domingo, 6 de maio de 2012

V DOMINGO DA PÁSCOA - JESUS É A VIDEIRA, NÓS SOMOS OS RAMOS



A liturgia do 5º domingo da Páscoa convida-nos a refletir sobre a nossa união a Cristo; e diz-nos que só unidos a Cristo temos acesso à vida verdadeira.
O Evangelho apresenta Jesus como “a verdadeira videira” que dá os frutos bons que Deus espera. Convida os discípulos a permanecerem unidos a Cristo, pois é d’Ele que eles recebem a vida plena. Se permanecerem em Cristo, os discípulos serão verdadeiras testemunhas no meio dos homens da vida e do amor de Deus.
 
A primeira leitura diz-nos que o cristão é membro de um corpo – o Corpo de Cristo. A sua vocação é seguir Cristo, integrado numa família de irmãos que partilha a mesma fé, percorrendo em conjunto o caminho do amor. É no diálogo e na partilha com os irmãos que a nossa fé nasce, cresce e amadurece e é na comunidade, unida por laços de amor e de fraternidade, que a nossa vocação se realiza plenamente.
 
A segunda leitura define o ser cristão como “acreditar em Jesus” e“amar-nos uns aos outros como Ele nos amou”. São esses os “frutos” que Deus espera de todos aqueles que estão unidos a Cristo, a “verdadeira videira”. Se praticarmos as obras do amor, temos a certeza de que estamos unidos a Cristo e que a vida de Cristo circula em nós.
 
1ª leitura – At. 9,26-31 - AMBIENTE
A secção de At. 9,1-31 é dedicada a um acontecimento muito importante na história do cristianismo: a vocação/conversão de Paulo. Tal facto é o ponto de partida para o caminho que o cristianismo vai percorrer, desde os limites geográficos do mundo judaico, até ao coração do mundo greco-romano.
A primeira parte da secção (cf. At. 9,1-9) apresenta os acontecimentos do “caminho de Damasco” e o decisivo encontro de Paulo com Jesus ressuscitado; a segunda (cf. At. 9,10-19a) descreve o encontro de Paulo com a comunidade cristã de Damasco; a terceira (cf. At. 9,19b-25) fala da atividade apostólica de Paulo em Damasco; e, finalmente, a quarta (cf. At. 9,26-30) mostra a forma como Paulo, depois de deixar Damasco, foi recebido pelos cristãos de Jerusalém.
 
A maior parte dos autores pensa que a conversão de Paulo aconteceu por volta do ano 36. Depois da sua conversão, Paulo ficou três anos em Damasco, colaborando com a comunidade cristã dessa cidade. Após esse tempo, a oposição dos judeus forçou Paulo a abandonar a cidade. Uma vez que as portas da cidade estavam guardadas, os cristãos desceram Paulo pelas muralhas abaixo, dentro de um cesto (cf. At. 9,23-25). Depois, Paulo dirigiu-se para Jerusalém. A chegada de Paulo a Jerusalém deve ter acontecido por volta do ano 39 (cf. Gl. 1,18).
 
O texto que nos é proposto é a quarta parte desta secção dedicada a Paulo e refere-se à estadia de Paulo em Jerusalém, depois de ter abandonado Damasco (inclui, além disso, num versículo final, um breve sumário da vida da Igreja: é um dos tantos sumários típicos de Lucas, através dos quais ele faz um balanço da situação e prepara os temas que vai tratar nas secções seguintes).
 
