
A liturgia deste
domingo convida-nos a contemplar o quadro do amor de Deus. Apresenta-nos um
Deus que ama todos os seus filhos sem excluir ninguém, nem sequer os pecadores,
os maus, os marginais, os “impuros”; e mostra como só o amor é transformador e
revivificador.
Na primeira leitura um “sábio” de Israel explica a “moderação” com que Deus
tratou os opressores egípcios. Essa moderação explica-se por uma lógica de
amor: esse Deus omnipotente, que criou tudo, ama com amor de Pai cada ser que
saiu das suas mãos – mesmo os opressores, mesmo os egípcios – porque todos são
seus filhos.
O Evangelho apresenta a história de um homem pecador, marginalizado e
desprezado pelos seus concidadãos, que se encontrou com Jesus e descobriu n’Ele
o rosto do Deus que ama… Convidado a sentar-se à mesa do “Reino”, esse homem
egoísta e mau deixou-se transformar pelo amor de Deus e tornou-se um homem
generoso, capaz de partilhar os seus bens e de se comover com a sorte dos
pobres.
A segunda leitura faz referência ao amor de Deus, pondo em relevo o seu papel
na salvação do homem (é d’Ele que parte o chamamento inicial à salvação; Ele
acompanha com amor a caminhada diária do homem; Ele dá-lhe, no final da
caminhada, a vida plena)… Além disso, avisa os crentes para que não se deixem manipular
por fantasias de fanáticos que aparecem, por vezes, a perturbar o caminho
normal do cristão.
LEITURA I – Sab
11,22-12,2
Leitura do Livro da
Sabedoria
Diante de Vós, Senhor,
o mundo inteiro é como um grão de areia na balança, como a gota de orvalho que de manhã cai sobre a terra.
De todos Vós compadeceis, porque sois omnipotente, e não olhais para os seus pecados, para que se arrependam.
Vós amais tudo o que existe e não odiais nada do que fizestes; porque, se odiásseis alguma coisa, não a teríeis criado.
e como poderia subsistir, se Vós não a quisésseis?
Como poderia durar, se não a tivésseis chamado à existência?
Mas a todos perdoais, porque tudo é vosso, Senhor, que amais a vida.
O vosso espírito incorruptível está em todas as coisas.
Por isso castigais brandamente aqueles que caem e advertis os que pecam, recordando-lhes os seus pecados, para que se afastem do mal e acreditem em Vós, Senhor.
AMBIENTE
O “Livro da Sabedoria”
é o mais recente de todos os livros do Antigo Testamento (aparece durante a primeira
metade do séc. I a.C.). O seu autor – um judeu de língua grega, provavelmente
nascido e educado na Diáspora (Alexandria?) – exprimindo-se em termos e
concepções do mundo helénico, faz o elogio da “sabedoria” israelita, traça o
quadro da sorte que espera o justo e o ímpio no mais-além e descreve (com
exemplos tirados da história do Êxodo) as sortes diversas que tiveram os
egípcios (idólatras) e o hebreus (fiéis a Jahwéh). O seu objectivo é duplo:
dirigindo-se aos seus compatriotas judeus (mergulhados no paganismo, na
idolatria, na imoralidade), convida-os a redescobrirem a fé dos pais e os
valores judaicos; dirigindo-se aos pagãos, convida-os a constatar o absurdo da
idolatria e a aderir a Jahwéh, o verdadeiro e único Deus… Para uns e para
outros, só Jahwéh garante a verdadeira “sabedoria”, a verdadeira felicidade.
O texto que nos é proposto pertence à terceira parte do livro (cf. Sab
10,1-19,22). Nessa parte, recorrendo, sobretudo, à técnica do midrash, o autor
faz a comparação entre os castigos que Deus lançou contra aos “ímpios” (os
pagãos) e a salvação reservada aos “justos” (o Povo de Deus).
Depois de descrever como a “sabedoria” de Deus que se manifestou na história de
Israel (cf. Sab 10,1-11,14), o autor faz referência ao pecado dos egípcios, que
rendiam culto “a répteis irracionais e a bichos miseráveis” (Sab 11,15); e
manifesta o seu espanto de que o castigo de Deus sobre os egípcios tenha sido
tão moderado e benevolente (cf. Sab 11,17-20). Porque é que Deus foi tão
moderado e não exterminou totalmente os egípcios? É a essa questão que o nosso
texto responde.
MENSAGEM
Fundamentalmente, o
autor encontra três razões para justificar a moderação e a benevolência de
Deus.
