sexta-feira, 10 de junho de 2016

DEUS É CIUMENTO


 


Quando luminosamente São João da Cruz ensina que «onde não vires amor, põe amor e encontrarás amor» nós deveríamos escutá-lo. Seria melhor para todos, viveríamos todos melhor, e o que é mais: viveríamos imitando a Deus.
Que Deus é amor sabemo-lo, porque o Evangelista João o perscrutou quando dormitou sobre o peito do Senhor, e nisso depois meditou durante quase cem anos antes de nos repetir o que ali tinha visto e ouvido a doçura da misericórdia do amor de Deus em Jesus.
Jesus é o rosto do amor, os olhos, as mãos e o coração do amor. Quando a obra da criação saiu de Deus, saiu-lhe cheia de beleza e amor: somos belos sempre que o nosso olhar exala o toque perfumado do Seu amor.

Ouso dizer toscamente aquilo que no inverno me aquece: Deus que tudo criou, criou-nos da altura do amor, capazes de amar, de corresponder com amor ao amor com que nos criou e que delicadamente esparziu em nossos corações.
Deus é como um semeador, generoso e esperançoso.
Deus semeador parece-me uma imagem bela: Ele não apenas criou; também nos achou ¨lavoura¨ fértil onde semear o Seu amor. Deus criou-nos para amar, para O amar – não me ocorre deferência maior.
Amar quem parece não merecê-lo é algo que só Deus. Amar quem não guarda a fragrância do amor é misericórdia incomparável.

Quando São João da Cruz nos ensina a semear o amor, está-se mesmo a ver, ou ao menos vejo-o eu, que nos convida a ser semeadores de Deus – esbanjadores do amor. Convida-nos a esbanjá-lo ali, ali mesmo, ali sem mais ou maior consideração, ali onde falta Deus. Ali onde, afinal, Deus é frágil, tão frágil! Sim, ali onde houver falta de Deus, semeia tu, amor; inunda tu de amor fecundo os desertos cheios da sua falta! Somos para Deus, somos capazes de Deus, temos coração semeador como o Dele, que o teceu de carne como o nosso! O amor seja a nossa semeadura.

Ora ocorre-me ainda que Deus talvez seja ciumento.
Sim, Deus é ciumento. O Deus da Bíblia é ciumento, ao menos aquele cujo rosto entrevemos no Antigo Testamento. Ali Deus é cruamente ciumento. Em boa verdade, pode sem medo dizer-se que o amor é ciumento e não tem como não sê-lo. Quem nos inundou de amor  como pode ficar impassível vendo que o cambiamos por migalhas? Quem nos criou para águias como não desmaiará ouvindo-nos cacarejar como galinhas? Quem se prendeu de nós como aceitará que descansemos noutros olhos?
Sim, Deus tem de ser ciumento. Ou então, não nos ama.
Não nos quer, e o seu amor semeado em nós vale nada.
Deus tem de querer-nos a todo o preço, um preço tão alto tão alto que seja sem preço. Tal como não tem preço a manjedoura ou a cruz! E Deus mais que tudo, porque ama – ama tudo, afinal.
Antes de tudo existir, Deus era feliz. Ou talvez não fosse feliz de todo, por não poder amar-nos ainda, e conosco e em nós a tudo o que seria criado. Sim, não sei que digo.

Sei que no amor de Deus não há sombra, a não ser talvez nas faldas do gênesis quando o seu olhar ainda não criara, ainda não conhecera a esperança de Adão, dos Patriarcas, Profetas e justos, ainda não pudera amar Maria e os pastores, os pequeninos, as virgens e os santos. Deus era feliz, mas ainda a carne não fora criada, os pés ainda não tinham pisado as plantinhas, o olfato não saudara ainda a virgindade das rosas, nem ainda o Filho estremecera de frio!
Deus não pudera conhecer nem amar plenamente por a criação não ter tido ainda existência, mas amava já, já nos amava de coração cheio. Em espera. Aguardando-nos.
Deus era feliz em amar-se amando-nos na esperança de beijar a carne que o Filho vestiria um dia. Ora, não me é aceitável que o amor que assim se expande transbordando as margens de Deus para Deus e para Deus, e por fim para a criação – máxime para a humanidade –, sim, não me é aceitável que esse amor se tenha vertido para nós sem ciúme, tal era o risco de se perder! Sim, sei. No amor perder é também ganhar. Ver o Filho deposto na manjedoura é perder, mas ganhamos nós. Logo, Deus também.  Na cruz, idem. Perde Deus, ganhamos nós. Nas contas do amor, mesmo que em esperança, “Quem perde ganha”. 

Isso sim, mas não me parece que Deus se deixe a perder, que o amor se possa deixar perder. Não. Impossível. É por isso que aceito que Deus seja ciumento. Que nos queira ao preço que seja, mesmo que o preço seja não querê-lo! Que nos abrace, mesmo que lhe cheguemos a casa rotos e cansados. Que nos dê a Eucaristia, mesmo que o sabor se nos tenha aziumado.Tu perdes, mas não nos perdes.
Creio que foi isso que mandaste Jesus dizer-nos; e depois do dito já não há mais para dizer. Apenas repetir: 

Deus ama-nos com um sol e uma lua de ternura no olhar, com lágrimas grandes e quentes rolando-lhe dos olhos pelas barbas! Deus asperge-nos o corpo e a alma com o seu olhar de misericórdia! É um doce-triste olhar de amor feliz. Por nós. Porque só nós podemos amar.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Pe.Emílio Carlos Mancini

Nenhum comentário: