A
pergunta tem sua base na vida civil; quando um juiz absolve um réu, o
caso é encerrado; o delinquente não tem de sofrer mais alguma pena.
Então por que não se dá o mesmo entre o homem pecador e Deus?
Eis a resposta:
Todo
ser humano traz em seu íntimo um conjunto de tendências desordenadas:
egoísmo, cobiça do alheio, orgulho, vaidade, intemperança… Essas más
tendências se exteriorizam em atos correspondentes ou em pecados. Quando
o pecador realmente arrependido recebe a absolvição sacramental, ele
volta à vida com Deus ou é eximido da separação definitiva que nós
chamamos “inferno”. Todavia permanecem em seu coração as raízes do
pecado, tanto que muito frequentemente a pessoa absolvida volta a
cometer o mesmo pecado do qual se arrependeu sinceramente.
Ora, somos chamados a ver Deus face-a-face na bem-aventurança
celeste. Na presença de Deus não pode subsistir a mínima sombra de
impureza. Daí, como diz o amigo, a necessidade de passar pela “pena
temporal”. Esta expressão presta-se a mal-entendidos; pode sugerir que
Deus, depois de absolver, ainda imponha um castigo. Isto é falso. “Pena
temporal”, no caso, significa a tarefa de eliminar as raízes do pecado
mediante a mortificação das paixões desregradas – o que é sempre
doloroso; requer ascese na vida presente e, se esta não conseguir
desarraigar toda impureza, é dada uma oportunidade ao pecador de se
libertar do impuro no chamado “purgatório póstumo”. Este não é uma
punição; antes é uma concessão da misericórdia divina para que a alma do
cristão se liberte de tudo que ela tenha de desregrado mediante um
arrependimento profundo ou radical. Esta purificação é dita “temporal”,
porque ela tem um fim; a alma acaba por erradicar todas as más
tendências com que morreu a pessoa.
Usando uma imagem bíblica, diremos: se, quando Deus nos chamar para a
ceia da vida eterna, não tivermos acabado de preparar nossa veste
nupcial, deveremos fazê-lo no além; na verdade é que no além não há
tempo como no aquém, mas há o “evo”, que é a duração de quem começou a
existir, mas jamais morrerá (como se dá com a alma humana); o “evo” é
também dito “o tempo psicológico”, pois consta de sucessivos atos do
intelecto e da vontade do respectivo sujeito.
Para
ilustrar a purificação póstuma, podemos recorrer a uma figura: um jovem
motorista facilita no trânsito, cometendo pequenas transgressões, que
não incomodam ninguém. Um belo dia, porém, é afetado por um acidente e
deve ficar imobilizado durante semanas. Nesse período, ele repudia a
leviandade do seu comportamento e nunca mais há de querer “brincar” com o
trânsito, mesmo em casos de aparente pouca importância. -Assim quem vê
seriamente o que é o pecado, horroriza-o e não volta a cometê-lo.
O pecado está profundamente arraigado em nós, e exige vigilância
contínua para que não sejamos vencidos na luta em prol do encontro
definitivo com Deus.
N.554. Agosto, 2008
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