A liturgia do 28º domingo do tempo comum utiliza a
imagem do “banquete” para descrever esse mundo de felicidade, de amor e de
alegria sem fim que Deus quer oferecer a todos os seus filhos. Na primeira
leitura, Isaías anuncia o “banquete” que um dia Deus, na sua própria casa, vai
oferecer a todos os Povos. Acolher o convite de Deus e participar nesse
“banquete” é aceitar viver em comunhão com Deus. Dessa comunhão resultará, para
o homem, a felicidade total, a vida em abundância.
O Evangelho sugere que é preciso “agarrar” o convite
de Deus. Os interesses e as conquistas deste mundo não podem distrair-nos dos
desafios de Deus. A opção que fizemos no dia do nosso batismo não é “conversa
fiada”; mas é um compromisso sério, que deve ser vivido de forma coerente. Na
segunda leitura, Paulo apresenta-nos um exemplo concreto de uma comunidade que
aceitou o convite do Senhor e vive na dinâmica do Reino: a comunidade cristã de
Filipos. É uma comunidade generosa e solidária, verdadeiramente empenhada na
vivência do amor e em testemunhar o Evangelho diante de todos os homens. A
comunidade de Filipos constitui, verdadeiramente, um exemplo que as comunidades
do Reino devem ter presente.
1ª leitura: Is. 25,6-10ª -
Ambiente
Leitura do livro do profeta Isaías.
25 6 O Senhor dos exércitos preparou para todos os povos, nesse monte, um banquete de carnes gordas, um festim de vinhos velhos, de carnes gordas e medulosas, de vinhos velhos purificados.
7 Nesse monte tirará o véu que vela todos os povos, a cortina que recobre todas as nações,
8 e fará desaparecer a morte para sempre. O Senhor Deus enxugará as lágrimas de todas as faces e tirará de toda a terra o opróbrio que pesa sobre o seu povo, porque o Senhor o disse.
9 Naquele dia dirão: Eis nosso Deus do qual esperamos nossa libertação. Congratulemo-nos, rejubilemo-nos por seu socorro,
10 porque a mão do Senhor repousa neste monte, enquanto que Moab é pisada no seu lugar como pisada é a palha no monturo.
Palavra do Senhor.
25 6 O Senhor dos exércitos preparou para todos os povos, nesse monte, um banquete de carnes gordas, um festim de vinhos velhos, de carnes gordas e medulosas, de vinhos velhos purificados.
7 Nesse monte tirará o véu que vela todos os povos, a cortina que recobre todas as nações,
8 e fará desaparecer a morte para sempre. O Senhor Deus enxugará as lágrimas de todas as faces e tirará de toda a terra o opróbrio que pesa sobre o seu povo, porque o Senhor o disse.
9 Naquele dia dirão: Eis nosso Deus do qual esperamos nossa libertação. Congratulemo-nos, rejubilemo-nos por seu socorro,
10 porque a mão do Senhor repousa neste monte, enquanto que Moab é pisada no seu lugar como pisada é a palha no monturo.
Palavra do Senhor.
É extremamente difícil situar, no tempo e no momento
histórico, o texto que a primeira leitura deste domingo nos apresenta. Para
uns, o oráculo pertence à fase final da vida do profeta Isaías (no final do
séc. VIII a.C.) quando, desiludido com a política e com os reis de Judá, o
profeta começou a sonhar com um tempo novo de felicidade e de paz sem fim para
o Povo de Deus. Para outros, contudo, este texto não pertenceria ao primeiro
Isaías (o autor dos capítulos 1-39 do Livro de Isaías), apesar de aparecer
integrado no seu livro. Seria um texto de uma época posterior ao profeta… A
referência à superação da morte, das lágrimas e da vergonha, poderia sugerir
que a composição deste texto se situaria num momento histórico posterior ao
Exílio na Babilônia, quando Judá já teria reconquistado a liberdade. Em
qualquer caso, o texto constrói-se à volta da imagem do “banquete”. O
“banquete” é, no ambiente sócio-cultural do mundo bíblico, o momento da
partilha, da comunhão, da constituição de uma comunidade de mesa, do
estabelecimento de laços familiares entre os convivas.