MENSAGEM
A narração de Lucas mistura elementos de caráter histórico com outros elementos de caráter teológico. Para simplificar a apresentação, vamos apontar as coordenadas principais da catequese apresentada por Lucas em vários pontos:
1. A desconfiança da comunidade cristã de Jerusalém em relação a Paulo (“todos o temiam, por não acreditarem que fosse discípulo” – v. 26) é um dado verosímil e que é, muito provavelmente, histórico. Mostra-nos o quadro de uma comunidade cristã que tem alguma dificuldade em lidar com o risco, que antes quer esconder-se atrás de procedimentos prudentes e perder oportunidades, do que aceitar os desafios de Deus. No entanto, como o exemplo de Paulo comprova, a capacidade para correr riscos e para acolher a novidade de Deus é, muitas vezes, uma fonte de enriquecimento para a comunidade.
2. O esforço de Paulo em integrar-se (“chegou a Jerusalém e procurava juntar-se aos discípulos” – v. 26) mostra a importância que ele dava ao viver em comunidade, à partilha da fé com os irmãos. O cristianismo não é apenas um encontro pessoal com Jesus Cristo; mas é também uma experiência de partilha da fé e do amor com os irmãos que aderiram ao mesmo projeto e que são membros da grande família de Jesus. É só no diálogo e na partilha comunitária que a experiência da fé faz sentido.
3. O papel de Barnabé na integração de Paulo é muito significativo: ele não só acredita em Paulo, como consegue que o resto da comunidade cristã o aceite (v. 27a). Mostra-nos o papel que cada cristão pode ter na integração comunitária dos irmãos; e mostra, sobretudo, que é tarefa de cada crente questionar a sua comunidade e ajudá-la a descobrir os desafios de Deus.
4. Outro elemento sublinhado por Lucas é o entusiasmo com que Paulo dá testemunho de Jesus e a coragem com que ele enfrenta as dificuldades e oposições (vs. 27b-28). Trata-se, aliás, de uma atitude que vai caracterizar toda a vida apostólica de Paulo. O apóstolo está consciente de que foi chamado por Jesus, que recebeu de Jesus a missão de anunciar a salvação a todos os homens; por isso, nada nem ninguém será capaz de arrefecer o seu zelo no anúncio do Evangelho.
5. A pregação cristã suscita, naturalmente, o conflito com os poderes de morte e de opressão, interessados em perpetuar os mecanismos de escravidão. A fidelidade ao Evangelho e a Jesus provoca sempre a oposição do mundo (v. 29). O caminho do discípulo de Jesus é sempre um caminho marcado pela cruz (não é, no entanto, um caminho de morte, mas de vida).
6. O sumário final (v. 31) recorda um elemento que está sempre presente no horizonte da catequese de Lucas: é o Espírito Santo que conduz a Igreja na sua marcha pela história. É o Espírito que lhe dá estabilidade (“como um edifício”), que lhe alimenta o dinamismo (“caminhava no temor do Senhor”) e que a faz crescer (“ia aumentando”). A certeza da presença e da assistência do Espírito Santo deve fundamentar a nossa esperança.
 
ATUALIZAÇÃO
• O cristão não é um ser isolado, mas uma pessoa que é membro de um corpo – o corpo de Cristo. A sua vocação é seguir Cristo, integrado numa família de irmãos que partilha a mesma fé, percorrendo em conjunto o caminho do amor. Por isso, a vivência da fé é sempre uma experiência comunitária. É no diálogo e na partilha com os irmãos que a nossa fé nasce, cresce e amadurece e é na comunidade, unida por laços de amor e de fraternidade, que a nossa vocação se realiza plenamente. A comunidade, contudo, é constituída por pessoas, vivendo numa situação de fragilidade e de debilidade… Por isso, a experiência de caminhada em comunidade pode ser marcada por tensões, por conflitos, por divergências; mas essa experiência não pode servir de pretexto para abandonar a comunidade e para passar a agir isoladamente.
 
• A dificuldade da comunidade de Jerusalém em acolher Paulo (e que é compreensível, do ponto de vista humano) pode fazer-nos pensar nesses esquemas de fechamento, de preconceito, de instalação, que às vezes caracterizam a vida das nossas comunidades cristãs e que as impedem de acolher os desafios de Deus. Uma comunidade fechada, com medo de arriscar, é uma comunidade instalada no comodismo e na mediocridade, com dificuldade em responder aos desafios proféticos e em descobrir os caminhos nos quais Deus se revela. Há, neste texto, um convite a abrirmos permanentemente o nosso coração e a nossa mente à novidade de Deus. Como é a nossa comunidade? É uma comunidade fechada, instalada, cheia de preconceitos, criadora de exclusão, ou é uma comunidade aberta, fraterna, solidária, disposta a acolher?
 
• Barnabé é o homem que questiona os preconceitos e o fechamento da comunidade, convidando-a a ser mais fraterna, mais acolhedora, mais “cristã”.Faz-nos pensar no papel que Deus reserva a cada um de nós, no sentido de ajudarmos a nossa comunidade a crescer, a sair de si própria, a viver com mais coerência o seu compromisso com Jesus Cristo e com o Evangelho. Nenhum membro da comunidade é detentor de verdades absolutas; mas todos os membros da comunidade devem sentir-se responsáveis para que a comunidade dê, no meio do mundo, um verdadeiro testemunho de Jesus e do seu projeto de salvação.
 
