A liturgia do 26º domingo do tempo comum deixa claro
que Deus chama todos os homens e mulheres a empenhar-se na construção desse
mundo novo de justiça e de paz que Deus sonhou e que quer propor a todos os
homens. Diante da proposta de Deus, nós podemos assumir duas atitudes: ou dizer
“sim” a Deus e colaborar com Ele, ou escolher caminhos de egoísmo, de
comodismo, de isolamento e demitirmo-nos do compromisso que Deus nos pede. A
Palavra de Deus exorta-nos a um compromisso sério e coerente com Deus – um
compromisso que signifique um empenho real e exigente na construção de um mundo
novo, de justiça, de fraternidade, de paz.
Na primeira leitura, o profeta Ezequiel convida os
israelitas exilados na Babilônia a comprometerem-se de forma séria e
consequente com Deus, sem rodeios, sem evasivas, sem subterfúgios. Cada crente
deve tomar consciência das consequências do seu compromisso com Deus e viver,
com coerência, as implicações práticas da sua adesão a Jahwéh e à Aliança.
O Evangelho diz como se concretiza o compromisso do
crente com Deus… O “sim” que Deus nos pede não é uma declaração teórica de boas
intenções, sem implicações práticas; mas é um compromisso firme, coerente,
sério e exigente com o Reino, com os seus valores, com o seguimento de Jesus
Cristo. O verdadeiro crente não é aquele que “dá boa impressão”, que finge
respeitar as regras e que tem um comportamento irrepreensível do ponto de vista
das convenções sociais; mas é aquele que cumpre na realidade da vida a vontade
de Deus.
A segunda leitura apresenta aos cristãos de Filipos
(e aos cristãos de todos os tempos e lugares) o exemplo de Cristo: apesar de
ser Filho de Deus, Cristo não afirmou com arrogância e orgulho a sua condição divina,
mas assumiu a realidade da fragilidade humana, fazendo-se servidor dos homens
para nos ensinar a suprema lição do amor, do serviço, da entrega total da vida
por amor. Os cristãos são chamados por Deus a seguir Jesus e a viver do mesmo
jeito, na entrega total ao Pai e aos seus projetos.
1ª leitura: Ez. 18,25-28 -
Ambiente
Ezequiel, o “profeta da esperança”, exerceu o seu
ministério na Babilônia no meio dos exilados judeus. O profeta fez parte dessa
primeira leva de exilados que, em 597 a.C., Nabucodonosor deportou para a
Babilônia.
A primeira fase do ministério de Ezequiel decorreu
entre 593 a.C. (data do seu chamamento à vocação profética) e 586 a.C. (data em
que Jerusalém foi conquistada uma segunda vez pelos exércitos de Nabucodonosor
e uma nova leva de exilados foi encaminhada para a Babilônia). Nesta fase, o
profeta preocupou-se em destruir as falsas esperanças dos exilados (convencidos
de que o exílio terminaria em breve e que iam poder regressar rapidamente à sua
terra) e em denunciar a multiplicação das infidelidades a Jahwéh por parte
desses membros do Povo judeu que escaparam ao primeiro exílio e que ficaram em
Jerusalém.
A segunda fase do ministério de Ezequiel
desenrolou-se a partir de 586 a.C. e prolongou-se até cerca de 570 a.C.
Instalados numa terra estrangeira, privados de Templo, de sacerdócio e de
culto, os exilados estavam desiludidos e duvidavam de Jahwéh e do compromisso
que Deus tinha assumido com o seu Povo. Nessa fase, Ezequiel procurou alimentar
a esperança dos exilados e transmitir ao Povo a certeza de que o Deus salvador
e libertador não tinha abandonado nem esquecido o seu Povo.
Até esta altura, Israel refletia a sua relação com
Deus em termos coletivos e não em termos individuais. A catequese de Israel
considerava que a Aliança tinha sido feita, não com cada israelita
individualmente, mas com toda a comunidade. Assim, as infidelidades de uns
(inclusive dos antepassados) traziam sofrimento e morte a toda a comunidade; e
a fidelidade de outros (inclusive dos antepassados) era fonte de vida e de
bênção para todos.
