...e o quanto eles me ajudaram a vencê-la!
Acredito que o meu maior erro no tocante à minha depressão foi teimar em dizer que eu não tinha depressão.
Meu segundo maior erro veio depois, quando finalmente reconheci que
tinha depressão, mas teimei em achar que poderia resolvê-la sozinho, só
com a força do meu pensamento e com alguns ajustes de atitude emocional e
prática.
No entanto, esses dois erros foram fundamentais para que eu pudesse
superar a minha depressão – mas só a partir do momento em que os
reconheci como erros, é claro!
É que o primeiro erro me ajudou a entender o que a depressão NÃO é.
Eu achava, assim como meio mundo ainda acha, que a depressão é uma
modalidade mais ou menos somatizada da assim chamada “frescura”. Para
mim, o sujeito deprimido ou depressivo era alguém que estaria farto de
várias coisas, insatisfeito e frustrado com uma série de fatos incômodos
relacionados com o próprio cotidiano, sobrecarregado principalmente de
pensamentos bagunçados e que, com tudo isso misturado, cairia numa
situação de cansaço e desânimo, que se resolveria com uma dose razoável
de vergonha na cara, reorganização da agenda, menos resmungamento, menos
vitimização e mais trabalho disciplinado com objetivos claros.
Precisei entender que essas medidas são importantes, sim, mas não são suficientes.
Foi assim que comecei a reconhecer o meu segundo erro e, como consequência, a compreender como NÃO resolver a depressão.
É que o segundo erro decorre, obviamente, do primeiro: se você nem
sabe o que é a depressão, é claro que não vai saber tratá-la. Você só
vai perder meses preciosos da sua vida tentando negar que tem depressão,
disfarçando que não sabe o que ela é e fingindo que vai conseguir
superá-la sozinho.
Por outro lado, entender a depressão é também entender como tratá-la.
Eu entendi que a depressão é uma doença psicossomática: ela afeta o
físico e o emocional ao mesmo tempo, e não apenas o emocional – até
porque não existe a suposta separação entre o físico e o emocional. O
ser humano é uma unidade, não um agregado de dimensões independentes e
soltas. Se a nossa psique está passando por uma “fase de tristeza”, quer
dizer que o nosso corpo também está passando por uma fase de
desequilíbrio. Não há separação.
É claro que nem toda “fase de tristeza” é depressão. Às vezes é
suficiente adotar um estilo de vida mais saudável, caminhar ao sol,
sentir o vento no rosto, desabafar, trocar ideias sobre fantasmas do
passado e do presente, acordar cedo, correr descalço na grama, rever
velhas fotos alegres de família, mergulhar no mar, definir e atingir
metas concretas, dar menos bola para o negativo e muito mais para o
positivo, lamentar menos e agradecer mais, melhorar a alimentação,
meditar, trabalhar num projeto bacana em conjunto com outras pessoas
entusiasmadas, aprender algo novo, e, com isso, as coisas vão ganhando
um novo sentido, mais vívido e vivificante. Essa parceria entre o físico
e o emocional revigora os dois.
Mas há casos em que a “fase de tristeza” é realmente um
sintoma de verdadeira doença, ligada ao desequilíbrio químico dos
neurotransmissores. É neste caso que estamos diante da depressão
clínica, da depressão como doença propriamente dita.
Por ter raiz fisiológica, a depressão clínica exige mais do que
algumas mudanças no estilo de vida: ela pede também o acompanhamento
médico adequado, desde o diagnóstico até o tratamento em si. Do mesmo
jeito que um problema cardíaco requer o diagnóstico e o tratamento junto
a um bom cardiologista, e do mesmo jeito que um problema de visão
requer o diagnóstico e o tratamento junto a um bom oftalmologista,
também a depressão clínica requer o diagnóstico e o tratamento junto a
um bom psiquiatra. Não parece muito sensato pretender curar uma artéria
entupida só com a força do pensamento, nem eliminar a miopia somente com
banhos diários de água fria.