Para além de acontecimento social, o “banquete” tem
também, frequentemente, uma dimensão religiosa. Os “banquetes sagrados”
celebram e potenciam a comunhão do crente com Deus, o estabelecimento de laços
familiares entre Deus e os fiéis. É por isso que, na perspectiva dos
catequistas que redigiram as tradições sobre a Aliança do Sinai, o compromisso
entre Jahwéh e Israel tinha de ser selado com uma refeição entre Deus e os
representantes do Povo (cf. Ex. 24,1-2.9-11).
Neste campo são também particularmente significativos
os “sacrifícios de comunhão” (“zebâh shelamim”) celebrados no Templo de
Jerusalém. Neste tipo de celebração religiosa, o crente trazia ao Templo um
animal destinado a Deus. Depois de imolado o animal, a sua gordura era queimada
sobre o altar, ao passo que a carne era repartida pelo oferente e pelos
sacerdotes. O oferente e a sua família deviam comer a sua parte no espaço
sagrado do santuário. Dessa forma, sentavam-se à mesa com Deus, celebravam a
sua pertença ao círculo familiar de Deus e renovavam com Deus os laços de paz,
de harmonia, de comunhão (cf. Lv. 3). É este ambiente que o nosso texto supõe.
Mensagem
O profeta anuncia que Deus, num futuro sem data marcada,
vai oferecer “um banquete”; e, para esse “banquete”, Jahwéh vai convidar “todos
os povos”. Trata-se, portanto, de uma iniciativa de Deus no sentido de
estabelecer laços “de família” com a humanidade inteira.
O cenário do “banquete” é “este monte” (v. 6) –
evidentemente, o monte do Templo, em Jerusalém, a “casa de Jahwéh”, o lugar
onde Deus reside no meio do seu Povo, o lugar onde Israel presta culto a Jahwéh
e celebra os sacrifícios de comunhão. Aceitar o convite de Deus para o
“banquete” significará, portanto, participar no culto a Jahwéh, ser acolhido na
casa de Jahwéh, entrar no “espaço íntimo” e familiar de Deus e sentar-se com
Ele à mesa.
Nesse “banquete” serão servidos “manjares
suculentos”, “comida de boa gordura”, “vinhos deliciosos” e “puríssimos” (v.
6). As expressões sublinham a abundância de vida – e de vida com qualidade –
com que Deus vai cumular os seus convidados.
Para os que aceitarem o convite para o “banquete”,
iniciar-se-á uma nova era, de comunhão íntima com Deus e de vida sem fim. O
profeta sugere a comunhão total entre Deus e os homens que então se iniciará,
com a indicação de que será removido “o véu que cobria todos os povos, o pano
que envolvia todas as nações” (vers. 7) e que impedia o contacto total com o
mundo de Deus. Por outro lado, o profeta sugere o início da nova era de paz e
de felicidade sem fim, dizendo que Deus vai destruir a morte para sempre, vai
enxugar “as lágrimas de todas as faces” e vai eliminar “o opróbrio que pesa
sobre o seu Povo” (v. 8). O “banquete” termina com um cântico de ação de graças
que evoca, provavelmente, uma fórmula usada na aclamação de um novo rei (v. 9).
Significa que, com o “banquete” que o Messias vai oferecer, se iniciará o
reinado de Deus sobre toda a terra. O profeta está, sem dúvida, a descrever os
tempos messiânicos. Na perspectiva do profeta, serão tempos de comunhão total
de Deus com o homem e do homem com Deus. Dessa intimidade entre Deus e o homem
resultará, para o homem, a felicidade total, a vida verdadeira e plena. A
partir daqui, a ideia de um “banquete messiânico” tornou-se corrente no
judaísmo.
Atualização
A imagem do “banquete” para o qual Deus convida “todos
os povos” aponta para essa realidade de comunhão, de festa, de amor, de
felicidade que Deus, insistentemente nos oferece. Nunca será de mais recordar
isto: Deus tem um projeto de vida, que quer oferecer a todos os homens, sem
exceção. Não somos “filhos de um deus menor”, pobre humanidade abandonada à sua
sorte, perdida num universo hostil e condenada ao nada; somos pessoas a quem
Deus ama, a quem Ele convida para integrar a sua família e a quem Ele oferece a
vida plena e definitiva. A consciência desta realidade deve iluminar a nossa
existência e encher de serenidade, de esperança e de confiança a nossa
caminhada nesta terra. A nossa finitude, as nossas limitações, os nossos medos
e misérias não são a última palavra da nossa existência; mas caminhamos todos
ao encontro da festa definitiva que Deus prepara para todos os que aceitam o
seu dom.