• O encontro com Jesus ressuscitado no “caminho de Damasco” constituiu, para Paulo, um momento decisivo. A partir desse encontro, Paulo tornou-se o arauto entusiasta e imparável do projeto libertador de Jesus. A perseguição dos judeus, a oposição das autoridades, a indiferença dos não crentes, a incompreensão dos irmãos na fé, os perigos dos caminhos, as incomodidades das viagens, não conseguiram desencorajá-lo e desarmar o seu testemunho. O exemplo de Paulo recorda-nos que ser cristão é dar testemunho de Jesus e do Evangelho. A experiência que fazemos de Jesus e do seu projeto libertador não pode ser calada ou guardada apenas para nós; mas tem de se tornar um anúncio libertador que, através de nós, chega a todos os nossos irmãos.
 
• A Igreja é uma comunidade formada por homens e mulheres e, portanto, marcada pela debilidade e fragilidade; mas é, sobretudo, uma comunidade que marcha pela história assistida, animada e conduzida pelo Espírito Santo. O“caminho” que percorremos como Igreja pode ter avanços e recuos, infidelidades e vicissitudes várias; mas é um caminho que conduz a Deus, à realização plena do homem, à vida definitiva. A presença do Espírito dirigindo a caminhada dá-nos essa garantia.
 
2 leitura – 1Jo 3,18-24 - AMBIENTE
Já vimos, nos domingos anteriores, que a Primeira Carta de João é um escrito polêmico surgido nas Igrejas joânicas da Ásia Menor, destinado a intervir na controvérsia levantada por certas seitas heréticas pré-gnósticas a propósito de pontos fundamentais da teologia cristã (nomeadamente, a propósito da encarnação de Cristo e de alguns elementos essenciais da moral cristã). Nesse contexto, o autor da Carta procura fornecer aos cristãos (algo confusos diante das proposições heréticas) uma espécie de síntese da vida cristã autêntica.
 
Uma questão essencial abordada na Primeira Carta de João é a questão do amor ao próximo. Os hereges pré-gnósticos, cujas doutrinas este escrito denuncia, afirmavam que o essencial da fé residia na vida de comunhão com Deus; mas, ocupados a olhar para o céu, negligenciavam o amor ao próximo (cf. 1Jo 2,9). A sua experiência religiosa era uma experiência voltada para o céu, mas alienada das realidades do mundo. Ora, de acordo com o autor da Primeira Carta de João, o amor ao próximo é uma exigência central da experiência cristã. A essência de Deus é amor; e ninguém pode dizer que está em comunhão com Ele se não se deixou contagiar e embeber pelo amor. Jesus demonstrou isso mesmo ao amar os homens até ao extremo de dar a vida por eles, na cruz; e exigiu que os seus discípulos O seguissem no caminho do amor e do dom da vida aos irmãos (cf. 1Jo 3,16). Em última análise, é o amor aos irmãos que decide o acesso à vida: só quem ama alcança a vida verdadeira e eterna (cf. 1Jo 3,13-15). A realização plena do homem depende da sua capacidade de amar os irmãos.
 
MENSAGEM
No versículo que antecede o texto que nos é hoje proposto como segunda leitura (um versículo que a liturgia deste domingo não apresenta), o autor da Carta coloca aos crentes uma questão muito concreta: “se alguém possuir bens deste mundo e, vendo o seu irmão com necessidade, lhe fechar o seu coração, como é que o amor de Deus pode permanecer nele?” (1Jo 3,17). E, logo de seguida, o nosso “catequista” conclui (e é aqui que começa o nosso texto): o amor aos irmãos não é algo que se manifesta em declarações solenes de boas intenções, mas em gestos concretos de partilha e de serviço. É com atitudes concretas em favor dos irmãos que se revela a autenticidade da vivência cristã e se dá testemunho do projeto salvador de Deus (v. 18).
 
