Pode
até não acontecer que venhamos a testemunhar Cristo com nosso sangue,
como fizeram São Maximiliano Kolbe e os mártires de Otranto, mas todos,
sem exceção, somos chamados a ser suas testemunhas.
Por Matthew B. Rose — A parte mais
dramática de ser católico reside na vocação de estarmos sempre
preparados para o martírio. Ainda que nem todos estejamos marcados para
realmente morrer por ódio à Fé, manchetes anunciando a ação mortal do
Estado Islâmico e de outros grupos que odeiam a Igreja lembram-nos que
também nós podemos receber esse chamado. As quatro Missionárias da Caridade mortas no Iêmen e o padre Jacques Hamel, morto na França enquanto rezava Missa há menos de um mês,
recordam-nos que martírios não são alguma história do passado distante
da Igreja, mas uma parte verdadeiramente real de nossa história hoje —
em todos os tempos, na verdade.
No último dia 14 de agosto, a Igreja celebrou duas diferentes expressões de martírio, separadas por mais de 450 anos: os mártires de Otranto, na Itália, e São Maximiliano Kolbe,
na Polônia. Embora suas histórias façam parte de nosso passado, o
exemplo deles pode iluminar nosso presente, ajudando-nos a ver o que
podemos enfrentar em nossas próprias vidas e o que devemos fazer para
cumprir nossa vocação cristã.
Os turcos do Império Otomano aterrorizaram durante muito tempo o mundo
cristão. Eles pareciam imbatíveis. Saquearam a cidade de Constantinopla
em 1453, penetrando os muros da famosa capital bizantina graças a um
canhão pesado e capaz de atirar projéteis de até 540 quilos a mais de 1
milha de distância. Eram liderados pelo feroz sultão Maomé II, o
Conquistador, que começou a varrer territórios com apenas 19 anos de
idade. Sua meta era dominar todo o mundo cristão mediterrâneo, incluindo
Roma, em cujas basílicas ele impiedosamente pretendia fazer entrar as
suas cavalarias. Assim começou a conquista otomana da Europa. Maomé II
conduziu bem os turcos, mas eles encontraram um exército equivalente na
ilha de Rodes, em 1480, onde um pequeno exército liderado pelos
Hospitalários (uma ordem cruzada de monges também conhecida como "Ordem
de Malta") derrotou-os contra todas as previsões.
Furioso, Maomé mandou seu almirante Gedik Ahmed Paxá fazer um ataque
surpresa no sul da Itália, começando com a cidade de Otranto, em 28 de
julho. Tão repentino foi o ataque que não houve nenhuma resposta
europeia organizada ao sítio, mesmo depois que a cidade havia sido
tomada. Por mais de duas semanas os cidadãos de Otranto resistiram à
entrada dos otomanos, rejeitando os seus termos de rendição. Como a
cidade possuía uma frágil reserva de 50 soldados, os civis entraram na
batalha. Suas defesas porém não durariam para sempre e, no dia 11 de
agosto de 1480, os muros da cidade cederam.
No interior da cidade ingressaram cerca de 20 mil turcos e aqueles que
permaneciam em seu caminho eram simplesmente degolados pelas espadas
otomanas. Os invasores correram à catedral, onde encontraram o arcebispo
Stefano Agricoli, velho e débil, vestido com paramentos litúrgicos,
rezando a Missa, juntamente com todo o clero e o povo da cidade, pela
salvação de Otranto. À vista dos invasores, o arcebispo instou seu
rebanho a permanecer fiel à Fé, enquanto ele mesmo era capturado e morto
no local (alguns relatos mantêm que ele foi cortado em dois,
esquartejado, decapitado, e depois os muçulmanos fizeram desfiles com
sua cabeça ao redor da cidade). Os padres do lugar, todos reunidos na
catedral em torno de seu bispo, foram martirizados do mesmo modo. Foi a
vez, então, do resto dos sobreviventes da cidade: todos os homens com
mais de 50 anos foram mortos; mulheres e crianças abaixo de 15 anos
foram levados como escravos.
Ao fim do massacre, restaram vivos ainda em torno de 800 homens. O
almirante Paxá falou com eles, oferecendo-lhes a escolha de
converterem-se ao Islã ou morrerem. Consigo o almirante trazia inclusive
um padre apóstata, chamado João, usado para chamar os homens a
unirem-se a eles, ao invés de morrerem na mão dos turcos. Antonio
Primaldi, um velho alfaiate, manifestou-se rejeitando a oferta e
encorajando seus companheiros a fazerem o mesmo, morrendo como mártires
pela Fé. Todos os 800 homens concordaram e, no dia 14 de agosto, depois
de receberem uma última chance de salvarem as suas vidas convertendo-se
ao Islã (proposta novamente recusada por todos os 800), todos eles foram
mortos, tendo seus corpos sido depositados em uma cova profunda.
