quinta-feira, 16 de junho de 2016

A FACE HUMANA DE DEUS


 O rosto humano exprime todas as nuances da alma. O fato de que os seres humanos têm um rosto mostra que estávamos destinados  para nos comunicarmos uns com os outros; não fomos portanto criados para sermos indivíduos isolados.

Desse ponto de  vista, o rosto humano e a palavra humana partilham um propósito comum - ambas são o meio pelo qual os sentimentos de nossos corações e os pensamentos de nossas mentes são compartilhados com os outros.  O rosto, tanto quanto a palavra, é um meio de comunicação interpessoal e de comunhão.

O rosto humano não só tem a capacidade de expressar o estado da alma em um dado instante, mas também,  de muitas maneiras, o rosto pode tornar-se um registro de nossas vidas.

Mas isto não significa que marcas ou linhas criadas no rosto ao longo do tempo podem ser interpretadas corretamente à primeira vista.
Por exemplo, pode ser que uma pessoa pura de alma tenha um olhar estressado para nós, isso porque ele indica a vivencia de certos sofrimentos que são desconhecidos para nós.

No entanto, muitas vezes, uma alma que não é cheia de graça pode ser vista claramente brilhando através de uma face cheia de graça.
Esta impressão facial deve ser confirmada por palavras e ações, assim  como por outros meios de comunhão.
O rosto e a palavra juntos podem comunicar o que está na alma de uma pessoa.

O mesmo é verdadeiro para o Filho de Deus encarnado.
Desde a Encarnação, Deus comunicou-se a nós em uma nova forma: através de um rosto humano.
Além da beleza, majestade e poder do mundo criado (o que indiretamente revelam a sabedoria e o poder de Deus para nós), e além de suas palavras ditas para nós  por nosso Senhor e por meio dos profetas (que revelaram os pensamentos de Deus diretamente), Deus agora expressa -Se a nós na mais maneira íntima, pessoal e humana  possível: Através de Seu rosto humano.

Esta é uma razão pela qual a veneração de ícones na Igreja Ortodoxa tem um lugar tão central em nossa adoração e em nossas crenças dogmáticas.  A presença de Deus entre nós é múltipla: Ele está presente conosco através de Suas palavras nas Escrituras, através do Seu corpo e sangue na Eucaristia, através de Suas energias incriadas em forma de graça, através da beleza e majestade do mundo criado, e através do Seu
rosto humano,  presente em seu ícone sagrado.
O ícone de Jesus Cristo é sempre reconhecível. Ele sempre mostra a mesma face de Deus Encarnado.

Um teólogo ortodoxo, Presbítero Dumitru Staniloae, fez várias observações importantes sobre a inter-relação do  ícone com as outras formas da presença de Deus entre as pessoas.
As divisões no cristianismo tem ocorrido principalmente onde um dos aspectos da revelação de Deus foi separado dos outros e assim vistos isoladamente do resto.

Como um exemplo, onde as palavras de Deus nas Escrituras foi tomada como a única revelação autêntica de Deus, temos que cristãos se tornaram submetidos a uma miríade de subjetivas interpretações e opiniões humanas.

Somente quando todos os meios de revelação de Deus e a Sua presença são mantidos juntos ,é que podemos ter a própria fé cristã realizada em seu todo na Una e Santa Tradição Apostólica.
Os Santos Mistérios e o Ícone de Cristo, evitam conjuntamente a interpretação subjetiva das Escrituras, já que ambos revelam um Cristo como Deus e como homem deificado. Só ambos  juntos nos dão o Cristo total. E o mesmo  se dá nas relações humanas normais: As mesmas palavras podem ser interpretadas de forma diferente com uma expressão diferente da face. 
A expressão no rosto (neste caso, no Ícone) deve ser confirmada pelas palavras (nas Escrituras) e ações (nos sacramentos) para termos a plenitude do Cristo.

Assim, o ícone de Cristo nos transmite não só o fato de que o Filho de Deus tornou-se um homem, mas mais do que isso, transmite o amor infinito e a compaixão que o levou a encarnar-se, bem como revelam seu conhecimento de nossas ações, Sua paciência com nossas fraquezas, e Sua severidade  a respeito de Sua vinda como Juiz universal.

O gênio da iconografia ortodoxa tradicional (como executado por iconógrafos talentosos e piedosos) permitem que a face de Cristo possa ser representada na forma de expressar todas estas dimensões de sua personalidade ao mesmo tempo.
O rosto humano de Cristo em Seu ícone, assim, torna-se não só um lembrete da humanidade de Deus, mas também um aspecto de sua presença real entre nós.

Comungamos com Cristo, não só na Eucaristia, mas também através de suas palavras na Escritura,  no Seu ícone, e com todos os significados (logoi) do mundo criado, que tem Cristo como seu Criador (Ef 3:9) e supremo Logos (Jo 1:1). Todas essas coisas juntas, permitem-nos estarmos plenamente em comunhão com o Cristo total.

Por esta razão, o ícone do Cristo é inseparável da a adoração ortodoxa .
O ícone não está conosco em nossa Igreja, simplesmente porque é dogmaticamente permitido.
Ele está conosco  porque ele é necessário. No Ícone do rosto de Cristo, vemos todas as Suas ações de providencia conciliadas ao mesmo tempo: somos lembrados do seu nascimento, seus milagres, Sua paixão e sua ressurreição (como diz o Kondákion do Domingo da Ortodoxia). O Ícone de Cristo manifesta Cristo, e através dele, Ele mesmo continua a trabalhar, através da oração sacerdotal para abençoar o ícone de forma clara e inequívoca.

Além disso, o ícone do Cristo conecta Suas palavras e Sua Eucaristia à sua pessoa, garantindo que tanto uma como a outra não serão desconectadas  ou abstraídas dele.
As palavras de Jesus são absolutamente únicas.
Seu pão eucarístico é absolutamente único, a expressividade facial  em seu ícone sagrado também. Através de todas estas coisas juntas Jesus continua a comunicar-se com cada um de nós pessoalmente. Ele se coloca em nossa presença e traz-nos à Sua presença.

A Palavra de Deus não assumiu apenas a natureza humana de forma abstrata mas tornou-se um homem, com um rosto humano específico, a Sua face, através do qual Ele deseja se comunicar conosco para toda a eternidade. "O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não hão de passar."(Mt. 24:35) - e nem o seu rosto humano, único e cheia de graça deve ser esquecido.

Este é o significado da salvação: ter a "luz da Face de Deus" a brilhar sobre nós (Sl. 80,7, 19).

Se o cristianismo ocidental (Por exemplo, Tomás de Aquino) considera a salvação como sendo uma visão beatífica da essência de Deus, na Ortodoxia temos mesmo uma visão do rosto de Cristo. Assim o Sacerdote Dumitru Staniloae finalizou a sua grande obra de espiritualidade ortodoxa com estas palavras:
"A encarnação da Palavra confirmou o valor do homem ... Mas também deu ao homem a possibilidade de ver no rosto humano do Logos,  concentrados de novo, todas as energias logoi e divina. Assim, a deificação final será composta da contemplação e experimentação de todos os valores divinos e de todas as  energias concebidas e irradiadas do rosto de Cristo."
 
 
 
 
 
 

Hieromonge Calinic (Berger).

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