Quando, efetivamente, deixamos que o amor conduza a nossa vida, podemos estar seguros de que estamos no caminho da verdade; quando temos o coração aberto ao amor, ao serviço e à partilha, podemos estar tranqüilos porque estamos em comunhão com Deus. Na verdade, a nossa consciência pode acusar-nos dos erros passados e reprovar algumas das nossas opções; mas, se amarmos, sabemos que estamos perto de Deus, pois Deus é amor (v. 19). O amor autêntico liberta-nos de todas as dúvidas e inquietações, pois dá-nos a certeza de que estamos no caminho de Deus; e se Deus “é maior do que o nosso coração e conhece tudo” (v. 20), nada temos a recear. Viver no amor é viver em Deus e estar entregue à bondade e à misericórdia de Deus.
Com a consciência em paz, e sabendo que Deus nos aceita e nos ama (porque nós aceitamos o amor e vivemos no amor), podemos dirigir-Lhe a nossa oração com a certeza de que Ele nos escuta. Deus atende a oração daquele que cumpre os seus mandamentos (v. 21-22).
 
Os dois versículos finais apenas recapitulam e resumem tudo o que atrás ficou dito… A exigência fundamental do caminho cristão é “acreditar em Jesus” e amar os irmãos (v. 23). “Acreditar” deve ser aqui entendido no sentido de aderir à sua proposta e segui-l’O; ora, seguir Jesus é fazer da vida um dom total de amor aos irmãos. “Acreditar em Jesus” e cumprir o mandamento do amor são a mesma e única questão.
Quem guarda os mandamentos (especialmente o mandamento do amor, que tudo resume) vive em comunhão com Deus e já possui algo da natureza divina (o Espírito). É o Espírito de Deus que dá ao crente a possibilidade de produzir obras de amor (v. 24).
 
ATUALIZAÇÃO
• Na perspectiva do autor do texto que nos é hoje proposto como segunda leitura, ser cristão é “acreditar em Jesus” e “amar-nos uns aos outros como Ele nos amou”. Jesus “passou pelo mundo fazendo o bem” (At. 10,38), testemunhou o amor de Deus aos pobres e excluídos, foi ao encontro dos pecadores e sentou-Se à mesa com eles (cf. Lc. 5,29-30; 19,5-7), lavou os pés aos discípulos (cf. Jo 13,1-17), assegurou a todos que “o Filho do Homem não veio para ser servido mas para servir e dar a sua vida” (Mt. 20,28), deixou-Se matar para nos ensinar o amor total, morreu na cruz pedindo ao Pai perdão para os seus assassinos (cf. Lc. 23,34)… Quem adere a Jesus e à sua proposta de vida, não pode escolher um outro caminho; o caminho do cristão só pode ser o caminho do amor total, do dom da própria vida, do serviço simples e humilde aos irmãos ao jeito de Jesus. O amor aos irmãos é o distintivo dos seguidores de Jesus.
 
• O autor da carta observa ainda que o amor não se vive com “conversa fiada”, mas com ações concretas em favor dos irmãos. Não chega condenar a guerra, mas é preciso ser construtor da paz; não chega fazer discursos sobre justiça social, mas é preciso realizar gestos autênticos de partilha; não chega assinar petições para defender os direitos dos explorados, mas é preciso lutar objetivamente contra as leis e sistemas que geram exploração; não chega fazer discursos contra as leis que restringem a imigração, mas é preciso acolher os irmãos estrangeiros que vêm ao nosso encontro à procura de uma vida melhor; não chega dizer mal de toda a gente que trabalha na nossa paróquia, mas é preciso um empenho sério na construção de uma comunidade cristã que dê cada vez mais testemunho do amor de Jesus…
 
• Às vezes sentimo-nos frágeis e pecadores e, apesar do nosso esforço e da nossa vontade em acertar, sentimo-nos indignos e longe de Deus. Como é que sabemos se estamos no caminho certo? Qual é o critério para avaliarmos a força da nossa relação e da nossa proximidade com Deus? A vida de uma árvore vê-se pelos frutos… Se realizamos obras de amor, se os nossos gestos de bondade e de solidariedade transmitem alegria e esperança, se a nossa ação torna o mundo um pouco melhor, é porque estamos em comunhão com Deus e a vida de Deus circula em nós. Se a vida de Deus está em nós, ela manifesta-se, inevitavelmente, nos nossos gestos.
 