Os exilados liam à luz desta perspectiva teológica o
drama que tinha caído sobre eles. Consideravam que eram justos e bons, que não
tinham pecado e que estavam ali a expiar os pecados de toda a nação. Havia até
um refrão muito repetido por esta altura: “os pais comeram as uvas verdes, mas
são os dentes dos filhos que ficam embotados” (Ez. 18,2b). Parece ser uma
reprovação velada à ação de Deus que, na perspectiva da teologia da época, fez
dos exilados o bode expiatório de todas as infidelidades da nação. É justo,
isto? Está certo que os justos paguem pelos pecadores?
É a estas questões que o profeta Ezequiel vai tentar
responder.
Mensagem
Na verdade, os membros do Povo de Deus que estão
exilados na Babilônia não podem “sacudir a água do capote” e presumir de justos
e inocentes: não há justos e inocentes neste processo, uma vez que todos, sem
exceção, são responsáveis por atitudes de infidelidade a Jahwéh e de
desrespeito pelos seus mandamentos. Fará algum sentido que os exilados acusem
Jahwéh de ser injusto, depois de terem violado sistematicamente a aliança e
terem cometido tantos pecados e infidelidades (v. 25)?
Para além disso, Israel não pode continuar a
esconder-se atrás de uma responsabilidade coletiva, que implica todos, mas não
responsabiliza ninguém. Chegou a altura de cada membro do Povo de Deus se
sentir pessoalmente responsável diante de Deus pelas suas ações e pelos
compromissos assumidos no âmbito da Aliança. Cada membro do Povo de Deus tem de
descobrir que, quando fizer escolhas erradas e se obstinar nelas, sofrerá as
consequências; e que quando abandonar os caminhos de egoísmo e de pecado e
optar por Deus e pelos seus valores, encontrará a vida (vs. 26-28).
Significa isto que o pecado de um membro da
comunidade não afeta os outros irmãos, membros da mesma comunidade? É claro que
afeta. O pecado introduz sempre elementos de desequilíbrio, de desarmonia, de
egoísmo, de ruptura, que atingem todos aqueles que caminham conosco… Mas o que
Ezequiel aqui pretende sublinhar é que cada homem ou mulher tem de sentir-se
pessoalmente responsável diante de Deus pelas suas opções e pelos seus atos.
Esta superação da mentalidade coletiva, dando lugar à
responsabilidade individual, é um dos grandes progressos na história teológica de
Israel. Doravante, o Povo aprenderá a reagir em termos individuais e não em
termos de massa. Está aberto o caminho para uma Nova Aliança: uma Aliança que
não é feita genericamente com uma comunidade, mas uma Aliança pessoal e
interior, feita com cada crente.
Atualização
Antes de mais, a leitura convida-nos a tomar
consciência de que um compromisso com Deus é algo que nos implica profundamente
e que devemos sentir pessoalmente, sem rodeios, sem evasivas, sem subterfúgios.
No nosso tempo – no tempo da cultura do plástico, do “light”, do efêmero – há
alguma tendência a não assumir responsabilidades, a não absolutizar os
compromissos (no mundo do futebol e da política há até uma máxima que define a
flutuabilidade, a incoerência, a contradição em que as pessoas se movem: “o que
é verdade hoje, é mentira amanhã”). Mas, com Deus, não há meias tintas: ou se
assume, ou não se assume. Como é que eu sinto esses compromissos que assumi com
Deus no dia do meu Batismo e que ao longo da vida, nas mais diversas
circunstâncias, confirmei? Trata-se de algo que eu levo a sério e que eu aplico
coerentemente a toda a minha existência e às opções que faço, ou de algo que eu
só me lembro quando se trata de fazer uma bonita festa de casamento na igreja
ou de cumprir a tradição e batiza os filhos?
O profeta Ezequiel convida-nos também a assumir, com
verdade e coerência, a nossa responsabilidade pelos nossos gestos de egoísmo e
de auto-suficiência em relação a Deus e em relação aos irmãos. Entre nós, no
entanto, muitas vezes “a culpa morre solteira”. Há homens e mulheres que não
têm o mínimo para viver dignamente? A culpa é da conjuntura econômica
internacional… Há situações de violência extrema e de injustiça? A culpa é do
governo que não legisla nem coloca suficientes polícias nas ruas… A minha comunidade
cristã está dividida, estagnada e não testemunha suficientemente o amor de
Jesus? A culpa é do Papa, ou do bispo, ou do padre… E a minha culpa? Eu não
terei, muitas vezes, a minha quota-parte de responsabilidades em tantas
situações negativas com que, dia a dia, convivo pacificamente? Eu não
precisarei de me “converter”?
