sexta-feira, 20 de outubro de 2017

O QUE FAZER QUANDO AS CONSOLAÇÕES NÃO VÊM?

Neste pequeno texto, São Pedro de Alcântara, mestre da vida interior, ensina-nos como lidar com a falta de consolações espirituais na prática da oração.
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Para aquele a quem faltarem as consolações espirituais, o remédio é que nem por isso deixe o exercício da oração acostumada, ainda que lhe pareça desenxabida e de pouco fruto, mas ponha-se na presença de Deus como réu e culpado, examine a sua consciência e olhe se porventura perdeu a graça por sua culpa, suplique ao Senhor com inteira confiança lhe perdoe e legue as riquezas inestimáveis de sua paciência e misericórdia em sofrer e perdoar a quem outra coisa não sabe senão ofendê-lo.
Desta maneira tirará proveito da sua secura, tomando ocasião para mais se humilhar, vendo o muito que peca, e para mais amar a Deus, vendo o muito que Ele lhe perdoa.
E conquanto não ache gosto nestes exercícios, não desista deles, porque não se requer que seja sempre saboroso o que há de ser proveitoso.
Ao menos isto se acha por experiência, a saber, que todas as vezes que o homem persevera na oração com um pouco de atenção e cuidado, fazendo calmamente o pouco que pode, ao cabo sai dali consolado e alegre, vendo que fez de sua parte algo do que estava em si. Muito faz, aos olhos de Deus, quem faz tudo o que pode, ainda quando pouco possa. Não olha Nosso Senhor tanto o cabedal do homem quanto à sua possibilidade e vontade. Muito dá quem deseja dar muito, quem dá tudo o que tem, quem não deixa nada para si. Não é muita coisa o durar na oração, quando muita é a consolação. O muito é, quando a devoção é pouca, ser muita a oração e muito maior a humildade, a paciência e a perseverança no bem orar.
Também é necessário nestes tempos andar com maior solicitude e cuidado do que nos outros, velando sobre a guarda de si mesmo e examinando com muita atenção os seus pensamentos, palavras e obras; porque, como então nos falte a alegria espiritual (que é o principal remo desta navegação) é mister suprir com cuidado e diligência o que falta de graça.
Quando assim te vires, hás de fazer de conta (como diz São Bernardo) que se te dormiram as sentinelas que te guardavam e que se te caíram os muros que te defendiam. E por isto toda a esperança de salvação está nas armas, pois já não te há de defender o muro, senão a espada e a destreza no pelejar. Oh! Quando é a glória da alma que desta maneira batalha, que sem escudo se defende, que sem armas peleja, sem fortaleza é forte e achando-se sozinha na batalha, toma o esforço e ânimo por companhia!
Não há maior glória no mundo do que imitar as virtudes do Salvador. E entre as suas virtudes, conta-se por mui principal o haver Ele padecido o que padeceu, sem admitir em sua alma nenhum gênero de consolo. De maneira que quem assim padecer e pelejar, tanto maior imitador de Cristo será quando mais carecer de todo gênero de consolo. E isto é beber o cálice da obediência, puro, sem mistura de outro licor. Este é o toque principal em que se prova a fineza dos amigos, se são verdadeiros ou não.



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Referências

  • Trecho retirado do livro “Tratado da Oração e da Meditação”, 4.ª ed., Petrópolis: Vozes, 2013, pp. 120s.

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