• Muitas vezes somos testemunhas de espantosos gestos proféticos realizados por pessoas que fizeram opções religiosas diferentes das nossas ou até por parte de pessoas que assumem uma aparente atitude de indiferença face a Deus… No entanto, não tenhamos dúvidas: onde há amor, aí está Deus. O Espírito de Deus está presente até fora das fronteiras da Igreja e atua no coração de todos os homens de boa vontade. De resto, certos testemunhos de amor e de solidariedade que vemos surgir nos mais variados quadrantes constituem uma poderosa interpelação aos crentes, convidando-os a uma maior fidelidade a Jesus e ao seu projeto.
 
Evangelho – Jo 15,1-8 - AMBIENTE
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo, segundo João - Naquele tempo, 1Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o agricultor. Todo ramo que não der fruto em mim, ele o cortará; 2e podará todo o que der fruto, para que produza mais fruto. 3Vós já estais puros pela palavra que vos tenho anunciado. 4Permanecei em mim e eu permanecerei em vós. O ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira. Assim também vós: não podeis tampouco dar fruto, se não permanecerdes em mim. 5Eu sou a videira; vós, os ramos. Quem permanecer em mim e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer. 6Se alguém não permanecer em mim será lançado fora, como o ramo. Ele secará e hão de ajuntá-lo e lançá-lo ao fogo, e queimar-se-á. 7Se permanecerdes em mim, e as minhas palavras permanecerem em vós, pedireis tudo o que quiserdes e vos será feito. 8Nisto é glorificado meu Pai, para que deis muito fruto e vos torneis meus discípulos. - Palavra da salvação.
 
O Evangelho do 5º domingo da Páscoa situa-nos em Jerusalém, numa noite de quinta-feira, um dia antes da festa da Páscoa do ano 30. Jesus está reunido com os seus discípulos à volta de uma mesa, numa ceia de despedida. Ele está consciente de que os dirigentes judaicos decidiram dar-Lhe a morte e que a cruz está no seu horizonte próximo.
 
Os gestos e as palavras de Jesus, neste contexto, representam as suas últimas indicações, o seu “testamento”. Os discípulos recebem aqui as coordenadas para poderem continuar no mundo a missão de Jesus. Nasce, assim, a comunidade da Nova Aliança, alicerçada no serviço (cf. Jo 13,1-17) e no amor (cf. Jo 13,33-35), que pratica as obras de Jesus animada pelo Espírito Santo (cf. Jo 14,15-26). O “discurso de despedida” de Jesus vai de 13,1 a 17,26.
O texto que a liturgia deste domingo nos propõe apresenta-nos uma instrução de Jesus sobre a identidade e a situação da comunidade dos discípulos no meio do mundo.
 
MENSAGEM
Para definir a situação dos discípulos face a Jesus e face ao mundo, Jesus usa a sugestiva metáfora da videira, dos ramos e dos frutos… É uma imagem com profundas conotações vétero-testamentárias e com um significado especial no universo religioso judaico.
 
No Antigo Testamento (e de forma especial na mensagem profética), a“videira” e a “vinha” eram símbolos do Povo de Deus. Israel era apresentado como uma “videira” que Jahwéh arrancou do Egito, que transplantou para a Terra Prometida e da qual cuidou sempre com amor (cf. Sl. 80,9.15); era também apresentado como “a vinha”, que Deus plantou com cepas escolhidas, que Ele cuidou e da qual esperava frutos abundantes, mas que só produziu frutos amargos e impróprios (cf. Is. 5,1.7; Jr. 2,21; Ez. 17,5-10; 19,10-12; Os. 10,1). A antiga “videira”ou “vinha” de Jahwéh revelou-se como uma verdadeira desilusão. Israel nunca produziu os frutos que Deus esperava.
 
