segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

PECADO IMPERDOÁVEL - PARTE I I


na edição anterior, mostramos como Santo Tomás especifica em que consistem os seis pecados contra o Espírito Santo. Falta explicar como se conciliam as duas afirmações, aparentemente contraditórias, do Evangelho de São Mateus (12, 31-32), segundo o qual “todo pecado e blasfêmia será perdoado aos homens, porém a blasfêmia contra o Espírito Santo não será perdoada. E todo aquele que disser uma palavra contra o Filho do homem [Jesus Cristo], lhe será perdoado; porém o que a disser contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste século nem no futuro”.

Então, como fica: todo pecado pode ser perdoado, mas a blasfêmia contra o Espírito Santo não será perdoada?

A explicação de Santo Tomás é longa e exaustiva, além de muito clara, mas exige uma certa familiaridade com a linguagem teológica, à qual o leitor comum pode não estar habituado. Assim, procuraremos destacar alguns traços que permitam a uma pessoa de cultura média compreender a argumentação.

Blasfêmias contra a Santíssima Trindade

“Outros dizem — explica Santo Tomás — que o pecado ou blasfêmia contra o Espírito Santo se dá quando se peca contra o bem, que se atribui ao Espírito Santo; pois a bondade se atribui a Ele, como o poder se atribui ao Pai e a sabedoria ao Filho. E acrescentam que, quando se peca por debilidade, se peca contra o Pai; se por ignorância, contra o Filho; e contra o Espírito Santo quando se peca por malícia certa” (Suma teológica IIª-IIæ, q.14 a.1, c). O conceito de malícia certa foi largamente explanado na primeira parte desta resposta (em maio passado), e implica num pecado cometido com perfeita adesão da vontade ao mal, não simplesmente por ignorância, fraqueza ou paixão.

Aqui já se começa a compreender que, no pecado contra o Pai (por fraqueza) ou contra o Filho (por ignorância), o pecador se deixa conduzir mais facilmente ao arrependimento, e deste ao pedido de perdão, enquanto o pecado contra o Espírito Santo (por malícia) leva à obstinação no pecado, e portanto à recusa do perdão. Não é Deus que não quer perdoar; é o pecador que não quer se arrepender e, conseqüentemente, ser perdoado!

Milagres espirituais também ocorrem...

Santo Tomás compara o pecado contra o Espírito Santo a uma doença incurável: “Uma enfermidade se diz incurável devido à natureza da doença, a qual inibe aquilo que poderia curá-la, seja porque destrói a capacidade de auto-regeneração da natureza, seja porque provoca náuseas do alimento ou do remédio. Ora, Deus pode curar este tipo de doença. Assim também o pecado contra o Espírito Santo se diz irremissível segundo a sua natureza, porquanto exclui aquelas coisas pelas quais se faz a remissão do pecado [isto é, o arrependimento e o pedido de perdão]. Porém isto não obstrui à onipotência e à misericórdia de Deus a via do perdão e da cura, pelo que, algumas vezes [aliquando], como que milagrosamente, tais impenitentes são espiritualmente curados” (Suma teológica IIª-IIæ, q.14 a.3, c.).

Assim, Deus manifesta sua onipotência misericordiosa, convertendo o pecador como que à revelia da obstinação deste... Mas Santo Tomás observa que isso se dá apenas algumas vezes, para mostrar quão raramente ocorre; como raros são também os milagres de caráter físico. No geral, prevalece a tese da irremissibilidade dos pecados contra o Espírito Santo, segundo o texto de São Mateus citado de início.

Desse modo, a aparente contradição se resolve.

A Antiguidade pagã já versava estes temas!

Platão, Sócrates e Aristóteles

Alguém poderia pensar que tais pontos da mais genuína teologia católica eram desconhecidos dos filósofos da Antiguidade. Porém, em mais de um ponto se vê que Deus foi preparando os povos pagãos para a aceitação do cristianismo.

Assim, “Aristóteles já classificava os pecadores em ignorantes (os que pecam por ignorância), incontinentes (os que pecam por paixão) e intemperantes (os que pecam por opção ou por malícia). Quem peca por ignorância ignora, embora culposamente, ser mau o que faz. Quem peca por paixão, sabe perfeitamente que o que faz é mau, mas não se apercebe momentaneamente desta malícia, ofuscado pelo ímpeto culposo da paixão. Quem peca por opção ou malícia, nem ignora nem deixa de ter consciência de que é mau o que faz; peca por cálculo, a sabendas, com premeditação e pleno conhecimento de causa; persegue o deleite do pecado, não por ter sido vencido, mas porque o escolheu” (cfr. Pedro de Tapia, Catena moralis, l.3 De vitiis et peccatis, q.11, a.3 — apud Suma Teológica de Santo Tomás de Aquino, tomo V, Introduções e Apêndices do Padre Fr. Pedro Lumbreras, O.P., Apêndice I, BAC, Madrid, 1954, p. 935).

Como se vê, a noção de malícia certa, que é o fundamento da doutrina dos pecados contra o Espírito Santo, deita raízes já na filosofia grega, que a doutrina católica incorporou em sua teologia. Sobre ela, Santo Tomás fez jorrar o lumen de sua inteligência privilegiada.

Doutrina atualíssima, no mundo moderno

São Miguel Arcanjo expulsa os anjos inféis para o inferno

Num mundo que se afastou de Deus por ignorância, movido pelas paixões ou por opção firme e decidida pelo mal (malícia certa), a pergunta do consulente levantou uma questão que vai muito além do interesse pessoal dele pela matéria. E nos proporcionou a ocasião de reavivar a noção de pecado; a qual, como dizia Pio XII, o mundo havia perdido já em seu pontificado.

Ora, a mensagem que Nossa Senhora veio trazer em Fátima, em 1917, era precisamente um alerta para essa perda da noção de pecado, com a advertência de que, se os homens não se emendassem, grandes castigos se abateriam sobre a humanidade.

Ninguém ousará dizer que, de lá para cá, a situação melhorou. Muito pelo contrário. Mas não é próprio da Providência desalentar os homens em nenhuma circunstância. Por isso, sobre as nuvens tenebrosas que pairam sobre o mundo, brilha uma luz mais brilhante que o sol: a promessa de Nossa Senhora de que, após convulsões de porte universal, haverá um grande retorno da humanidade às vias sagradas da civilização cristã e à instauração do Reino do Imaculado Coração de Maria! A humanidade entoará um grande hino de louvor ao Divino Espírito Santo, que abafará o rugido, já então evanescente, das atuais blasfêmias contra o mesmo Espírito Santo. Assim esperamos. Assim seja.



Autor: Monsenhor José Luiz
E-mail do autor: monsenhorjoseluiz@catolicismo.com.br

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