Neste pequeno texto, São Pedro de Alcântara, mestre da vida interior,
ensina-nos como lidar com a falta de consolações espirituais na prática
da oração.
Para aquele a quem faltarem as consolações espirituais, o remédio é que nem por isso deixe o exercício da oração acostumada,
ainda que lhe pareça desenxabida e de pouco fruto, mas ponha-se na
presença de Deus como réu e culpado, examine a sua consciência e olhe se
porventura perdeu a graça por sua culpa, suplique ao Senhor com inteira
confiança lhe perdoe e legue as riquezas inestimáveis de sua paciência e
misericórdia em sofrer e perdoar a quem outra coisa não sabe senão
ofendê-lo.
Desta maneira tirará proveito da sua secura, tomando ocasião para mais se humilhar, vendo o muito que peca, e para mais amar a Deus, vendo o muito que Ele lhe perdoa.
E conquanto não ache gosto nestes exercícios, não desista deles, porque não se requer que seja sempre saboroso o que há de ser proveitoso.
Ao menos isto se acha por experiência, a saber, que todas as vezes
que o homem persevera na oração com um pouco de atenção e cuidado,
fazendo calmamente o pouco que pode, ao cabo sai dali consolado e
alegre, vendo que fez de sua parte algo do que estava em si. Muito faz, aos olhos de Deus, quem faz tudo o que pode, ainda quando pouco possa. Não olha Nosso Senhor tanto o cabedal do homem quanto à sua possibilidade e vontade. Muito dá quem deseja dar muito, quem dá tudo o que tem, quem não deixa nada para si.
Não é muita coisa o durar na oração, quando muita é a consolação. O
muito é, quando a devoção é pouca, ser muita a oração e muito maior a
humildade, a paciência e a perseverança no bem orar.
Também é necessário nestes tempos andar com maior solicitude e
cuidado do que nos outros, velando sobre a guarda de si mesmo e
examinando com muita atenção os seus pensamentos, palavras e obras;
porque, como então nos falte a alegria espiritual (que é o principal
remo desta navegação) é mister suprir com cuidado e diligência o que
falta de graça.
Quando assim te vires, hás de fazer de conta (como diz São Bernardo) que se te dormiram as sentinelas que te guardavam e que se te caíram os muros que te defendiam.
E por isto toda a esperança de salvação está nas armas, pois já não te
há de defender o muro, senão a espada e a destreza no pelejar. Oh!
Quando é a glória da alma que desta maneira batalha, que sem escudo se
defende, que sem armas peleja, sem fortaleza é forte e achando-se
sozinha na batalha, toma o esforço e ânimo por companhia!
Não há maior glória no mundo do que imitar as virtudes do Salvador.
E entre as suas virtudes, conta-se por mui principal o haver Ele
padecido o que padeceu, sem admitir em sua alma nenhum gênero de
consolo. De maneira que quem assim padecer e pelejar, tanto maior imitador de Cristo será quando mais carecer de todo gênero de consolo.
E isto é beber o cálice da obediência, puro, sem mistura de outro
licor. Este é o toque principal em que se prova a fineza dos amigos, se
são verdadeiros ou não.
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