Agora, Jesus apresenta-Se como a verdadeira “videira” plantada por Deus (v. 1). É Jesus que irá produzir os frutos que Deus espera. E, de Jesus, a verdadeira “videira”, irá nascer um novo Povo de Deus. Hoje, como ontem, Deus continua a ser o agricultor que escolhe as cepas, que as planta e que cuida da sua vinha.
Qual é o lugar e o papel dos discípulos de Jesus, neste contexto? Os discípulos são os “ramos” que estão unidos à “videira” (Jesus) e que dela recebem vida. Estes “ramos”, no entanto, não têm vida própria e não podem produzir frutos por si próprios; necessitam da seiva que lhes é comunicada por Jesus. Por isso, são convidados a permanecer em Jesus (v. 4). O verbo permanecer (“ménô”) é a palavra-chave do nosso texto (do v. 4 ao v. 8, aparece sete vezes). Expressa a confirmação ou renovação de uma atitude já anteriormente assumida. Supõe que o discípulo tenha já aderido anteriormente a Jesus e que essa adesão adquira agora estatuto de solidez, de estabilidade, de constância, de continuidade. É um convite a que o discípulo mantenha a sua adesão a Jesus, a sua identificação com Ele, a sua comunhão com ele… Se o discípulo mantiver a sua adesão, Jesus, por sua vez, permanece no discípulo –isto é, continuará fielmente a oferecer ao discípulo a sua vida.
 
O que é, para o discípulo, estar unido a Jesus? Em Jo 6,56 Jesus avisou:“Quem realmente come a minha carne e bebe o meu sangue permanece em Mim e Eu nele”… A “carne” de Jesus é a sua vida; o “sangue” de Jesus é a sua entrega por amor até à morte; assim, “comer a carne e beber o sangue” de Jesus é assimilar a existência de Jesus, feita serviço e entrega por amor, até ao dom total de si mesmo. Está unido a Jesus e permanece n’Ele quem acolhe no coração essa proposta de vida e se compromete com uma existência feita entrega a Deus e aos irmãos, até à doação completa da vida por amor. A união com Jesus não é, no entanto, algo automático, que de forma automática atingiu o homem e que foi adquirida de uma vez e para sempre; mas é algo que depende da decisão livre e consciente do discípulo – uma decisão que tem de ser, aliás, continuamente renovada (v. 4).
 
Para os discípulos (“os ramos”), interromper a relação com Jesus significa cortar a relação com a fonte de vida e condenar-se à esterilidade. Quem se recusa a acolher essa vida que Jesus propõe e prefere conduzir a sua existência por caminhos de egoísmo, de auto-suficiência, de fechamento, é um ramo seco que não responde à vida que recebe da “videira”. Não produz frutos de amor, mas frutos de morte.
 
Ora, a comunidade de Jesus (os “ramos”) não pode condenar-se à esterilidade. A sua missão é dar frutos. Por isso, o “agricultor” (Deus) actua no sentido de que o “ramo” (o discípulo) se identifique cada vez mais com a“videira” (Jesus Cristo) e produza frutos de amor, de doação, de serviço, de libertação dos irmãos. A acção de Deus vai no sentido de “limpar” o “ramo” a fim de que ele dê mais fruto. “Limpar” significa chamá-lo a um processo de conversão contínua que o leve a recusar caminhos de egoísmo e de fechamento, para se abrir ao amor. Dito de outra forma: a limpeza dos “ramos” faz-se através de uma adesão cada vez mais fiel a Jesus e à sua proposta de amor (v. 2b). Os discípulos de Jesus estão “limpos” (v. 3), pois aderiram a Jesus, são a cada instante confrontados com a sua proposta de vida e respondem positivamente ao desafio que lhes é feito.
 
Se, apesar do esforço de Deus e do seu contínuo chamamento à conversão, o “ramo” se obstina em não produzir frutos condizentes com a vida que lhe é comunicada, ficará à margem da comunidade de Jesus, da comunidade da salvação. É um “ramo” que não pertence a essa “videira” (v. 2a).
 
ATUALIZAÇÃO
• Jesus é “a verdadeira videira”, de onde brotam os frutos da justiça, do amor, da verdade e da paz; é n’Ele e nas suas propostas que os homens podem encontrar a vida verdadeira. Muitas vezes os homens, seguindo lógicas humanas, buscam a verdadeira vida noutras “árvores”; mas, com frequência, essas“árvores” só produzem insatisfação, frustração, egoísmo e morte… João garante-nos: na nossa busca de uma vida com sentido, é para Cristo que devemos olhar. Temos consciência de que é em Cristo que podemos encontrar uma proposta de vida autêntica? Ele é, para nós, a verdadeira “árvore da vida”, ou preferimos trilhar caminhos de auto-suficiência e colocamos a nossa confiança e a nossa esperança noutras “árvores”?
 
