segunda-feira, 11 de abril de 2016

AINDA HOJE ESTARÁS COMIGO NO PARAÍSO - UM ESTUDO SOBRE LUCAS 23,43


UM LEITOR ANÔNIMO enviou-nos algumas questões interessantes, no seguinte comentário ao post "A morte, o Juízo Particular e o Juízo Final":

O texto é bem esclarecedor, como todos os artigos deste blog. Parabéns pelo excelente trabalho. Porém, gostaria que, se possível, uma dúvida minha fosse sanada, relacionada à uma objeção apresentada ontem por um protestante. Em diversos artigos postados em sites católicos, notei que o relato do "bom ladrão", situado em Lucas 23,39-43, é utilizado como prova de que a alma permanece inconsciente após a morte. Porém, me foram apresentadas três objeções:
1- A Bíblia diz que Jesus estabelecerá o seu Reino no fim dos tempos. Portanto, o relato é uma promessa futura, e não imediata.

2- O Evangelho narra que os soldados quebraram as pernas dos malfeitores, mas não as de Jesus, pois ele já estava morto. Portanto, o ladrão estava ainda vivo, o que atesta que tal promessa ocorrerá no futuro somente.

3- Jesus ressuscitou ao terceiro dia, e diz que não havia subido ao Pai. Portanto, seria impossível que o termo "hoje" fosse empregado no sentido defendido pelos católicos.
Gostaria de uma resposta. Obrigado!"

Em primeiro lugar, agradecemos ao leitor pelas gentis e encorajadoras palavras. Nosso único objetivo com este trabalho é o de contribuir, – não na medida de nossas estreitas capacidades, mas pela Graça do Bom Deus, – no esclarecimento da fé católica aos que a buscam.

A tradição deu ao "bom
ladrão" o nome Dimas
Entrando nas questões que você propõe, é no mínimo curioso, e certamente é mais do que questionável, que essas objeções tenham partido de um protestante. Ora, são eles que fundamentam todo o conjunto de sua fé e práticas na literalidade do Texto Sagrado, e não nós, católicos. Se uma passagem bíblica trouxesse algum embaraço, alguma contradição com outras passagens bíblicas, isto seria um entrave muito maior para a crença deles do que para a nossa fé. O católico não se deixa perturbar com passagens bíblicas difíceis, porque sua fé não se fundamenta exclusivamente na interpretação particular das Escrituras, mas sim naqueles três pilares fundamentais: Magistério, Tradição e Escritura. Sendo assim, temos sempre a que recorrer quando encontramos dúvidas e obstáculos no prosseguimento do Caminho (que é o Cristo), e não ficamos reféns da nossa própria compreensão das letras. – Nós, que somos tão fracos e falhos. – Temos, antes de tudo, a orientação da Igreja, que é o Corpo de Cristo e a Coluna e o Sustentáculo da Verdade.

Isto posto, devo dizer que não estudei nada diretamente relacionado a estes temas muito específicos que você propõe. Em todo caso, preciso dizer que não vejo aí dificuldade alguma, pois o que estudei e aprendi é mais que suficiente para dissolver os aparentes problemas. Vejamos então as suas questões, uma por vez.


A Bíblia diz que Jesus estabelecerá o seu Reino no fim dos tempos; logo, o relato é uma promessa futura e não imediata

Como eu sempre digo por aqui, e como todo católico deve saber (e ter sempre essa resposta 'na ponta da língua', para dá-la a quem questioná-lo), as Sagradas Escrituras precisam ser compreendidas no todo, no seu conjunto, e este conjunto precisa convergir, tem que ser coeso. Se assim não fosse, não poderíamos crer nelas como divinamente inspiradas, pois o Espírito de Deus não poderia dizer algo numa passagem e contrariá-lo em alguma outra.

Muito bem. A partir daí, é sempre muito fácil responder ao protestante que acena com uma passagem bíblica que lhe parece dizer determinada coisa, usando uma outra passagem bíblica que demonstra uma realidade diferente. Por isso é que devemos, enquanto católicos, "criarmos vergonha na cara" e começarmos a estudar mais as Sagradas Escrituras, e com mais empenho e interesse. O católico comum, via de regra, parece ter pouco interesse na compreensão da própria fé, atendo-se a uma religiosidade mais prática e afetiva, ligada ao sentimento mas não à razão. A razão, entretanto, não é estranha à fé, porque procede da mesma Verdade Eterna (Deus), como ensinou o titã da fé Santo Tomás de Aquino. Fé e razão, portanto, não devem andar separadas: são como que as duas "pernas" da alma no Caminho da salvação. Se usarmos apenas uma perna, vamos mancando neste longo Caminho, e o nosso avanço será lento... Certamente nos atrasaremos, se é que conseguiremos chegar ao final.
Estudemos mais a Bíblia, meus irmãos católicos! Se os "cursos livres" oferecidos pelas nossas paróquias e mesmo boa parte das publicações populares atuais são fracos e até inconsistentes com a autêntica fé católica, pesquisem por si mesmos, procurem ajuda, esforcem-se! Um primeiro bom passo na direção certa, que eu aconselho, é adquirir um exemplar da Bíblia de Jerusalém e ler um capítulo por dia (ou um a cada dois ou três dias, ou pelo menos um por semana, conforme a disponibilidade de cada um), lendo também e com muita atenção as introduções e as notas de rodapé; compre um caderno, faça anotações, consulte o dicionário, aprofunde a pesquisa na internet... E reze! Suplique a Luz do Espírito Santo, com fé, amor e confiança antes de cada sessão de estudos. – Garanto que isto será de mais valia do que a conclusão de muitos "cursos" que hoje se oferecem por aí. Acredite: com boa vontade se progride muito!