Ao homem basta-lhe aceitar o convite de Deus para ter
acesso a essa festa de vida eterna. Aceitar o convite de Deus significa
renunciar ao egoísmo, ao orgulho e à auto-suficiência e conduzir a existência
de acordo com os valores de Deus; aceitar o convite de Deus implica dar
prioridade ao amor, testemunhar os valores do Reino e construir, já aqui, uma
nova terra de justiça, de solidariedade, de partilha, de amor. No dia do nosso
Batismo, aceitamos o convite de Deus e comprometemo-nos com Ele… A nossa vida
tem sido coerente com essa opção?
2ª leitura: Fl. 4,12-14.19-20 -
Ambiente
Leitura da carta de são Paulo ao Filipenses.
Irmãos, 4 12 sei viver na penúria, e sei também viver na abundância. Estou acostumado a todas as vicissitudes: a ter fartura e a passar fome, a ter abundância e a padecer necessidade.
13 Tudo posso naquele que me conforta.
14 Contudo, fizestes bem em tomar parte na minha tribulação.
19 Em recompensa, o meu Deus há de prover magnificamente a todas as vossas necessidades, segundo a sua glória, em Jesus Cristo.
20 A Deus, nosso Pai, seja a glória, por toda a eternidade! Amém.
Palavra do Senhor.
Irmãos, 4 12 sei viver na penúria, e sei também viver na abundância. Estou acostumado a todas as vicissitudes: a ter fartura e a passar fome, a ter abundância e a padecer necessidade.
13 Tudo posso naquele que me conforta.
14 Contudo, fizestes bem em tomar parte na minha tribulação.
19 Em recompensa, o meu Deus há de prover magnificamente a todas as vossas necessidades, segundo a sua glória, em Jesus Cristo.
20 A Deus, nosso Pai, seja a glória, por toda a eternidade! Amém.
Palavra do Senhor.
Mais uma vez, a segunda leitura oferece-nos um
excerto de uma carta de Paulo aos cristãos da cidade grega de Filipos. Estamos
nos anos 56/57. Paulo está na prisão (em Éfeso?) por causa do Evangelho. Nesse
momento difícil da sua vida apostólica, Paulo recebeu ajuda econômica e, mais
importante do que isso, a presença solidária e o cuidado de Epafrodito, um
membro da comunidade, enviado para ajudar Paulo e para lhe manifestar a
solicitude dos seus “filhos” de Filipos. O nosso texto é tirado do capítulo
final da Carta aos Filipenses. Aí, num tom emocionado, Paulo agradece pelos
dons recebidos e pela solidariedade que os cristãos de Filipos lhe
manifestaram.
Mensagem
Paulo está manifestamente satisfeito pela ajuda
recebida da comunidade cristã de Filipos. A alegria de Paulo resulta, não tanto
da resolução das suas próprias necessidades materiais mas, sobretudo, do
significado do gesto dos filipenses. O donativo enviado é sinal, não só da
amizade que os cristãos da comunidade votam a Paulo, mas também da solidariedade
dos filipenses com o anúncio do Evangelho de Jesus: dessa forma, os filipenses
manifestaram o seu apoio ao ministério apostólico de Paulo e ao trabalho que o
apóstolo desenvolve no sentido de fazer chegar a proposta libertadora de Jesus
a todos os homens. E isso, evidentemente, alegra o coração de Paulo.
Por si, Paulo está acostumado às privações e à
frugalidade. A sua vida e a sua missão não dependem de comodidades materiais:
ele sabe “viver na pobreza” e sabe “viver na abundância”… Essa “liberdade interior”
face aos bens brota de Cristo: é Cristo quem dá forças ao apóstolo para superar
as privações, quem o anima nos momentos de dificuldades, quem lhe dá a coragem
para enfrentar as necessidades que a vida apostólica impõe.
De resto, Paulo está certo de que a solidariedade e a
solicitude que os membros da comunidade manifestaram beneficiará, em primeiro
lugar, os próprios filipenses, pois Deus não deixará de lhes “pagar”
generosamente o seu gesto.