A primeira tem a ver com a grandeza e a omnipotência de Deus (cf. Sab 11,22).
Quem é grande e poderoso, não se sente incomodado e posto em causa pelos actos
daqueles que são pequenos e finitos… Ele vê as coisas com suficiente distância,
percebe as razões do agir do homem, não perde o “fair play”; daí resulta a
tolerância e a misericórdia.
A segunda vem dessa lógica que caracteriza sempre a atitude de Deus em relação
ao homem: a lógica do perdão (cf. Sab 11,23). Ele não quer a morte do pecador,
mas que este se converta e viva; por isso, “fecha os olhos” diante do pecado do
homem, a fim de o convidar ao arrependimento… Repare-se, no entanto, que esta
lógica não se exerce aqui sobre o Povo de Deus, mas sobre um império pagão e
opressor: é a universalidade da salvação que aqui é sugerida.
A terceira tem a ver com o amor de Deus (cf. Sab 11,24-26), que se derrama
sobre todas as criaturas. A criação foi a obra de amor de um pai; e esse pai
ama todos os seus filhos. Ele é o Senhor que “ama a vida”.
É porque todos os homens levam dentro de si esse “sopro de vida” que Deus
infundiu sobre a criação, que Ele se preocupa, corrige, admoesta, perdoa as
faltas, faz que se afastem do mal e estabeleçam comunhão com Ele (cf. Sab
12,1-2).
ATUALIZAÇÃO
A reflexão pode
fazer-se a partir dos seguintes elementos:
• O Deus que este
texto apresenta é uma figura benevolente e tolerante, cheia de bondade e
misericórdia, que não quer a destruição do pecador, mas a sua conversão e que
ama todos os homens que criou, mesmo aqueles que praticam acções erradas. Ora,
todos nós conhecemos bem este quadro de Deus, pois ele aparece-nos a par e
passo… Mas já o interiorizámos suficientemente?
• Interiorizar esta
“fotografia” de Deus significa “empapar-nos” da lógica do amor e da
misericórdia e deixar que ela transpareça em gestos para com os nossos irmãos.
Isso acontece, realmente? Qual é a nossa atitude para com aqueles que nos
fizeram mal, ou cujos comportamentos nos desafiam e incomodam?
• Muitas vezes,
percebemos certos males que nos incomodam como “castigos” de Deus pelo nosso
mau proceder. No entanto, este texto deixa claro que Deus não está interessado
em castigar os pecadores… Quando muito, procura fazer-nos perceber – com a
pedagogia de um pai cheio de amor – o sem sentido de certas opções e o mal que
nos
fazem certos caminhos que escolhemos.
SALMO RESPONSORIAL –
Salmo 144(145)
Refrão: Louvarei para
sempre o vosso nome, Senhor meu Deus e meu Rei.
Quero exaltar-Vos meu
Deus e meu Rei e bendizer o vosso nome para sempre.
Quero bendizer-vos, dia após dia, e louvar o vosso nome para sempre.
O Senhor é clemente e
compassivo, paciente e cheio de bondade.
O Senhor é bom para com todos e a sua misericórdia se estende a todas as criaturas.
Graças Vos dêem,
Senhor, todas as criaturas e bendigam-Vos os vossos fiéis.
Proclamem a glória do vosso Reino e anunciem os vossos feitos gloriosos.
O Senhor é fiel à sua
palavra e perfeito em todas as suas obras.
O Senhor ampara os que vacilam e levanta todos os oprimidos.
LEITURA II – 2 Tes
1,11-2,2
Leitura da Segunda
Epístola do apóstolo São Paulo aos Tessalonicenses
Irmãos: Oramos continuamente por vós, para que Deus vos considere dignos do seu chamamento e, pelo seu poder, se realizem todos os vosso bons propósitos e se confirme o trabalho da vossa fé.
Assim o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo será glorificado em vós, e vós n’Ele, segundo a graça do nosso Deus e do Senhor Jesus Cristo.
Nós vos pedimos, irmãos, a propósito da vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo e do nosso encontro com Ele: Não vos deixeis abalar facilmente nem alarmar por qualquer manifestação profética, por palavras ou por cartas, que se digam vir de nós, pretendendo que o dia do Senhor está iminente.