Retomando a linha de raciocínio nesta resposta, eu desafiaria este protestante que o questiona, anônimo, a mostrar onde e quando é que Jesus falou, assim tão categoricamente, do Reino dos Céus como um evento futuro. Esta é uma interpretação particular dada como certa, já que os Evangelhos dizem muito claramente:

Interrogado pelos fariseus sobre quando havia de vir o Reino de Deus, (Jesus) respondeu-lhes, e disse: O Reino de Deus não vem com aparência exterior. Nem dirão: 'Ei-lo aqui', ou: 'Ei-lo ali'; porque eis que o Reino de Deus está entre vós'." (Lc 17, 20-21)

O Senhor não diz que o Reino de Deus virá num futuro distante, mas sim que já está presente, como uma realidade já atuante. Ainda mais interessante é lembrar que outra tradução perfeitamente possível (usada em algumas versões) para o texto original em grego (ἐντὸς  ὑμῶν) é: "O Reino de Deus está dentro de vós".

Vemos então que esta primeira contestação parte de uma confusão entre o Reino de Deus ou Reino dos Céus, propriamente dito, e o advento do Dia do Juízo, quando o Reino de Deus será definitivamente consumado e consolidado, para todas as almas e definitivamente. O Reino de Deus é uma realidade; o dia do Juízo Final, no qual o mesmo Reino se tornará tudo em todos, é outra.


O Evangelho narra que os soldados quebraram as pernas dos malfeitores, mas não as de Jesus, pois ele já estava morto. Portanto, o ladrão estava ainda vivo, o que atesta que tal promessa ocorrerá no futuro somente

Quanto a esta segunda objeção, com toda a honestidade e humildade, devo dizer que não merece sequer ser considerada, porque é totalmente desprovida de sentido. Quem foi que disse que, para que a promessa de Cristo fosse cumprida, os dois (o Senhor e o ladrão) teriam que morrer juntos, no mesmo instante? Ou que o Senhor precisaria morrer depois? O fato de Jesus ter morrido primeiro invalidaria a sua promessa? Por quê? Tolice pura e mais nada, passemos a próxima questão porque não temos tempo a perder.


Jesus ressuscitou ao terceiro dia, e diz que não havia subido ao Pai. Portanto, seria impossível que o termo 'hoje' fosse empregado no sentido defendido pelos católicos

Quanto a esta terceira objeção, creio que já está bem respondida nesta mesma postagem ('A morte, o Juízo Particular e o Juízo Final'). Ora, como visto ali, o tempo de Deus não é o nosso tempo e, como dissemos no seu último parágrafo, a partir da perspectiva da eternidade não existe ondem nem amanhã, mas apenas o eterno "hoje", o eterno "agora".
Aliás, é exatamente esta perspectiva que explica e torna possível uma outra questão teológica considerada das mais difíceis para a nossa razão: a existência do Inferno. Por não haver "amanhã" é que aquelas almas jamais alcançarão o perdão. Não é que sofrerão "para sempre", numa sucessão de dias e noites, sem jamais obter a misericórdia divina. É que por terem adentrado a eternidade como inimigas de Deus, por sua decisão consciente, aquelas almas permanecerão nesta mesma condição no infinito "hoje" que é a eternidade, num lugar ou realidade onde não há tempo e, por isso mesmo, para elas não haverá a esperança de um amanhã melhor. Não há tempo, não haverá amanhã.

Ao contrário, mas da mesma maneira, para os que merecerem o Céu não haverá a possibilidade de novas tentações e quedas num "amanhã" incerto. Viveremos (valha-nos Deus!) numa realidade perene de bem-aventurança sem fim, na plenitude do Amor divino.

Assim, o "ainda hoje" de Jesus Cristo demonstra com clareza que, logo após a morte física, o "bom ladrão" e Jesus estão juntos, sim, de um modo que não somos capazes de compreender a partir do intelecto meramente humano, em um nível e numa existência que agora não podemos inteligir. Após esta vida, não estaremos mais limitados pela nossa atual experiência e noção do tempo (passado, presente, futuro), mas viveremos sempre no agora sem fim.

Rezamos para que esta reposta possa ajudar, a tantos quantos queira Deus, a compreender algo de sua Glória infinita.
 
 
 
 
 
 
Fiel Catolico

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