Quem
já faz sua abstinência de carne às sextas, observando o mandamento da
Igreja, tem agora mais um sacrifício para oferecer a Deus, de estação a
estação.
As Quatro Têmporas (
Quatuor Tempora, em latim) são celebrações litúrgicas da
Igreja, ligadas às mudanças das quatro estações e instituídas para a
santificação do ano civil. Eram consideradas tempos especiais de vigília
e oração, durante os quais a Igreja procedia à ordenação de novos
sacerdotes e recomendava aos católicos o jejum e a abstinência de carne.
Olhando-as a partir do hemisfério sul, temos:
- as Têmporas da Quaresma, na primeira semana deste tempo litúrgico, marcando o início do outono;
- as Têmporas de Pentecostes, celebradas na Oitava desta solenidade, marcando o início do inverno;
- as Têmporas de São Miguel, em setembro, que indicam a passagem da primavera; e
- as Têmporas do Advento, em dezembro, anunciando a chegada do verão.
Segundo a
Legenda Áurea, do bem-aventurado Tiago de Varazze, teria sido o Papa São Leão Magno a estabelecer, no século V, essas comemorações. O Liber Pontificalis
faz referência ao Papa Calisto, nos anos 200, mas sua origem,
provavelmente, é ainda anterior a isso, datando da época dos Apóstolos.
Havia nelas, em primeiro lugar, uma relação de continuidade com o Antigo Testamento (cf.
Zc 8, 19), pois os judeus costumavam jejuar quatro vezes por
ano: uma por ocasião da Páscoa; uma antes de Pentecostes; outra antes da
Festa dos Tabernáculos, em setembro; e uma última, por fim, antes da
Dedicação, que se dava em dezembro. Desde o começo, também, essa
instituição serviu como uma forma de "cristianizar" os festivais pagãos
que aconteciam em Roma, em torno da agricultura e das estações.
Os dias em que se faziam esses jejuns sazonais eram a quarta, a sexta-feira e o sábado:
- a quarta, por ser o dia em que o Senhor foi traído por Judas Iscariotes;
- a sexta, por ser o dia de sua crucificação; e
- o sábado, por ser o dia em que ele passou no túmulo e no qual os Apóstolos ficaram de luto por sua morte.
Também essa é uma prática imemorial, mencionada, por exemplo, pelo
Didaquê, um dos mais antigos escritos cristãos de que se tem notícia.
Da "Cidade Eterna", a observância das Quatro Têmporas se difundiu por
todo o Ocidente ainda na Alta Idade Média, sendo confirmada mais tarde
pela autoridade de vários pontífices romanos — dentre eles, o Papa São
Gregório VII, que reinou na Igreja de 1073 a 1085.
O alcance desse costume foi tão amplo a ponto de influenciar a culinária do Extremo Oriente: o
tempurá, prato feito à base de mariscos e vegetais, nasceu no
Japão do século XVI graças à atuação de missionários espanhóis e
portugueses.
As Têmporas hoje
Uma celebração assim tão importante não poderia simplesmente ser abolida, sem mais nem menos.
E de fato não foi, ainda que a sua influência tenha diminuído a olhos vistos.
No Missal de 1962, as Têmporas eram observadas como "férias de segunda
classe", dias feriais de especial importância, que se sobrepunham
inclusive a certas festas de santos. Cada dia tinha a sua Missa própria.
Hoje, no entanto, ficou sob o encargo das conferências episcopais e das
dioceses determinar o tempo e o modo de celebração das Quatro Têmporas,
de acordo com prescrição da Sagrada Congregação para o Culto Divino. Em
1966, a Constituição Apostólica
Paenitemini, do Papa Paulo VI, confirmou todas as sextas-feiras do ano como dias penitenciais, mas, ao mesmo tempo, os jejuns das Têmporas deixaram de ser obrigatórios.
Por que continuar jejuando, afinal, nessas épocas específicas do ano, é
novamente o beato Tiago de Varazze que nos explica. O escritor medieval
apresenta em sua
Legenda Áurea pelo menos oito razões para mantermos essa
piedosa tradição, ainda que ela tenha caído no esquecimento em nossos
dias. Eis abaixo algumas delas:
- Resistirmos aos efeitos provocadas pelas estações, "pois a primavera é quente e úmida, o verão quente e seco, o outono frio e seco, o inverno frio e úmido. Jejuamos na primavera para temperar em nós o humor nocivo que é a luxúria; no verão para castigar o calor prejudicial que é a avareza; no outono para temperar a secura do orgulho; no inverno para atenuar o frio da infidelidade e da malícia."
