uns, excelsa ventura de outros! Eis porque se deve sempre pedir a Deus que ilumine nosso espírito e fortifique nossa vontade, ilustre nossa consciência e nos submeta ao império de sua graça. Solicitar sempre que Ele remova os óbices que nos separam dele, dissipando nossas ilusões.
Cumpre estar atentos para não se deixasr levar pelas surpresas com que o mundo assalta cada um e, deste modo, estar apto para jamais dizer um não à passagem do Mestre divino na vida de cada um. Então, sim, no final da vida se poderá ouvir venturosamente o mesmo que Dimas escutou um dia lá no Gólgota: “Hoje estarás comigo no Paraíso. Nosso deve ser o desejo do grande sábio Copérnico em cuja lousa sepulcral brilham desde 1543 estas palavras: “Dai-me, Senhor não a graça de Paulo, não o perdão de Pedro, senão a misericórdia que na cruz tivestes com o Bom Ladrão”. Esta misericórdia nos fará ouvir: “Hoje estarás comigo no Paraíso”. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.




 
Fonte: Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Local:Mariana (MG)


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