Um livro de Amalia Quevedo discute o mundo dos fantasmas, que faz tanto sucesso no cinema e na literatura.
Os
fantasmas, tão recorrentes no cinema e na literatura, não ganharam
reconhecimento filosófico. No entanto, nossa imaginação coletiva
continua fascinada pela ideia de que um morto possa retornar para nos
visitar. Amalia Quevedo, filósofa colombiana, professora universitária e
autora de livros sobre filosofia, acaba de publicar uma obra sobre o
mundo sobrenatural: Ghosts, from Pliny the Younger to Derrida.
A curiosidade sobre o que acontece
além do túmulo é tão antiga quanto a humanidade, e aparece em mitos
antigos sobre viagens ao Hades (na mitologia grega, é o deus do mundo inferior e dos mortos) ou outras versões do submundo. As aparições dos mortos são temas em obras-primas como a Divina Comédia, de Dante, e Hamlet, de Shakespeare.
Na Roma antiga, os fantasmas eram
considerados visitantes frequentes; Amalia Quevedo explica que o
fantasma de Júlio César supostamente visitou Brutus em duas noites
diferentes, “primeiro, depois que ele foi assassinado e, na noite
anterior à batalha, em que Brutus perderia a vida”.
“Ao contrário dos tempos antigos, hoje
em dia quase não pensamos nas almas”, afirma Quevedo; no passado,
“sejam temidos ou invocados, evitados ou procurados, os mortos estavam
sempre presentes na consciência das pessoas”. Agora, ela se pergunta se
“talvez não estivéssemos longe demais, eliminando nossos antepassados
de nossas vidas”.
E no Evangelho?
No lago de Genesaré, os discípulos de
Jesus veem um homem que desafia a lei da gravidade. No Cenáculo, Jesus
chegou inesperadamente, e não o viram entrar na sala.
No relato do Evangelho, Lucas fala dos
discípulos temendo que eles estivessem vendo um “espírito”, não
exatamente o equivalente a um “fantasma”. A crença de que os mortos
apareciam era um elemento da cultura popular do tempo de Jesus.
A ideia de fantasmas, diz Quevedo,
“não deixa de nos perturbar”. Relatos de visitas do além não são apenas
uma coisa de antigamente; as pessoas continuam a reivindicar que os veem
hoje. Há casos de casas mal-assombradas, visitas de almas do
purgatório, demônios, espíritos e até conversas com fantasmas. Na
literatura e nos filmes, frequentemente encontramos vampiros (seja o
Conde Drácula ou uma das inúmeras outras encarnações desta icônica
espécie de morto-vivo), e muitas outras fantasias.
Muitas culturas têm seus próprios fantasmas tradicionais; na América Latina, por exemplo, há a famosa figura de La Llorona (“A
Chorona”), uma mãe que afogou seus próprios filhos porque se apaixonou
por um homem que não os queria. A lenda diz que ela cometeu suicídio e
agora vaga pelo mundo chorando por seus filhos mortos.
Ver fantasmas tem conotações ruins,
Quevedo reconhece: “A tendência dominante hoje é associar a uma fraude,
ilusão enganosa e instabilidade mental aqueles que afirmam ver
fantasmas”.
“Ver fantasmas está associado à
insanidade, ao delírio, ao consumo de drogas e álcool, à ansiedade, à
insinuação e ao sentimento de culpa”, diz ela.
Desde o filósofo Demócrito de Abdera,
todos os materialistas negaram a existência de fantasmas; no entanto,
“os fantasmas não são o produto frívolo de uma imaginação hiperativa e
caprichosa. Eles são o resultado de um processo de luto que não foi
devidamente assimilado, ou de uma alteração de ritos de passagem deste
mundo para o próximo; eles são uma distorção da memória do falecido”,
explica Quevedo.
As aparições dos mortos são um assunto
sério e envolvem experiências subjetivamente reais. O filósofo
Schopenhauer era profético: “A crença em fantasmas é inata no homem. É
encontrada em todas as épocas e em todos os locais, e talvez nenhum ser
humano esteja totalmente livre disso”.
Mesmo em momentos céticos como o
nosso, os testemunhos de pessoas mentalmente saudáveis que afirmam ter
tido algum contato com o além continuarão a fazer perguntas.
Embora não seja estritamente uma
questão de religião ou mitologia, o assunto tem certa dimensão
religiosa, além de ser um objeto de interesse em videogames, livros,
atrações turísticas e até pesquisas universitárias; a prestigiosa
Fundação Templeton destinou cinco milhões de dólares para investigar
experiências de imortalidade e quase-morte.
Amalia Quevedo é filósofa, professora da Universidade La Sabana (Colômbia) e autora de livros sobre Foucault, Derrida e Aristoteles.
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