• Hoje, Jesus, “a verdadeira videira”, continua a oferecer ao mundo e aos homens os seus frutos; e fá-lo através dos seus discípulos. A missão da comunidade de Jesus, que hoje caminha pela história, é produzir esses mesmos frutos de justiça, de amor, de verdade e de paz que Jesus produziu. Trata-se de uma tremenda responsabilidade que nos é confiada, a nós, os seguidores de Jesus. Jesus não criou um gueto fechado onde os seus discípulos podem viver tranquilamente sem “incomodarem” os outros homens; mas criou uma comunidade viva e dinâmica, que tem como missão testemunhar em gestos concretos o amor e a salvação de Deus. Se os nossos gestos não derramam amor sobre os irmãos que caminham ao nosso lado, se não lutamos pela justiça, pelos direitos e pela dignidade dos outros homens e mulheres, se não construímos a paz e não somos arautos da reconciliação, se não defendemos a verdade, estamos a trair Jesus e a missão que Ele nos confiou. A vida de Jesus tem de transparecer nos nossos gestos e, a partir de nós, atingir o mundo e os homens.
 
• No entanto, o discípulo só pode produzir bons frutos se permanecer unido a Jesus. No dia do nosso batismo, optamos por Jesus e assumimos o compromisso de O seguir no caminho do amor e da entrega; quando celebramos a eucaristia, acolhemos e assimilamos a vida de Jesus – vida partilhada com os homens, feita entrega e doação total por amor, até à morte. O cristão tem em Jesus a sua referência, identifica-se com Ele, vive em comunhão com Ele, segue-O a cada instante no amor a Deus e na entrega aos irmãos. O cristão vive de Cristo, vive com Cristo e vive para Cristo.
 
• O que é que pode interromper a nossa união com Cristo e tornar-nos ramos secos e estéreis? Tudo aquilo que nos impede de responder positivamente ao desafio de Jesus no sentido do O seguir provoca em nós esterilidade e privação de vida… Quando conduzimos a nossa vida por caminhos de egoísmo, de ódio, de injustiça, estamos a dizer não a Jesus e a renunciar a essa vida verdadeira que Ele nos oferece; quando nos fechamos em esquemas de auto-suficiência, de comodismo e de instalação, estamos a recusar o convite de Jesus e a cortar a nossa relação com a vida plena que Jesus oferece; quando para nós o dinheiro, o êxito, a moda, o poder, os aplausos, o orgulho, o amor próprio, são mais importantes do que os valores de Jesus, estamos a secar essa corrente de vida eterna que deveria correr entre Jesus e nós… Para que não nos tornemos “ramos” secos, é preciso renovarmos cada dia o nosso “sim” a Jesus e às suas propostas.
 
• A comunidade cristã é o lugar privilegiado para o encontro com Cristo,“a verdadeira videira” da qual somos os “ramos”. É no âmbito da comunidade que celebramos e experimentamos – no batismo, na eucaristia, na reconciliação – a vida nova que brota de Cristo. A comunidade cristã é o Corpo de Cristo; e um membro amputado do Corpo é um membro condenado à morte… Por vezes, a comunidade cristã, com as suas misérias, fragilidades e incompreensões, decepciona-nos e magoa-nos; por vezes sentimos que a comunidade segue caminhos onde não nos revemos… Sentimos, então, a tentação de nos afastarmos e de vivermos a nossa relação com Cristo à margem da comunidade. Contudo, não é possível continuar unido a Cristo e a receber vida de Cristo, em ruptura com os nossos irmãos na fé.
 
• O que são os “ramos secos”? São, evidentemente, aqueles discípulos que um dia se comprometeram com Cristo, mas depois desistiram de O seguir… Mas os“ramos secos” podem também ser aquelas pequenas misérias e fragilidades que existem na vida de cada um de nós. Atenção: é preciso “limpar” esses pequenos obstáculos que impedem que a vida de Cristo circule abundantemente em nós. Chama-se a isso “conversão”.
 
• Como podemos “limpar” os “ramos secos”? Fundamentalmente, confrontando a nossa vida com Jesus e com a sua Palavra. Precisamos de escutar a Palavra de Jesus, de a meditar, de confrontar a nossa vida com ela… Então, por contraste, vão tornar-se nítidas as nossas opções erradas, os valores falsos e essas mil e uma pequenas infidelidades que nos impedem de ter acesso pleno à vida que Jesus oferece.
 
 
 
 
 
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho

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