- Atenuarmos as tendências desordenadas de cada temperamento, pois "o sangue aumenta na primavera, a bílis no verão, a melancolia no outono e a fleuma no inverno. Consequentemente, jejua-se na primavera para debilitar o sangue da concupiscência e da louca alegria, pois o sanguíneo é libidinoso e alegre. No verão, para enfraquecer a bílis do arrebatamento e da falsidade, pois o bilioso é por natureza colérico e falso. No outono, para acalmar a melancolia da cupidez e da tristeza, pois o melancólico é por natureza invejoso e triste. No inverno, para diminuir a fleuma da estupidez e da preguiça, pois o fleumático é por natureza estúpido e preguiçoso."
- Adquirirmos as virtudes próprias de cada idade da vida, pois "a primavera relaciona-se à infância, o verão à adolescência, o outono à maturidade ou idade viril, o inverno à velhice. Jejuamos então na primavera para conservar a inocência de crianças; no verão para consolidar a força, evitando a incontinência; no outono para recuperar a juventude através da constância e ratificar a maturidade através da justiça; no inverno para ficar velhos com prudência e honestidade e para pagar as ofensas que fizemos ao Senhor nas outras idades."
O rol de motivos por que devemos fazer penitência não se esgota,
evidentemente, nestas linhas. Assim como as quatro estações vão se
substituindo ano após ano, e sem nenhuma trégua, assim também nós,
conscientes da fragilidade de nossa carne e desejosos de
reparar os Corações Imaculados de Jesus e de Maria, devemos viver em atitude permanente de mortificação.
É verdade, o termo "morte" pode soar mal aos ouvidos modernos. Muitos
gostariam, na verdade, se pudessem, de apagá-lo de quaisquer pregações,
homilias ou documentos da Igreja. Nos Evangelhos, entretanto, as
palavras de Nosso Senhor não podiam ser mais claras:
"Se alguém quer vir após mim, renegue-se a si mesmo, tome cada dia a sua cruz e siga-me." ( Lc 9, 23)
"Se o grão de trigo não cai na terra e não morre, fica sozinho. Mas, se morre, produz muito fruto. Quem tem apego à sua vida vai perdê-la; quem despreza a sua vida neste mundo vai conservá-la para a vida eterna." (Jo 12, 24-25)
Por isso, a quem nos vier perguntar, em tom de zombaria,
por que queremos morrer observando jejuns e abstinências, respondamos com caridade, mas convictos: nós não somos "masoquistas", só o que queremos é amar a Jesus Cristo, que nos amou primeiro e se entregou por cada um de nós (cf. Gl 2, 20).
É nesse contexto que se insere o jejum das Quatro Têmporas. Nesta sexta
e neste sábado, a propósito, já podemos realizar, em nossas casas, as
Têmporas de Pentecostes. Viver em família essa tradição pode
ser tanto uma forma de testemunho para o mundo moderno, tão dado aos
prazeres da carne, quanto uma oportunidade para formar os próprios
filhos na escola da santidade. Quem já faz sua abstinência de carne às
sextas, observando o mandamento da Igreja,
tem agora mais um sacrifício para oferecer a Deus — lembrando sempre
que quem ama, longe de contentar-se com o "mínimo" das obrigações, o que
mais deseja, na verdade, é dar o "máximo" de si próprio.
Mesmo que
doa, portanto, não deixemos de nos doar! Sirva-nos de
modelo Santa Jacinta Marto, vidente de Fátima, que tinha o comer
alimentos amargos como um de seus "sacrifícios habituais" e que, um dia,
interpelada por sua prima para que deixasse de comer as bolotas dos
carvalhos, porque amargavam muito, deu-lhe, em sua simplicidade, esta
bela lição: "Pois é por amargar que o como, para converter os pecadores."
Por Equipe Christo Nihil Praeponere
Referências
- Jacopo de Varazze, Legenda áurea: vidas de santos. Trad. de Hilário Franco Jr. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, pp. 236-238.
- Francis Mershman, Ember Days. The Catholic Encyclopedia, v. 5. New York: Robert Appleton Company, 1909.
- Michael P. Foley, The glow of the Ember Days. The Latin Mass Magazine, vol. 17:4. Disponível em inglês no Rorate Caeli e em português no Salvem a Liturgia!.
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