AMBIENTE
Forçado a deixar
Filipos, Paulo chegou a Tessalônica pelo ano 50. Segundo o seu costume, pregou
primeiro aos judeus na sinagoga, obtendo algum sucesso; mas os judeus –
incomodados pelo testemunho de Paulo – sublevaram a multidão e o apóstolo teve
de abandonar, à pressa, a cidade. De lá, dirigiu-se para Bereia, Atenas e,
depois, Corinto.
Em Tessalônica ficou uma comunidade entusiasta e fervorosa, constituída na sua
maioria por pagãos convertidos… Mas Paulo estava inquieto, pois chegaram-lhe
notícias da hostilidade dos judeus para com os cristãos de Tessalônica; e essa
comunidade, ainda insuficientemente catequizada, com uma fé muito “verde”,
corria riscos. Paulo enviou Timóteo a Tessalônica, para saber notícias e
encorajar os cristãos… Quando Timóteo voltou, Paulo estava em Corinto. As
notícias eram boas: os tessalonicenses continuavam a viver com entusiasmo a fé
e a dar testemunho de Jesus. Havia, apenas, algumas questões de doutrina que os
preocupavam – nomeadamente a questão da segunda vinda do Senhor. Paulo
decidiu-se, então, a escrever aos cristãos de Tessalónica, animando-os a
viverem na fidelidade ao Evangelho e esclarecendo-os quanto à doutrina sobre o
“dia do Senhor”. Estamos no ano 51.
Embora não haja qualquer dúvida de que a Primeira Carta aos Tessalonicenses
provém de Paulo, há quem ponha em causa a autoria paulina da Segunda Carta aos
Tessalonicenses. De qualquer forma, a Segunda Carta aos Tessalonicenses é
considerada pela Igreja um texto inspirado que deve, portanto, ser visto como
Palavra de Deus.
MENSAGEM
O texto que nos é
proposto apresenta dois temas. O primeiro (cf. 2 Tess 1,11-12) expõe uma
súplica de Paulo, para que os tessalonicenses sejam cada vez mais dignos do
chamamento que Deus lhes fez; o segundo (cf. 2 Tess 2,1-2) refere-se à vinda do
Senhor.
A primeira parte põe em relevo o papel de protagonista que Deus desempenha na
salvação do homem. Não basta a boa vontade e os bons propósitos do homem; é
preciso que Deus acompanhe os esforços do crente e lhe dê a força de percorrer
até ao fim o caminho do Evangelho. De resto, tudo é dom de Deus que chama, que
anima e que leva o homem para a meta.
A segunda parte é o início da doutrina sobre o “dia do Senhor”. A intenção
fundamental de Paulo é denunciar e desautorizar alguns fanáticos e fantasistas
que, invocando visões ou mesmo cartas pretensamente escritas por Paulo,
anunciavam a iminência do fim do mundo… Isto estava a provocar perturbações na
comunidade, porque alguns – alvoroçados pela proximidade da segunda vinda de
Jesus – demitiam-se das suas responsabilidades e esperavam ociosamente o
acontecimento.
ATUALIZAÇÃO
Considerar, para a
reflexão pessoal e comunitária, as seguintes linhas:
• No nosso caminho
pessoal ou comunitário, rumo à salvação, Deus está sempre no princípio, no meio
e no fim. É preciso reconhecer que é Ele quem está por detrás do chamamento que
nos foi feito, que é Ele quem anima e dá forças ao longo da caminhada, que é
Ele quem nos espera no final do caminho, para nos dar a vida plena. Tenho
consciência desta centralidade de Deus? Tenho consciência de que a salvação não
é uma conquista minha, mas um dom de Deus?
• Ao longo do caminho,
é preciso estar atento para saber discernir o certo do errado, o verdadeiro do
falso, o que é um desafio de Deus e o que é o fanatismo ou a fantasia de algum
irmão perturbado ou em busca de protagonismo. O caminho para discernir o certo
do errado está na Palavra de Deus e numa vida de comunhão e de intimidade com
Deus.
ALELUIA – Jo 3,16
Aleluia. Aleluia.
Deus amou tanto o
mundo que lhe deu o seu Filho unigénito;
quem acredita nele tem a vida eterna.
EVANGELHO – Lc 19,1-10
Evangelho de Nosso
Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Naquele tempo, Jesus entrou em Jericó e começou a atravessar a cidade.
Vivia ali um homem rico chamado Zaqueu, que era chefe de publicanos.
Procurava ver quem era Jesus, mas, devido à multidão, não podia vê-l’O, porque era de pequena estatura.
Então correu mais à frente e subiu a um sicómoro,
para ver Jesus, que havia de passar por ali.