Atualização
Antes de mais, o nosso texto apela a que os cristãos
tenham o coração aberto à partilha e ao dom. Ser cristão implica a renúncia a
uma vida de egoísmo e de fechamento em si próprio… Implica abrir o coração às
necessidades dos irmãos carentes e desfavorecidos e uma partilha efetiva da
vida e dos bens. Numa época em que os valores dominantes convidam continuamente
ao egoísmo, à auto-suficiência, à preocupação exclusiva com os próprios
interesses, o gesto dos filipenses constitui uma poderosa interpelação.
Por outro lado, também somos interpelados pelo sentido
de despojamento de Paulo… Como Paulo, o apóstolo de Jesus deve saber “viver na
pobreza” e deve saber “viver na abundância”; mas nunca pode colocar as
comodidades materiais como prioridade ou como condição essencial para se
empenhar na missão. O apóstolo de Jesus tem como prioridade o anúncio do
Evangelho, em quaisquer circunstâncias e para além de todos os
condicionalismos. Um “apóstolo” que se preocupa, antes de mais, com a sua
comodidade ou com o seu bem-estar torna-se escravo das coisas materiais, passa
a ser um “funcionário do Reino” com horário limitado e com trabalho limitado e
rapidamente perde o sentido da sua entrega e do seu empenhamento.
A solicitude dos filipenses por Paulo é sinal da
vontade que eles têm de colaborar na expansão do Reino. Todas as comunidades
cristãs deviam sentir este apelo a participar – de forma mais direta ou menos
direta – no testemunho de Evangelho de Jesus. Levar o Evangelho ao mundo não é
uma missão que apenas diga respeito a um grupo “especial” dentro da Igreja; mas
é uma missão que Jesus confiou a todos os discípulos, sem exceção. Todos os
cristãos deviam sentir o imperativo de colaborar, na medida das suas
possibilidades, no anúncio do Evangelho.
A solicitude dos filipenses por Paulo interpela
também as comunidades cristãs acerca da forma como acolhem e tratam aqueles que
se entregam a tempo inteiro à causa do Evangelho… A opção que eles fizeram de
se entregarem totalmente ao serviço do Reino não os torna menos humanos; eles
continuam a ser homens ou mulheres sensíveis às manifestações de afeto, de
apreço, de amizade, de solicitude. A comunidade tem o dever de manifestar, em
gestos concretos, a sua gratidão pelo trabalho desses irmãos e pelos dons que
deles recebe.
Paulo refere-se, finalmente, à retribuição que Deus
não deixará de dar a todos aqueles que mostram solicitude e amor com os
apóstolos e que se empenham no anúncio do Evangelho. No entanto, Paulo está
longe de sugerir uma lógica interesseira no nosso relacionamento com Deus… O
cristão não age de determinada forma para daí tirar benefícios, mas porque o
seu compromisso com Jesus lhe impõe determinado comportamento.
Evangelho: Mt. 22,1-14 -
Ambiente
Aleluia, aleluia, aleluia.
Que o Pai do Senhor Jesus Cristo nos dê do saber o espírito; conheçamos, assim, a esperança à qual nos chamou, como herança! (Ef 1,17s).
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus.
Naquele tempo, 22 1 Jesus tornou a falar-lhes por meio de parábolas:
2 "O Reino dos céus é comparado a um rei que celebrava as bodas do seu filho.
3 Enviou seus servos para chamar os convidados, mas eles não quiseram vir.
4 Enviou outros ainda, dizendo-lhes: 'Dizei aos convidados que já está preparado o meu banquete; meus bois e meus animais cevados estão mortos, tudo está preparado. Vinde às bodas!'
5 Mas, sem se importarem com aquele convite, foram-se, um a seu campo e outro para seu negócio.
6 Outros lançaram mãos de seus servos, insultaram-nos e os mataram.
7 O rei soube e indignou-se em extremo. Enviou suas tropas, matou aqueles assassinos e incendiou-lhes a cidade.
8 Disse depois a seus servos: 'O festim está pronto, mas os convidados não foram dignos.
9 Ide às encruzilhadas e convidai para as bodas todos quantos achardes'.
10 Espalharam-se eles pelos caminhos e reuniram todos quantos acharam, maus e bons, de modo que a sala do banquete ficou repleta de convidados.