2ª leitura: Fl. 2,1-11 -
Ambiente
Filipos, cidade situada no norte da Grécia, era uma
cidade habitada majoritariamente por veteranos romanos do exército. Estava
organizada à maneira de Roma e era uma espécie de Roma em miniatura. Os seus
habitantes gozavam dos mesmos privilégios dos habitantes das cidades de Itália.
A comunidade cristã de Filipos foi fundada por Paulo
no verão de 49, no decurso da sua segunda viagem missionária. Numa das estadias
de Paulo na prisão (em Éfeso?), a comunidade enviou um dos seus membros para o
ajudar e uma generosa quantia em dinheiro para prover às necessidades do
apóstolo.
Apesar de ser uma comunidade viva, piedosa e
generosa, a comunidade cristã de Filipos não era uma comunidade perfeita. O
desprendimento, a humildade, a simplicidade, não eram valores demasiado
apreciados entre os altivos patrícios romanos que compunham a comunidade.
É neste enquadramento que podemos situar o texto que
esta leitura nos apresenta. Trata-se de um texto que, em termos literários,
apresenta duas partes. A primeira (vs. 1-5), em prosa, contém recomendações
concretas de Paulo aos Filipenses acerca dos valores que devem cultivar. A
segunda (vs. 6-11), em poesia, apresenta aos Filipenses o exemplo de Cristo
(trata-se, provavelmente, de um hino pré-paulino, recitado nas celebrações
litúrgicas cristãs e que Paulo integrou no texto da carta).
Mensagem
Na primeira parte (vs. 1-5), Paulo, em tom solene,
pede aos altivos romanos que constituem a comunidade de Filipos que não se
deixem dominar pelo orgulho, pela auto-suficiência, pela vaidade, pela ambição,
que só provocam egoísmo e divisão. Recomenda-lhes que vivam unidos, que se amem
e que sejam solidários, pois foi isso que Cristo, não só com palavras, mas com
a própria vida, ensinou aos seus discípulos. Na segunda parte (vs. 6-11), Paulo
vai referir-se, com mais pormenor, ao exemplo de Cristo. Para apresentar esse
exemplo, Paulo recorre, então, ao tal hino litúrgico, que celebrava a “Kenosis”
(“despojamento”) de Cristo e a sua exaltação.
Cristo Jesus – nomeado no princípio, no meio e no fim
– constitui o motivo do hino. Dado que os Filipenses são cristãos, quer dizer,
dado que Cristo é o protótipo a cuja imagem está configurada, têm a iniludível
obrigação de comportar-se como Cristo. Como é o exemplo de Cristo?
O hino começa por aludir subtilmente ao contraste
entre Adão (o homem que reivindicou ser como Deus e lhe desobedeceu – cf. Gn.
3,5.22) e Cristo (o Homem Novo que, ao orgulho e revolta de Adão responde com a
humildade e a obediência ao Pai). A atitude de Adão trouxe fracasso e morte; a
atitude de Jesus trouxe exaltação e vida.
Em traços precisos, o hino define o “despojamento” (“kenosis”)
de Cristo: Ele não afirmou com arrogância e orgulho a sua condição divina, mas
aceitou fazer-Se homem, assumindo com humildade a condição humana, para servir,
para dar a vida, para revelar totalmente aos homens o ser e o amor do Pai. Não
deixou de ser Deus; mas aceitou descer até aos homens, fazer-Se servidor dos
homens, para garantir vida nova para os homens. Esse “abaixamento” assumiu
mesmo foros de escândalo: Ele aceitou uma morte infamante – a morte de cruz –
para nos ensinar a suprema lição do serviço, do amor radical, da entrega total
da vida.
No entanto, essa entrega completa ao plano do Pai não
foi uma perda nem um fracasso: a obediência e entrega de Cristo aos projetos do
Pai resultaram em ressurreição e glória. Em consequência da sua obediência, do
seu amor, da sua entrega, Deus fez d’Ele o “Kyrios” (“Senhor” – nome
que, no Antigo Testamento, substituía o nome impronunciável de Deus); e a
humanidade inteira (“os céus, a terra e os infernos”) reconhece Jesus como “o
senhor” que reina sobre toda a terra e que preside à história.