Quando Jesus chegou ao local, olhou para cima e disse-lhe: «Zaqueu, desce depressa, que Eu hoje devo ficar em tua casa».
Ele desceu rapidamente e recebeu Jesus com alegria.
Ao verem isto, todos murmuravam, dizendo: «Foi hospedar-Se em cada dum pecador».
Entretanto, Zaqueu apresentou-se ao Senhor, dizendo: «Senhor, vou dar aos pobres metade dos meus bens e, se causei qualquer prejuízo a alguém, restituirei quatro vezes mais».
Disse-lhe Jesus:«Hoje entrou a salvação nesta casa, porque Zaqueu também é filho de Abraão.
Com efeito, o Filho do homem veio procurar e salvar o que estava perdido».
AMBIENTE
O episódio de hoje
coloca-nos em Jericó, o oásis situado nas margens do mar Morto, a cerca de 34
quilómetros de Jerusalém. Era a última etapa dos peregrinos que, da Pereia e da
Galileia, se dirigiam a Jerusalém para celebrar as grandes festividades do
culto judaico (o que indica que o “caminho de Jerusalém”, que temos vindo a
percorrer sob
a condução de Lucas, está a chegar ao fim).
No tempo de Jesus, é uma cidade próspera (sobretudo devido à produção de
bálsamo), dotada de grandes e belos jardins e palácios (por acção de Herodes, o
Grande, que fez de Jericó a sua residência de inverno). Situada num lugar
privilegiado de uma importante rota comercial, era um lugar de oportunidades,
que devia proporcionar negócios chorudos (e também várias possibilidades de
negócios “duvidosos”).
O personagem que se defronta com Jesus é, mais uma vez, um publicano (neste
caso, um “chefe dos publicanos”). O nosso herói é, portanto, um homem que o
judaísmo oficial considerava um pecador público, um explorador dos pobres, um
colaboracionista ao serviço dos opressores romanos e, portanto, um excluído da
comunidade da salvação.
MENSAGEM
Voltamos aqui a um dos
temas predilectos de Lucas: Jesus é o Deus que veio ao encontro dos homens e Se
fez pessoa para trazer, em gestos concretos, a libertação a todos os homens –
nomeadamente aos marginalizados e excluídos, colocados pela doutrina oficial à
margem da salvação.
Zaqueu (é o nome do publicano em causa) era, naturalmente, um homem que
colaborava com os opressores romanos e que se servia do seu cargo para
enriquecer de forma imoral (exigindo impostos muito acima do que tinha sido
fixado pelos romanos e guardando para si a diferença, como aliás era prática
corrente entre os publicanos). Era, portanto, um pecador público sem hipóteses
de perdão, excluído do convívio com as pessoas decentes e sérias. Era um
marginal, considerado amaldiçoado por Deus e desprezado pelos homens. A
referência à sua “pequena estatura” – mais do que uma indicação de carácter
físico – pode significar a sua pequenez e insignificância, do ponto de vista
moral.
Este homem procurava “ver” Jesus. O “ver” indica aqui, provavelmente, mais do
que curiosidade: indica uma procura intensa, uma vontade firme de encontro com
algo novo, uma ânsia de descobrir o “Reino”, um desejo de fazer parte dessa
comunidade de salvação que Jesus anunciava. No entanto, o “mestre” devia
parecer-lhe distante e inacessível, rodeado desses “puros” e “santos” que
desprezavam os marginais como Zaqueu. O subir “a um sicómoro” indica a
intensidade do desejo de encontro com Jesus, que é muito mais forte do que o
medo do ridículo ou das vaias da multidão.
Como é que Jesus vai lidar com este excluído, que sente um desejo intenso de
conhecer a salvação que Deus oferece e que espreita Jesus do meio dos ramos de
um sicómoro? Jesus começa por provocar o encontro; depois, sugere a Zaqueu que
está interessado em entrar em comunhão com Ele, em estabelecer com Ele laços de
familiaridade (“quando Jesus chegou ao local, olhou para cima e disse-lhe:
«Zaqueu, desce depressa, que Eu hoje devo ficar em tua casa»”). Atente-se neste
quadro “escandaloso”: Jesus, rodeado pelos “puros” que escutam atentamente a
sua Palavra, deixa todos especados no meio da rua para estabelecer contacto com
um marginal e para entrar na sua casa. É a exemplificação prática do “deixar as
noventa e nove ovelhas para ir à procura da que estava perdida”… Aqui torna-se
patente a fragilidade do coração de Deus que, diante de um pecador que busca a salvação,
deixa tudo para ir ao seu encontro.