11 O rei entrou para vê-los e viu ali um homem que não trazia a veste nupcial.
12 Perguntou-lhe: 'Meu amigo, como entraste aqui, sem a veste nupcial?' O homem não proferiu palavra alguma.
13 Disse então o rei aos servos: 'Amarrai-lhe os pés e as mãos e lançai-o nas trevas exteriores. Ali haverá choro e ranger de dentes'".
14 Porque muitos são os chamados, e poucos os escolhidos. Palavra da Salvação.
Que o Pai do Senhor Jesus Cristo nos dê do saber o espírito; conheçamos, assim, a esperança à qual nos chamou, como herança! (Ef 1,17s).
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo Mateus.
Naquele tempo, 22 1 Jesus tornou a falar-lhes por meio de parábolas:
2 "O Reino dos céus é comparado a um rei que celebrava as bodas do seu filho.
3 Enviou seus servos para chamar os convidados, mas eles não quiseram vir.
4 Enviou outros ainda, dizendo-lhes: 'Dizei aos convidados que já está preparado o meu banquete; meus bois e meus animais cevados estão mortos, tudo está preparado. Vinde às bodas!'
5 Mas, sem se importarem com aquele convite, foram-se, um a seu campo e outro para seu negócio.
6 Outros lançaram mãos de seus servos, insultaram-nos e os mataram.
7 O rei soube e indignou-se em extremo. Enviou suas tropas, matou aqueles assassinos e incendiou-lhes a cidade.
8 Disse depois a seus servos: 'O festim está pronto, mas os convidados não foram dignos.
9 Ide às encruzilhadas e convidai para as bodas todos quantos achardes'.
10 Espalharam-se eles pelos caminhos e reuniram todos quantos acharam, maus e bons, de modo que a sala do banquete ficou repleta de convidados.
11 O rei entrou para vê-los e viu ali um homem que não trazia a veste nupcial.
12 Perguntou-lhe: 'Meu amigo, como entraste aqui, sem a veste nupcial?' O homem não proferiu palavra alguma.
13 Disse então o rei aos servos: 'Amarrai-lhe os pés e as mãos e lançai-o nas trevas exteriores. Ali haverá choro e ranger de dentes'".
14 Porque muitos são os chamados, e poucos os escolhidos. Palavra da Salvação.
Continuamos em Jerusalém, nos dias que antecedem a
Páscoa. Os dirigentes religiosos judeus aumentam a pressão sobre Jesus.
Instalados nas suas certezas e seguranças, já decidiram que a proposta de Jesus
não vem de Deus; por isso, rejeitam de forma absoluta o Reino que ele anuncia.
O texto que nos é hoje proposto faz parte de um bloco
de três parábolas (cf. Mt. 21,28-32. 33-43; 22,1-14), destinadas a ilustrar a
recusa de Israel em aceitar o projeto que Deus oferece aos homens através de
Jesus. Com elas, Jesus convida os seus opositores – os líderes religiosos
judaicos – a reconhecerem que se fecharam num esquema de auto-suficiência, de
orgulho, de arrogância, de preconceitos, que não os deixa abrir o coração e a
vida aos dons de Deus. O nosso texto é a última dessas três parábolas.
A crítica do texto mostra que Mateus juntou aqui duas
parábolas diferentes: a parábola dos convidados para o “banquete” (que é comum
a Mateus e Lucas, embora as duas versões apresentem diferenças consideráveis –
cf. Mt. 22,1-10; Lc. 14,15-24) e a parábola do convidado que se apresentou sem
o traje adequado (que é exclusiva de Mateus – cf. Mt. 22,11-14). Originalmente,
as duas parábolas teriam ensinamentos diferentes; mas a temática comum do
“banquete” aproximou-as e juntou-as.
As nossas duas parábolas situam-nos, portanto, no
cenário de um “banquete”. Já dissemos (a propósito da primeira leitura deste
domingo) que o “banquete” era, na cultura semita, o lugar do encontro, da
comunhão, do estreitamento de laços familiares entre os convivas. Além disso, o
“banquete” era também a cerimônia através da qual se confirmava o “status” das
pessoas e o seu lugar dentro da escala social. Quem organizava um “banquete” –
por exemplo, por ocasião do casamento de um filho – procurava fazer uma seleção
cuidada dos convidados: a presença de gente “desclassificada” faria descer
consideravelmente, aos olhos de toda a comunidade, o “status” da família; e,
por outro lado, a presença à mesa de pessoas importantes realçava a importância
e a honra da família.
