A grande tragédia do relativismo moral é que ele nos impede de amar as pessoas.
É impressionante como algumas pessoas que raramente lêem a Bíblia são
rápidas no gatilho na hora de citar um versículo bíblico quando discutem
com cristãos: "Não julgueis" (
Mt 7, 1).
Essa frase é utilizada muitas vezes para calar-nos e impedir-nos de
tocar em questões morais. "Você não deve dizer aos outros o que é certo
ou errado! Afinal de contas, Jesus disse: 'Não julgueis!'"
A Bíblia, porém, refere-se ao julgamento de diferentes maneiras. Antes de mais nada,
nós nunca deveríamos julgar a alma de outra pessoa. É
isso o que Jesus critica ao dizer: "Não julgueis." Somente Deus sabe em
que condições espirituais as pessoas se encontram e como elas se
relacionam com Ele.
Por outro lado, ao mesmo tempo que nos proíbe julgar os outros, Jesus
não nos diz que é pecado usar a inteligência para discernir o certo do
errado. De fato,
a Bíblia nos exorta a formar bons e sábios juízos a respeito de muitas coisas na vida. São Paulo, por exemplo, diz que "o homem espiritual julga todas as coisas" (1Cor 2, 15).
O problema é que muitas pessoas têm medo de dizer que algo é moralmente errado
porque não querem parecer "intransigentes", "sentenciosas",
e nós precisamos ajudá-las a perceber que há uma grande diferença entre
fazer um julgamento moral, por um lado, e julgar a alma de alguém, por
outro.
Ora, eu posso usar a minha inteligência para fazer um simples
julgamento? Se percebo que está chovendo, formulo o seguinte juízo:
"Tenho de levar o guarda-chuva"; se, pelo contrário, estiver nevando,
julgo de outra maneira: "Preciso me agasalhar". Devo ser considerado um
"preconceituoso sem coração" por fazê-lo? É claro que não;
Deus me deu uma inteligência, e quer que eu a utilize.
De modo parecido, posso usar a minha razão para fazer um julgamento
sobre as ações de outras pessoas? Se eu vir a minha filhinha correndo em
direção à rua, posso julgar assim: "Isso não será bom para ela, porque
talvez seja atropelada"? Se eu o fizer, não estarei dizendo que minha
filha é uma pessoa horrível, condenada ao fogo do inferno; estarei
apenas observando que ela está prestes a fazer algo que lhe pode ser
prejudicial.
Mas sigamos em frente. Posso usar a minha inteligência para avaliar as
ações morais de outra pessoa? Suponhamos que haja uma jovem
universitária que tem-se deitado com um rapaz depois do outro. Posso
empregar minha razão e julgar: "Isso não é bom para ela"? Posso fazer o
seguinte julgamento: "Ela não vai ser feliz se continuar vivendo assim,
pois nunca encontrará o amor duradouro que tanto deseja. Ela foi feita
para algo melhor do que isso"? É claro que posso!
Mas não nos esqueçamos: fazê-lo não é julgar a sua alma. Ela pode muito
bem estar fazendo algo objetivamente errado; mas eu, em todo caso, não
tenho acesso à situação pessoal dela perante Deus. Não conheço o seu
passado, a sua vida, as suas mágoas.
O estado de uma alma aos olhos de Deus é algo reservado apenas a Deus e a essa alma.
O Catecismo da Igreja Católica explica como diversos fatores podem
entrar em jogo nas decisões livres do homem de tal maneira que a sua
culpabilidade pode ser diminuída e limitada (cf., por exemplo, CIC, § 1860).
Só Deus enxerga o quadro inteiro. Talvez essa moça
venha de uma família mal estruturada e nunca tenha vivido um amor
autêntico; talvez tenha sido abusada; talvez lhe tenham ensinado que
isto, fazer sexo casual, significa "ser uma mulher livre e autônoma".
Essa jovem não precisa que eu a condene ao inferno; ela precisa conhecer
o amor de Deus, a sua misericórdia e os planos que Ele tem para a vida
dela.
Ao mesmo tempo — e isto é imprescindível —, se eu me importo
verdadeiramente com ela, não deveria dizer-lhe algo sobre o modo como
tem vivido? Se ela fosse, por exemplo, uma amiga próxima ou até mesmo um
parente, não deveria falar-lhe dessas coisas?
Eu não estaria julgando a sua alma — isso é algo entre ela e Deus.
Mas amar é querer o bem do outro, buscar o que é o melhor para a outra pessoa; e se eu realmente a amo, não haverá prova maior desse amor do que procurar endireitá-la, mostrar-lhe o bom caminho.
Eu devo, é claro, ser prudente, falar no tempo e do modo conveniente,
com fina delicadeza, humildade e compaixão. Mas ficar sentado de braços
cruzados, sem nunca compartilhar com ela a verdade, não é por certo uma
grande prova de amor. É como se eu visse a minha filha de dois anos a
ponto de tocar a boca quente do fogão e lhe dissesse: "
Olha, eu não faria isso; mas não quero julgar. Faça o que a fizer feliz".
Imagine ainda que a minha filha, que ainda não sabe falar, está prestes
a jogar-se na piscina e eu lhe digo: "Bom, se é o que deseja fazer… Eu,
pessoalmente, não o faria; mas não quero lhe impor minhas opiniões. A
vida é sua". Seria isso um gesto de amor? Evidentemente não.
Essa postura nos revela mais uma tragédia do relativismo moral: ele nos impede de amar as pessoas.
Ele pode tornar-nos indiferente às necessidades das pessoas que Deus
colocou em nossa vida. Em vez de tratar com amor e solidariedade os
irmãos que vemos tropeçar na vida, fazemo-nos apáticos e desentendidos.
Imitamos o exemplo de Caim, que disse: "Sou porventura eu o guarda de
meu irmão?" (Gn 4, 9). Isso não é amor.
Saiamos logo da cultura do relativismo e mostremos mais amor às pessoas
que fazem parte de nossa vida, partilhando com elas a verdade.
Por Edward Sri | Fonte: National Catholic Register | Tradução: Equipe CNP
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