A depressão é caracterizada pela produção inadequada dos
neurotransmissores serotonina, noradrenalina e dopamina, o que gera um
intenso abatimento e provoca desânimo, cansaço, fraqueza e falta de
iniciativa para qualquer atividade. A depressão diminui a produção de
serotonina e noradrenalina, que são responsáveis, em grande medida, pelo
equilíbrio emocional. Daí vem, por exemplo, o aumento de sensibilidade à
dor gastrointestinal, que é comum em quadros depressivos.
E, como o psíquico e o físico andam sempre juntos, o desequilíbrio no
sistema nervoso intensifica o mal-estar emocional; ao mesmo tempo, as
frustrações e as inseguranças são descarregadas no corpo e acabam sendo
sentidas por ele fisicamente, causando desde dores de cabeça até a
sensação desesperante de falta de ar. Isto quer dizer que, junto com os
transtornos fisiológicos que se refletem em mal-estar emocional, também
há transtornos emocionais que se refletem em somatizações. De novo: é um
único e mesmo processo psicossomático.
Este quadro clínico leva a um estado constante de alerta, de
ansiedade e de nervosismo, que gera tensão da musculatura, em especial
da nuca e dos ombros, mas que também aumenta a sensação de dor nas
costas e no peito, porque o cansaço próprio da depressão compromete a
postura física e isso piora as dores musculares, num círculo vicioso. Em
decorrência de toda essa corrente de efeitos consecutivos e
interligados, a liberação de hormônios também fica descontrolada,
afetando as células de defesa e interferindo na imunidade, que pode
ficar muito baixa.
A relação de interferência entre o que chamamos de “dimensão
psíquica” e o que entendemos por “dimensão física” é total e não poderia
ser diferente, já que elas formam uma unidade indissociável.
É como a unidade dos sistemas fisiológicos: o sistema respiratório
afeta o sistema digestivo, que pode interferir no sistema
cardiovascular, que tem alta dependência do sistema nervoso, que é
afetado pelo sistema endócrino, que tem plena relação com o sistema
linfático, e assim por diante. A vida de um ser humano é sistêmica: não
há compartimentos isolados; não há sistemas independentes dos outros.
Tudo afeta e é afetado por tudo.
Por isso mesmo, é perfeitamente contrário à realidade
pretender que alguma dimensão do nosso ser não tenha relação com as
outras, o que significa que não é possível tratar o corpo sem tratar a
psique, nem tratar a psique sem tratar o corpo.
Físico e psíquico são uma unidade. Entender esta unidade é crucial
para entender a depressão e começar a superá-la, já que a depressão é,
como diz a própria palavra, um “rebaixamento” dessa unidade, uma “queda
brusca” dessa unidade, um “buraco” nessa unidade.
Há quem cometa o erro de tratar apenas a parte somática (física)
deste quadro psicossomático: esses doentes esperam que os remédios
sozinhos resolvam tudo, sem precisarem fazer qualquer esforço para mudar
a sua postura emocional. E há quem cometa o erro contrário, de tratar
somente a parte psíquica deste quadro psicossomático: esses doentes
esperam que a sua postura emocional resolva tudo, sem precisarem dos
remédios que atuam sobre os neurotransmissores a fim de reequilibrá-los.
Mas se o quadro é psicossomático, ou seja, se ele atinge a dimensão
física e a dimensão emocional ao mesmo tempo, então o tratamento também
deve ser voltado tanto à dimensão física quanto à emocional, ao mesmo
tempo. Isto quer dizer que é preciso combinar um tratamento externo
adequado com uma atitude interna positiva, sem prescindir de nenhuma
dessas duas partes de um mesmo e unitário processo de reequilíbrio.
Devo dizer que este é apenas um comentário amador e pessoal.
Estou compartilhando considerações sobre o meu próprio caso e sobre
como eu fui conseguindo recuperar com bastante sucesso o meu equilíbrio
psicossomático a partir da compreensão dessa unidade indissociável entre
o que costumamos chamar de “dimensão física” e o que chamamos de
“dimensão psíquica”. Entender que elas formam uma única realidade
sistêmica foi fundamental para entender como restaurar essa unidade
sistemicamente.