Mensagem
A primeira parábola é a parábola dos convidados para
o “banquete” (vs. 1-10). Apresenta-nos um rei que organizou um banquete para
celebrar o casamento do seu filho. Convidou várias pessoas, mas os convidados
recusaram-se a participar no “banquete”, apresentando as desculpas mais
inverossímeis. Mateus chega a dizer (um dado que não aparece no relato de Lucas)
que teriam até assassinado os emissários do rei… Trata-se de um quadro
gravíssimo: recusar o convite era uma ofensa inqualificável; mas, como se isso
não bastasse, esses convidados indignos manifestaram um desprezo inconcebível
pelo rei, matando os seus servos. O rei enviou então as suas tropas que
castigaram os assassinos (vers. 7. Esta referência não aparece no relato de
Lucas… É uma provável interpretação da destruição de Jerusalém pelos exércitos
romanos de Tito, no ano 70. Isso significa que a versão que Mateus nos dá da
parábola é posterior a essa data).
O rei resolveu, apesar de tudo, manter a festa e
mandou que fossem trazidos para o “banquete” todos aqueles fossem encontrados
nas “encruzilhadas dos caminhos”. E esses desclassificados, esse “povo da
terra”, que nunca se tinha sentado à mesa de um personagem importante (com tudo
o que isso significava em termos de comunhão e de estabelecimento de laços de
família e de amizade), celebrou a festa à mesa do rei.
O sentido da parábola é óbvio… Deus é o rei que
convidou Israel para o “banquete” do encontro, da comunhão, da chegada dos
tempos messiânicos (as bodas do “filho”). Os sacerdotes, os escribas, os
doutores da Lei recusaram o convite e preferiram continuar agarrados aos seus
esquemas, aos seus preconceitos, aos seus sistemas de auto-salvação. Então,
Deus convidou para o “banquete” do Messias esses pecadores e desclassificados
que, na perspectiva da teologia oficial, estavam arredados da comunhão com Deus
e do Reino.
Esta parábola explicita bem o cenário em que o
próprio Jesus se move… Ele aparece, com frequência, a participar em “banquetes”
ao lado de gente duvidosa e desclassificada, ao ponto de os seus inimigos o
acusarem de “comilão e bebedor de vinho, amigo de publicanos e de pecadores”
(Mt. 11,19; Lc 7,34). Porque é que Jesus participa nesses “banquetes”, correndo
o risco de adquirir uma fama tão desagradável? Porque no Antigo Testamento –
como vimos na primeira leitura – os tempos messiânicos são descritos com a
imagem de um “banquete” que Deus prepara para todos os povos. Ora, Jesus tem
consciência de que, com Ele, esses tempos chegaram; e utiliza o cenário do
“banquete” para expressar a realidade do Reino (a mesa da festa, do amor, da
comunhão com Deus, para a qual todos os homens e mulheres, sem exceção, são
convidados). Para Ele, o sentar-se à mesa com os pecadores é uma forma
privilegiada de lhes dizer que Deus os acolhe com amor e que quer estabelecer
com eles relações de comunhão e de familiaridade, sem excluir ninguém do seu
convívio ou da sua comunidade.
Os líderes de Israel, no entanto, sempre reprovaram a
Jesus esse contato com os pecadores e os desclassificados… Para eles, os
publicanos e as prostitutas, por exemplo, estavam definitivamente arredadas da
comunidade da salvação. Sentá-los à mesa do “banquete” do Reino é algo de
inaudito e que os líderes de Israel acham absolutamente inapropriado.
É muito provável que, originalmente, a parábola
tivesse servido a Jesus para responder àqueles que o acusavam de ter convidado
para o “banquete” do Reino todo o tipo de desclassificados e de pecadores.