Como é que a multidão que rodeia Jesus reage a isto? Manifestando,
naturalmente, a sua desaprovação às atitudes incompreensíveis de Jesus (“ao
verem isto, todos murmuravam, dizendo: «foi hospedar-se em casa de um
pecador»”). É a atitude de quem se considera “justo” e despreza os outros, de
quem está instalado nas suas certezas, de quem está convencido de que a lógica
de Deus é uma lógica de castigo, de marginalização, de exclusão. No entanto,
Jesus demonstra-lhes que a lógica de Deus é diferente da lógica dos homens e
que a oferta de salvação que Deus faz não exclui nem marginaliza ninguém.
Como é que tudo termina? Termina com um banquete (onde está Zaqueu, o chefe dos
publicanos) que simboliza o “banquete do Reino”. Ao aceitar sentar-Se à mesa
com Zaqueu, Jesus mostra que os pecadores têm lugar no “banquete do Reino”;
diz-lhes, também, que Deus os ama, que aceita sentar-Se à mesa com eles – isto
é, quer integrá-los na sua família e estabelecer com eles laços de comunhão e
de amor. Jesus mostra, dessa forma, que Deus não exclui nem marginaliza nenhum
dos seus filhos – mesmo os pecadores – mas a todos oferece a salvação.
E como é que Zaqueu reage a essa oferta de salvação que Deus lhe faz? Acolhendo
o dom de Deus e convertendo-se ao amor. A repartição dos bens pelos pobres e a
restituição de tudo o que foi roubado em quádruplo, vai muito além daquilo que
a lei judaica exigia (cf. Ex 22,3.6; Lev 5,21-24; Nm 5,6-7) e é sinal da
transformação do coração de Zaqueu… Repare-se, no entanto, que Zaqueu só se
resolveu a ser generoso após o encontro com Jesus e após ter feito a
experiência do amor de Deus. O amor de Deus não se derramou sobre Zaqueu depois
de ele ter mudado de vida; mas foi o amor de Deus – que Zaqueu experimentou
quando ainda era pecador – que provocou a conversão e que converteu o egoísmo
em generosidade. Prova-se, assim, que só a lógica do amor pode transformar o
mundo e os corações dos homens.
ATUALIZAÇÃO
A reflexão pode partir
das seguintes linhas:
• A questão central
posta por este texto é, portanto, a questão da universalidade do amor de Deus.
A história de Zaqueu revela um Deus que ama todos os seus filhos sem excepção e
que nem sequer exclui do seu amor os marginalizados, os “impuros”, os pecadores
públicos: pelo contrário, é por esses que Deus manifesta uma especial
predilecção. Além disso, o amor de Deus não é condicional: Ele ama, apesar do
pecado; e é precisamente esse amor nunca desmentido que, uma vez experimentado,
provoca a conversão e o regresso do filho pecador. É esta Boa Nova de um Deus
“com coração” que somos convidados a anunciar, com palavras e gestos.
• A vida revela,
contudo, que nem sempre a atitude dos crentes em relação aos pecadores está em
consonância com a lógica de Deus… Muitas vezes, em nome de Deus, os crentes ou
as Igrejas marginalizam e excluem, assumem atitudes de censura, de crítica, de
acusação que, longe de provocar a conversão do pecador, o afastam mais e o
levam a radicalizar as suas atitudes de provocação. Já devíamos ter percebido
(o Evangelho de Jesus tem quase dois mil anos) que só o amor gera amor e que só
com amor – não com intolerância ou fanatismo – conseguiremos transformar o
mundo e o coração dos homens. Na verdade, como é que acolhemos
e tratamos os que têm comportamentos socialmente inaceitáveis? Como é que
acolhemos e integramos os que, pelas suas opções ou pelas voltas que a vida dá,
assumem atitudes diferentes das que consideramos correctas, à luz dos
ensinamentos da Igreja?
• Testemunhar o Deus
que ama e que acolhe todos os homens não significa, contudo, branquear o pecado
e pactuar com o que está errado. O pecado gera ódio, egoísmo, injustiça,
opressão, mentira, sofrimento; é mau e deve ser combatido e vencido. No
entanto, distingamos entre pecador e pecado: Deus convida-nos a amar todos os
homens e mulheres, inclusive os pecadores; mas chama-nos a combater o pecado
que desfeia o mundo e que destrói a felicidade do homem.
Dehonianos