É óbvio o apelo à humildade, ao desprendimento, ao
dom da vida que Paulo faz aos Filipenses e a todos os crentes: o cristão deve
ter como exemplo esse Cristo, servo sofredor e humilde, que fez da sua vida um
dom a todos; esse caminho não levará ao aniquilamento, mas à glorificação, à
vida plena.
Atualização
Os valores que marcaram a existência de Cristo
continuam a não ser demasiado apreciados em muitos dos nossos ambientes
contemporâneos. De acordo com os critérios que presidem ao nosso mundo, os
grandes “ganhadores” não são os que põem a sua vida ao serviço dos outros, com
humildade e simplicidade, mas são os que enfrentam o mundo com agressividade,
com auto-suficiência e fazem por ser os melhores, mesmo que isso signifique não
olhar a meios para passar à frente dos outros. Como pode um cristão (obrigado a
viver inserido neste mundo e a ser competitivo) conviver com estes valores?
Paulo tem consciência de que está a pedir aos seus
cristãos algo realmente difícil; mas é algo que é fundamental, à luz do exemplo
de Cristo. Também a nós é pedido um passo em frente neste difícil caminho da
humildade, do serviço, do amor: será possível que, também aqui, sejamos as
testemunhas da lógica de Deus?
Evangelho: Mt. 21,28-32
Aleluia, aleluia, aleluia.
Minhas ovelhas escutam a minha voz, minha voz estão elas a escutar; eu conheço, então, minhas ovelhas, que me seguem, comigo a caminhar! (Jo 10,27)
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas.
21 28 Disse Jesus: "Que vos parece? Um homem tinha dois filhos. Dirigindo-se ao primeiro, disse-lhe: ‘Meu filho, vai trabalhar hoje na vinha’.
29 Respondeu ele: ‘Não quero’. Mas, em seguida, tocado de arrependimento, foi.
30 Dirigindo-se depois ao outro, disse-lhe a mesma coisa. O filho respondeu: ‘Sim, pai!’ Mas não foi.
31 Qual dos dois fez a vontade do pai?" "O primeiro", responderam-lhe. E Jesus disse-lhes: "Em verdade vos digo: os publicanos e as meretrizes vos precedem no Reino de Deus!
32 João veio a vós no caminho da justiça e não crestes nele. Os publicanos, porém, e as prostitutas creram nele. E vós, vendo isto, nem fostes tocados de arrependimento para crerdes nele".
Palavra da Salvação.
Minhas ovelhas escutam a minha voz, minha voz estão elas a escutar; eu conheço, então, minhas ovelhas, que me seguem, comigo a caminhar! (Jo 10,27)
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas.
21 28 Disse Jesus: "Que vos parece? Um homem tinha dois filhos. Dirigindo-se ao primeiro, disse-lhe: ‘Meu filho, vai trabalhar hoje na vinha’.
29 Respondeu ele: ‘Não quero’. Mas, em seguida, tocado de arrependimento, foi.
30 Dirigindo-se depois ao outro, disse-lhe a mesma coisa. O filho respondeu: ‘Sim, pai!’ Mas não foi.
31 Qual dos dois fez a vontade do pai?" "O primeiro", responderam-lhe. E Jesus disse-lhes: "Em verdade vos digo: os publicanos e as meretrizes vos precedem no Reino de Deus!
32 João veio a vós no caminho da justiça e não crestes nele. Os publicanos, porém, e as prostitutas creram nele. E vós, vendo isto, nem fostes tocados de arrependimento para crerdes nele".
Palavra da Salvação.
O texto que nos é proposto neste domingo situa-nos em
Jerusalém, na etapa final da caminhada terrena de Jesus. Pouco antes, Jesus
entrara em Jerusalém e fora recebido em triunfo pela multidão (cf. Mt.
21,1-11); no entanto, o entusiasmo inicial da cidade foi sendo substituído, aos
poucos, por uma recusa categórica em acolher Jesus e o seu projeto.
Os chefes dos sacerdotes e os anciãos do povo – os
líderes religiosos judaicos – aparecem como o motor da oposição a Jesus. Eles
não estão dispostos a reconhecer Jesus como o Messias de Deus e a aceitar que
Ele tenha um mandato de Deus para propor aos homens uma nova realidade – a
realidade do Reino. Há uma tensão no ar, que anuncia a proximidade da paixão e
da morte de Jesus.
