Não me entregueis, Senhor, às mãos dos que me perseguem, pois contra mim se levantaram falsas testemunhas, mas volta-se contra eles a sua iniquidade (Sl 26,12).
Desde o ventre materno, somos amados por Deus e escolhidos para uma missão. Vigiemos para sermos fiéis ao amor do Pai e não trair a confiança dele em nós.
Leitura do livro do profeta Isaías – 1Nações marinhas, ouvi-me; povos distantes, prestai atenção: o Senhor chamou-me antes de eu nascer; desde o ventre de minha mãe, ele tinha na mente o meu nome; 2fez de minha palavra uma espada afiada, protegeu-me à sombra de sua mão e fez de mim uma flecha aguçada, escondida em sua aljava, 3e disse-me: “Tu és o meu servo, Israel, em quem serei glorificado”. 4E eu disse: “Trabalhei em vão, gastei minhas forças sem fruto, inutilmente; entretanto o Senhor me fará justiça e o meu Deus me dará recompensa”. 5E, agora, diz-me o Senhor – ele que me preparou desde o nascimento para ser seu servo – que eu recupere Jacó para ele e faça Israel unir-se a ele; aos olhos do Senhor, esta é a minha glória. 6Disse ele: “Não basta seres meu servo para restaurar as tribos de Jacó e reconduzir os remanescentes de Israel: eu te farei luz das nações, para que minha salvação chegue até os confins da terra”. – Palavra do Senhor.
Salmo Responsorial: 70(71)
Minha boca anunciará vossa justiça.
1. Eu procuro meu refúgio em vós, Senhor, / que eu não seja envergonhado para sempre! / Porque sois justo, defendei-me e libertai-me! / Escutai a minha voz, vinde salvar-me! – R.
2. Sede uma rocha protetora para mim, / um abrigo bem seguro que me salve! / Porque sois a minha força e meu amparo, † o meu refúgio, proteção e segurança! / Libertai-me, ó meu Deus, das mãos do ímpio. – R.
3. Porque sois, ó Senhor Deus, minha esperança, / em vós confio desde a minha juventude! / Sois meu apoio desde antes que eu nascesse, / desde o seio maternal, o meu amparo. – R.
4. Minha boca anunciará todos os dias / vossa justiça e vossas graças incontáveis. / Vós me ensinastes desde a minha juventude / e até hoje canto as vossas maravilhas. – R.
Honra, glória, poder e louvor / a Jesus, nosso Deus e Senhor!
Salve, ó Rei, obediente ao Pai; / vós fostes levado para ser crucificado / como um manso cordeiro é conduzido à matança. – R.
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo João – Naquele tempo, estando à mesa com seus discípulos, 21Jesus ficou profundamente comovido e testemunhou: “Em verdade, em verdade vos digo, um de vós me entregará”. 22Desconcertados, os discípulos olhavam uns para os outros, pois não sabiam de quem Jesus estava falando. 23Um deles, a quem Jesus amava, estava recostado ao lado de Jesus. 24Simão Pedro fez-lhe um sinal para que ele procurasse saber de quem Jesus estava falando. 25Então, o discípulo, reclinando-se sobre o peito de Jesus, perguntou-lhe: “Senhor, quem é?” 26Jesus respondeu: “É aquele a quem eu der o pedaço de pão passado no molho”. Então Jesus molhou um pedaço de pão e deu-o a Judas, filho de Simão Iscariotes. 27Depois do pedaço de pão, satanás entrou em Judas. Então Jesus lhe disse: “O que tens a fazer, executa-o depressa”. 28Nenhum dos presentes compreendeu por que Jesus lhe disse isso. 29Como Judas guardava a bolsa, alguns pensavam que Jesus lhe queria dizer: “Compra o que precisamos para a festa” ou que desse alguma coisa aos pobres. 30Depois de receber o pedaço de pão, Judas saiu imediatamente. Era noite. 31Depois que Judas saiu, disse Jesus: “Agora foi glorificado o Filho do Homem, e Deus foi glorificado nele. 32Se Deus foi glorificado nele, também Deus o glorificará em si mesmo e o glorificará logo. 33Filhinhos, por pouco tempo estou ainda convosco. Vós me procurareis, e agora vos digo, como eu disse também aos judeus: ‘Para onde eu vou, vós não podeis ir'”. 36Simão Pedro perguntou: “Senhor, para onde vais?” Jesus respondeu-lhe: “Para onde eu vou, tu não me podes seguir agora, mas me seguirás mais tarde”. 37Pedro disse: “Senhor, por que não posso seguir-te agora? Eu darei a minha vida por ti!” 38Respondeu Jesus: “Darás a tua vida por mim? Em verdade, em verdade te digo, o galo não cantará antes que me tenhas negado três vezes”. – Palavra da salvação.
O Evangelho de hoje dirige o nosso olhar para uma personagem que, em regra, escapa à nossa reflexão habitual. Trata-se de Judas, filho de Simão Iscariotes. O traidor do Senhor, embora só o tenha "negociado" na Quarta-feira Santa (cf. Lc 22, 4s), já estava, evidentemente, em estado de pecado havia muito tempo. É o que nos indica este episódio da Última Ceia, quando Jesus lhe diz: "O que tens a fazer, executa-o depressa." O segundo versículo deste capítulo de São João também faz questão de ressaltar que o espírito do traidor há muito se afastara de Cristo: "Durante a ceia — quando o demônio já tinha lançado no coração de Judas [...] o propósito de traí-lo [...]" (Jo 13, 2; cf. Lc 22, 3s). Também os seus constantes furtos testemunham que o seu lugar entre as colunas da Igreja devia ser passageiro: "Ele tomava conta da bolsa comum e roubava o que se depositava nela" (Jo 12, 6), quia fur erat — porque era ladrão.
Tudo, pois, estava planejado; bastava-lhe apenas esperar pela ocasião oportuna para o trair, sem que a multidão, temida pelos chefes do povo, desconfiasse de algo (cf. Lc 22, 2.6). No entanto, o que talvez mais nos escandalize nesta cena é o fato de Judas haver comungado. Essa participação sacrílega é desmascarada logo em seguida pelo Senhor, que declara: "Aquele a quem eu der o pedaço de pão passado no molho, é esse que me há de trair." Pão passado no molho: tal gesto de amor, sinal de estima e grande consideração entre os judeus, não foi porém capaz de amolecer o coração, agora incorrigível, de Judas. A tais extremos chegou a sua frieza, a sua indiferença para com Cristo, que melhor lhe seria nunca haver nascido (cf. Mc 14, 21): "Bonum ei si non esset natus homo ille." Jesus, com ciência divina, revela aqui a impenitência de Judas, a sua dureza de coração ('σκληροκαρδία'), o seu cabal ensurdecimento aos chamados da Graça.
O Senhor nos exorta, assim, a não deixar o desespero acomodar-se em nosso peito. Embora ignoremos os santos desígnios do Pai, temos a garantia de que, se nos humilharmos com verdadeira compunção, se reconhecermos a nossa miséria com sincero arrependimento, não há pecado que não nos possa ser perdoado. Vivamos, pois, esta 3.ª-feira da Semana Santa em meio a muitos e fervorosos atos de esperança. Preparemo-nos com uma boa confissão para os sofrimentos pascais que se avizinham. Não deixemos de recorrer à Virgem Santíssima, Refugium peccatorum, que tem sob os seus maternais cuidados o nosso frágil e pobre coração: que ela afaste de nós o endurecimento de Judas e nos alcance a graça de podermos chorar amargamente — assim o fez São Pedro (cf. Lc 22, 62) — todas as faltas em que porventura viermos a cair.
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