Os turcos foram eventualmente expulsos de Otranto por uma coalizão de
poderes da Europa reunidos pelo Papa e enviados por monarcas notáveis,
como Isabel e Fernando da Espanha. Os turcos atacariam a Europa
novamente, e mais uma vez seriam barrados. Os mártires de Otranto se
tornariam heróis locais, seus restos mortais seriam encontrados e
colocados na catedral da cidade, e eles terminariam venerados ao longo
dos séculos. Beatificados em 1771, pouco mais de três anos atrás, eles foram canonizados pelo Papa Francisco.
Como os católicos de Otranto, os mártires cristãos de semanas recentes
morreram na mão de militantes islâmicos. Como aqueles católicos
assassinados no século 15, o mártir moderno enfrenta a escolha de
abandonar a Fé para salvar a própria vida. Como aqueles bravos homens em
Otranto, também o mártir de hoje permanece firme, diz não, e enfrenta a
espada do inimigo da Fé com fortaleza e caridade.
Maximiliano Kolbe morreu muito mais recentemente que os mártires de
Otranto. Sua história é bem conhecida. Nascido em uma humilde família na
Polônia, o jovem Raimundo (Maximiliano foi o nome religioso que ele
tomou depois) recebeu uma visão da Virgem Maria, oferecendo-lhe a
escolha de duas coroas, uma branca, da pureza, e uma vermelha, do
martírio. O garoto pediu pelas duas e as receberia. Como adulto,
juntou-se aos Franciscanos e terminou fundando sua própria ordem, a
Milícia da Imaculada. Ele e seus irmãos religiosos logo entraram em
conflito com os nazistas, que tinham tomado a Polônia. Como os turcos
otomanos, os nazistas tentaram tomar a Europa e eliminar o Cristianismo.
Como os muçulmanos, os nazistas começaram perseguindo padres e
religiosos. Kolbe e sua Milícia tomaram uma posição vigorosa contra os
nazistas, que levou à prisão de Kolbe em fevereiro de 1941, quando ele
foi levado a Auschwitz.
Ali, São Maximiliano servia os prisioneiros, enquanto sofria o abuso de
seus sequestradores. Os oficiais em Auschwitz tinham um particular
desprezo pelos sacerdotes católicos, motivo pelo qual Kolbe sofreu
severamente. Veio então o dia fatal. Três prisioneiros haviam escapado, e
o comandante nazista reuniu todos os prisioneiros do quarteirão,
forçando-os a permanecerem a postos até que os fugitivos fossem
encontrados. Como voltassem das buscas de mãos vazias, o comandante
selecionou dez homens para serem executados no lugar dos fugitivos. Um
dos selecionados desabou a soluçar, lamentando por sua mulher e filhos.
Kolbe deu um passo à frente para tomar o seu lugar e oferecer a sua
vida, a fim de que aquele homem sobrevivesse. O comandante aprovou, e
Kolbe e outros nove homens foram levados a uma câmara de gás. O padre
deixou o outro homem com cânticos e orações, e no dia 14 de agosto de
1941, cerca de duas semanas depois, os prisioneiros sobreviventes,
incluindo Maximiliano Kolbe, foram mortos por injeção letal.
O homem que sobreviveu graças ao sacrifício de Kolbe viveu por muitos
anos. Ele e muitos outros em Auschwitz testificaram a santidade de Kolbe
e pedidos por sua canonização ecoaram quase que imediatamente após o
fim da Segunda Guerra Mundial. O religioso foi beatificado em 1971 e
canonizado em 1982. Na canonização, o Papa São João Paulo II declarou-o
mártir. Trata-se de um título apropriado, já que sua morte foi um
sacrifício, de acordo com a doutrina do Salvador, de que "ninguém tem
maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos".
Essas duas histórias de martírio oferecem-nos exemplos do sacrifício a
que somos chamados por causa de nosso batismo. Hoje, o mesmo mal que
dilacerou a Cristandade pela espada dos turcos otomanos e pela bota dos
nazistas ameaça destruir nossa Igreja e a Fé. Mesmo contra esse mal, a
força de mártires como aqueles de Otranto ou como São Maximiliano Kolbe,
dão-nos um modelo de apostolado. Pode até não acontecer que venhamos a
testemunhar Cristo com nosso sangue, mas todos, sem exceção, somos
chamados a ser suas testemunhas.
Fonte: Crisis Magazine | Tradução: Equipe Christo Nihil Praeponere
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