Eu tendo a evitar remédios ao máximo porque os acho artificiais e,
portanto, invasivos. No entanto, há muito pouca coisa em nossa vida real
que é 100% natural no sentido de ser livre de qualquer interferência
artificial. Eu uso óculos, que não são naturais. Uso roupas, que são
artificiais. Durmo numa cama e não no chão de terra. Escovo meus dentes,
ensaboo meu corpo, lavo meu cabelo e me visto com recursos artificiais.
Moro numa casa e não numa árvore. E nenhuma dessas atitudes é
antinatural só porque recorra a artifícios construídos inteligentemente
pela racionalidade humana para melhorar a nossa qualidade de vida. O que
é natural é reconhecer e trabalhar de modo inteligente e responsável
com a miríade de ingredientes que a natureza nos oferece para
construirmos a melhor experiência de vida nesta passagem por um mundo
transitório. Antinatural (e incoerente) é renegarmos a nossa própria
natureza de seres racionais capazes de transformar positivamente os
recursos para o bem ainda maior da nossa espécie e de todo o conjunto
dos seres vivos. E isto inclui a medicina, que atende a uma das nossas
mais naturais necessidades. Não se trata de tomar remédios a esmo,
irresponsavelmente; trata-se apenas de não os rejeitar quando um
diagnóstico sério os indicou como recurso proveitoso e positivo, dentro
de um determinado tratamento, com doses ponderadas e com acompanhamento
cuidadoso.
Os medicamentos específicos que funcionaram para mim não
necessariamente vão funcionar para todos os outros (aliás, precisei
trocar de psiquiatra até acertarmos o melhor tratamento para o meu
quadro específico). Igualmente, os ajustes de postura emocional que eu
tive de fazer provavelmente não são os mesmos que outros pacientes
precisarão fazer na sua própria vida e no seu particular jeito de ser.
Portanto, não tenho (e acho que não existe) uma receita única para
tratar a depressão. Não sou psiquiatra, não sou psicólogo e não tenho
nenhuma pretensão de bancar a autoridade no assunto – até porque eu
mesmo tenho muito mais perguntas e dúvidas do que respostas e certezas
sobre essa interessantíssima doença. Interessantíssima porque a
depressão acabou aumentando a minha curiosidade e fascínio diante da
minha própria unidade sistêmica e seus desafios; uma unidade que me
deixa maravilhado e que está ampliando os meus horizontes de
autoconhecimento e autodesenvolvimento de maneira inimaginável!
Mesmo assim, eu me atrevo a afirmar, com grande segurança,
que existe algo válido para todos os que lidam com o desafio da
depressão.
Trata-se da importância radical de entender que somos uma unidade
psicossomática; que existe uma integração sistêmica inseparável entre o
que chamamos de “dimensões” biológica, fisiológica, mental, espiritual,
anímica e quaisquer outras categorizações que as diversas teorias
quiserem propor ou ousarem estabelecer. Tudo isso está interligado. E
tudo isso deve ser levado em conta num processo sistêmico e unitário de
reequilíbrio e aperfeiçoamento pessoal.
É o entendimento desta unidade o que leva a compreender que a
depressão não se cura só com recursos internos, como o pensamento e a
vontade, nem só com recursos externos, como terapias e medicamentos, mas
sim com a sistêmica e harmoniosa parceria entre todos esses recursos,
respeitando a realidade da nossa unidade psicossomática.
Talvez este seja o grande fruto positivo da experiência dura da
depressão: um nível de autoconhecimento e autodesenvolvimento muito mais
consciente da nossa própria unidade, e, portanto, um novo foco em,
literalmente, restaurar os nossos pedaços e reuni-los numa peça única,
integrada e, mesmo rachada e riscada, ainda assim bela, harmônica e
cheia de sentido!
E. Chitolina
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