No quadro que antecede o episódio que nos é hoje
proposto – mas que está em relação direta com ele – os líderes judeus
encontraram-se com Jesus no Templo; perguntaram-Lhe com que autoridade Ele agia
e quais eram as suas credenciais (cf. Mt. 21,23-27). Jesus respondeu-lhes
convidando-os a pronunciarem-se sobre a origem do batismo de João. Os líderes
judaicos não quiseram responder: se dissessem que João Baptista não vinha de
Deus, tinham medo da reação da multidão (que considerava João um profeta); se
admitissem que o batismo de João vinha de Deus, temiam que Jesus lhes
perguntasse porque não o aceitaram… Diante do silêncio embaraçado dos seus
interlocutores, Jesus deu-lhes a entender que não tinha uma resposta para lhes
dar, enquanto eles continuassem de coração fechado, na recusa obstinada da
novidade de Deus (anunciada por João e proposta pelo próprio Jesus).
Na sequência, Jesus vai apresentar três parábolas,
destinadas a ilustrar a recusa de Israel em acolher a proposta do Reino. Com
elas, Jesus convida os líderes da nação judaica a refletir sobre a situação de
“gueto” em que se instalaram e a reconhecerem o sem sentido das suas posições
fixistas e conservadoras. O nosso texto é a primeira dessas três parábolas.
Mensagem
A parábola dos dois filhos ilustra duas atitudes
diversas diante dos desafios e das propostas de Deus.
O primeiro filho foi convidado pelo pai a trabalhar
“na vinha”. A sua primeira resposta foi negativa: “não quero”. No contexto
familiar da Palestina do tempo de Jesus, trata-se de uma resposta totalmente
reprovável, particularmente porque uma atitude deste tipo ia contra todas as
convenções sociais… Enchia um pai de vergonha e punha em causa a sua autoridade
diante dos familiares, dos amigos, dos vizinhos. No entanto, este primeiro
filho acabou por reconsiderar e por ir trabalhar na vinha (vs. 28-29).
O segundo filho, diante do mesmo convite, respondeu:
“vou, sim, senhor”. Deu ao pai uma resposta satisfatória, que não punha em
causa a sua autoridade e a sua “honra”. Ficou bem visto diante de todos e todos
o consideraram um filho exemplar. No entanto, acabou por não ir trabalhar na
vinha (v. 30).
A questão posta, em seguida, por Jesus, é: “qual dos
dois fez a vontade do pai?” A resposta é tão óbvia que os próprios
interlocutores de Jesus não têm qualquer pejo em a dar: “o primeiro” (v. 31).
A parábola ensina que, na perspectiva de Deus, o
importante não é quem se comportou bem e não escandalizou os outros; mas, de
acordo com a lógica de Deus, o importante é cumprir, realmente, a vontade do
pai. Na perspectiva de Deus, não bastam palavras bonitas ou declarações de boas
intenções; mas é preciso uma resposta adequada e coerente aos desafios e às
propostas do Pai (Deus).
É certo que os fariseus, os sacerdotes, os anciãos do
Povo, disseram “sim” a Deus ao aceitar a Lei de Moisés… A sua atitude – como a
do filho que disse “sim” e depois não foi trabalhar para a vinha – foi
irrepreensível do ponto de vista das convenções sociais; mas, do ponto de vista
do cumprimento da vontade de Deus, a sua atitude foi uma mentira, pois
recusaram-se a acolher o convite de João à conversão. Em contrapartida, aqueles
que, de acordo com o “política e religiosamente correto” disseram “não” (por
exemplo, os cobradores de impostos e as prostitutas), cumpriram a vontade do
Pai: acolheram o convite de João à conversão e acolheram a proposta do Reino
que Jesus veio apresentar (v. 32).
Lida no contexto do ministério de Jesus, esta
parábola dava uma resposta àqueles que O acusavam de acolher os pecadores e os
marginais – isto é, aqueles que, de acordo com as “convenções”, disseram não a
Deus. Jesus deixa claro que, na perspectiva de Deus, não interessam as
convenções externas, mas a atitude interior. O que honra a Deus não é o que
cumpre ritos externos e que dá “boa impressão” às massas; mas é o que cumpre a
vontade de Deus.