Jesus deixa claro que, na perspectiva de Deus, a questão não é se tal ou tal
pessoa tem o direito de se sentar à mesa do Reino; mas a questão essencial é se
aceita ou não se aceita o convite de Deus. Na verdade, os líderes de Israel
recusaram o desafio de Deus, enquanto que os pecadores e desclassificados o
acolheram de braços abertos.
Mais tarde, a comunidade cristã irá fazer uma
releitura um pouco diferente da parábola e utilizá-la para explicar porque é
que os pagãos acolheram melhor do que os judeus a Boa Nova do Reino.
A segunda parábola é a parábola do convidado que se
apresentou na festa sem o traje nupcial (vs. 11-14). O rei que organizou o
“banquete” mandou, então, lançá-lo fora da sala onde se realizava a festa.
A parábola constitui uma advertência àqueles
que aceitaram o convite de Deus para a festa do Reino, aderiram à proposta de
Jesus e receberam o Batismo. Mateus escreve no final do século I (anos 80),
quando os cristãos já tinham esquecido o entusiasmo inicial e viviam instalados
numa fé pouco exigente. Consideravam que já tinham feito uma opção definitiva e
que já tinham assegurado a salvação. Mateus diz-lhes: cuidado, porque não chega
entrar na sala do “banquete”; é preciso, além disso, vestir um estilo de vida
que ponha em prática os ensinamentos de Jesus. Quem foi batizados e aderiu ao
“banquete” do Reino, mas recusou o traje do amor, da partilha, do serviço, da
misericórdia, do dom da vida e continua vestido de egoísmo, de arrogância, de
orgulho, de injustiça, não pode participar na festa do encontro e da comunhão
com Deus. Deus chamou todos os homens e mulheres para participarem no
“banquete”; mas só serão admitidos aqueles que responderem ao convite e mudarem
completamente a sua vida.
Atualização
No nosso texto, a questão decisiva não é se Deus
convida ou se não convida; mas é se aceita ou se não se aceita o convite de
Deus para o “banquete” do Reino. Os convidados que não aceitaram o convite
representam aqueles que estão demasiado preocupados a dirigir uma empresa de
sucesso, ou a escalar a vida a pulso, ou a conquistar os seus cinco minutos de
fama, ou a impor aos outros os seus próprios esquemas e projetos, ou a explorar
o bem estar que o dinheiro lhes conquistou e não têm tempo para os desafios de
Deus. Vivemos obcecados com o imediato, o politicamente correto, o palpável, o
material, e prescindimos dos valores eternos, duradouros, exigentes, que exigem
o dom da própria vida. A questão é: onde é que está a verdadeira felicidade?
Nos valores do Reino, ou nesses valores efêmeros que nos absorvem e nos
dominam?
Os convidados que não aceitaram o convite representam
também aqueles que estão instalados na sua auto-suficiência, nas suas certezas,
seguranças e preconceitos e não têm o coração aberto e disponível para as
propostas de Deus. Trata-se, muitas vezes, de pessoas sérias e boas, que se
empenham seriamente na comunidade cristã e que desempenham papéis fundamentais
na estruturação dos organismos paroquiais… Mas “nunca se enganam e raramente
têm dúvidas”; sabem tudo sobre Deus, já construíram um deus à medida dos seus
interesses, desejos e projetos e não se deixam questionar nem interpelar. Os
seus corações estão, também, fechados à novidade de Deus.
Os convidados que aceitaram o convite representam todos
aqueles que, apesar dos seus limites e do seu pecado, têm o coração disponível
para Deus e para os desafios que Ele faz. Percebem os limites da sua miséria e
finitude e estão permanentemente à espera que Deus lhes ofereça a salvação. São
humildes, pobres, simples, confiam em Deus e na salvação que Ele quer oferecer
a cada homem e a cada mulher e estão dispostos a acolher os desafios de Deus.
A parábola do homem que não vestiu o traje apropriado
convida-nos a considerar que a salvação não é uma conquista, feita de uma vez
por todas, mas um sim a Deus sempre renovado, e que implica um compromisso
real, sério e exigente com os valores de Deus. Implica uma opção coerente,
contínua, diária com a opção que eu fiz no Batismo… Não é um compromisso de
“meias tintas”, de tentativas falhadas, de “tanto se me dá como se me deu”; mas
é um compromisso sério e coerente com essa vida nova que Jesus me apresentou.
P. Joaquim Garrido, P.
Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
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