Mais tarde, a comunidade de Mateus leu a mesma
parábola numa perspectiva um pouco diversa. Ela serviu para iluminar a recusa
do Evangelho por parte dos judeus e o seu acolhimento por parte dos pagãos.
Israel seria esse “filho” que aceitou trabalhar na vinha mas, na realidade, não
cumpriu a vontade do Pai; os pagãos seriam esse “filho” que, aparentemente,
esteve sempre à margem dos projetos do Pai, mas aceitou o Evangelho de Jesus e
aderiu ao Reino.
Atualização
Antes de mais, a parábola dos dois filhos chamados
para trabalhar “na vinha” do pai sugere que, na perspectiva de Deus, todos os
seus filhos são iguais e têm a mesma responsabilidade na construção do Reino.
Deus tem um projeto para o mundo e quer ver todos os seus filhos – sem
distinção de raça, de cor, de estatuto social, de formação intelectual –
implicados na concretização desse projeto. Ninguém está dispensado de colaborar
com Deus na construção de um mundo mais humano, mais justo, mais verdadeiro,
mais fraterno. Tenho consciência de que também eu sou chamado a trabalhar na
vinha de Deus?
Diante do chamamento de Deus, há dois tipos de
resposta… Há aqueles que escutam o chamamento de Deus, mas não são capazes de
vencer o imobilismo, a preguiça, o comodismo, o egoísmo, a auto-suficiência e
não vão trabalhar para a vinha (mesmo que tenham dito “sim” a Deus e tenham
sido batizados); e há aqueles que acolhem o chamamento de Deus e que lhe
respondem de forma generosa. De que lado estou eu? Estou disposto a
comprometer-me com Deus, a aceitar os seus desafios, a empenhar-me na
construção de um mundo mais bonito e mais feliz, ou prefiro demitir-me das
minhas responsabilidades e renunciar a ter um papel ativo no projeto criador e
salvador que Deus tem para os homens e para o mundo?
O que é que significa, exatamente, dizer “sim” a
Deus? É ser batizado ou crismado? É casar na igreja? É fazer parte de uma
confraria qualquer da paróquia? É fazer parte da equipa que gere a Fábrica da
Igreja? É ter feito votos num qualquer instituto religiosos? É ir todos os dias
à missa e rezar diariamente a liturgia das horas? Atenção: na parábola
apresentada por Jesus, não chega dizer um “sim” inicial a Deus; mas é preciso
que esse “sim” inicial se confirme, depois, num verdadeiro empenho na “vinha”
do Senhor. Ou seja: não bastam palavras e declarações de boas intenções; é
preciso viver, dia a dia, os valores do Evangelho, seguir Jesus nesse caminho
de amor e de entrega que Ele percorreu, construir, com gestos concretos, um
mundo de justiça, de bondade, de solidariedade, de perdão, de paz. Como me situo
face a isto: sou um cristão “de registro”, que tem o nome nos livros da
paróquia, ou sou um cristão “de fato”, que dia a dia procura acolher a novidade
de Deus, perceber os seus desafios, responder aos seus apelos e colaborar com
Ele na construção de uma nova terra, de justiça, de paz, de fraternidade, de
felicidade para todos os homens?
Nas nossas comunidades cristãs aparecem, com alguma
frequência, pessoas que sabem tudo sobre Deus, que se consideram família
privilegiada de Deus, mas que desprezam esses irmãos que não têm um
comportamento “religiosamente correto” ou que não cumprem estritamente as
regras do “bom comportamento” cristão… Atenção: não temos qualquer autoridade
para catalogar as pessoas, para as excluir e marginalizar… Na perspectiva de Deus,
o importante não é que alguém se tenha afastado ou que tenha assumido
comportamentos marginais e escandalosos; o essencial é que tenha acolhido o
chamamento de Deus e que tenha aceitado trabalhar “na vinha”. A este propósito,
Jesus diz algo de inaudito aos “santos” príncipes dos sacerdotes e anciãos do
povo: “os publicanos e as mulheres de má vida irão diante de vós para o Reino
de Deus”. Hoje, que é que isto significa? Hoje, quem são os “vós”? Hoje, quem
são os “publicanos e mulheres de má vida”?
P. Joaquim Garrido, P.
Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
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