O que é ser livre? É fazer tudo o que quero?
A maior aspiração do ser humano é a
felicidade. E isto é consequência natural de termos sido criados à
“imagem e semelhança” (Gen 1,26) de Deus, para participar de sua vida
bem-aventurada. O Catecismo, no primeiro parágrafo, afirma:
“Deus, infinitamente Perfeito e
Bem-aventurado em si mesmo, em um desígnio de pura bondade, criou
livremente o homem para fazê-lo participar da sua vida
bem-aventurada”(n.1).
“O desejo de Deus está inscrito no
coração do homem, já que o homem é criado por Deus e para Deus; e Deus
não cessa de atrair o homem a si, e somente em Deus o homem há de
encontrar a verdade e a felicidade que não cessa de procurar”(n.27).
Já que ele foi feito por Deus, e para
Deus, só conseguirá ser feliz em Deus. Todos os outros caminhos de
felicidade serão frustrantes, e a fome de ser feliz não será saciada
plenamente.
Santo Agostinho (354-430), um dos maiores
pensadores de todos os tempos, depois de buscar a felicidade nos
prazeres do mundo, na retórica, na oratória, no maniqueísmo e em tantas
outras estrepolias, somente saciou o seu coração quando encontrou o
Evangelho. Logo no início das suas Confissões, diz:
“Nos fizestes para Vós e o nosso coração não descansará enquanto não repousar em Vós”.
E adiante, lamenta ter demorado tanto para ter descoberto a verdadeira fonte da felicidade:
“Ó Jesus Cristo, amável Senhor, por que, em toda a minha vida amei, por que desejei outra coisa senão Vós?”
Sem Deus não há autêntica liberdade e felicidade.
O Criador não quis para nós uma
felicidade pequena, esta que se encontra entre as coisas do mundo: o
prazer dos sentidos, o delírio das riquezas ou o fascínio do poder e do
prestígio. Não. Isto é muito pouco para nós. Deus quis que a nossa
felicidade fosse muito maior; quis que fosse Ele próprio. E isto é um
grande ato de amor do Pai para conosco. O Pai, sempre quer “o melhor”
para o filho. Daí se conclui que a fome de felicidade do homem é
infinita e não pode ser saciada sem Deus, que é infinito. É fome de
Deus.
Sem acolher Deus de coração aberto, que
se revela pela criação, pela Bíblia, e por Jesus Cristo, que é a
perfeita revelação do Pai (Hb 1,2), o homem jamais experimentará a
autêntica felicidade. E isto não é uma mera conclusão religiosa, é um
fato de vida. Experimente hoje dar a um jovem tudo o que ele quiser:
dinheiro à vontade, prazer até não poder mais, “curtição” de toda
natureza, e você verá que a sua “fome” de felicidade continuará
insaciada. Não fosse isto verdade, não teríamos muitos jovens de
famílias ricas, mas delinquentes, envolvidos com as drogas, crimes,
etc. Por outro lado, vá à um mosteiro e pergunte a um monge, que abdicou
de todos os prazeres do corpo e do espírito, para abraçar somente a
Deus, se lhe falta algo para ele ser feliz. A resposta será não! Nada
lhe falta, pois ele tem Tudo. Tem Deus.
A Igreja, de maneira insistente, nos ensina que:
“O aspecto mais sublime da dignidade
humana está nesta vocação do homem à comunhão com Deus… Pois se o homem
existe, é porque Deus o criou por amor e, por amor, não cessa de dar-lhe
o ser, e o homem só vive plenamente, segundo a verdade, se reconhecer
livremente este amor e se entregar ao seu Criador”( Gaudium et Spes,
19).
Muitos pensam que abraçar a Deus e viver
uma vida em obediência às suas leis de amor, significa “perder” a
liberdade. Ao contrário, Deus é a verdadeira Liberdade e Verdade.
É preciso distinguir entre liberdade e
libertinagem, entre ser livre e ser libertino. Liberdade sem compromisso
com a verdade e com a responsabilidade, torna-se libertinagem; e esta,
jamais poderá gerar a felicidade, já que vai desembocar no pecado. E “o
salário do pecado é a morte” (Rom 6,23).
Ser livre não é “fazer tudo o que eu
quero”. Não. Muitas vezes isto é loucura. A verdade é o trilho da
verdadeira liberdade. Liberdade sem verdade é loucura. Será liberdade
assegurar que dois mais dois são cinco? Será liberdade desrespeitar o
catálogo do seu aparelho de TV e, ao invés de ligá-lo em uma tomada de
120 volts, como manda, você teimar em ligá-lo em outra de 210 volts?
Será liberdade, por exemplo, usar drogas, para sentir-se livre, mesmo
destruindo a vida? Será liberdade, usar o sexo sem o compromisso do
casamento, apenas por prazer, mesmo sabendo que ele poderá gerar uma
gravidez despreparada, um aborto, um adultério? Não. Tudo isto não é
liberdade; é loucura!
A liberdade que faz a felicidade, é
alicerçada na verdade e na responsabilidade. Fora disso é loucura,
libertinagem, irresponsabilidade… pecado, que vai gerar a dor, o
sofrimento e as lágrimas. Não queira experimentá-la. É muito melhor
aprender com o erro dos outros. Abra os olhos e tenha coragem de ver!
“Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo14,6).
Por mais duras que sejam as exigências do
Sermão da Montanha (humildade total, mansidão, misericórdia, pureza de
coração, castidade, jejum, esmola, oração, etc), é aí que temos o código
da liberdade e da felicidade autênticas.
O Catecismo da Igreja garante que:
“As bem-aventuranças respondem ao desejo natural de felicidade”(n° 1718).
Santo Agostinho dizia:
“Meu corpo vive da minha alma e esta vive de Vós”.
São Tomás de Aquino conclui: “Só Deus satisfaz”.
Santa Teresa disse: “Só Deus basta”.
São Luiz de Montfort acrescenta: “Deus só”.
É nas bem-aventuranças que o homem
encontra o sentido e o objetivo da vida. A liberdade só atinge sua
perfeição quando está ordenada para Deus, seu bem último. Quanto mais
praticar o bem e a virtude, mais livre a pessoa será. Enquanto as
paixões nos dominarem, não seremos livres e felizes. Enquanto o espírito
do homem for escravo da sua carne e da sua sensibilidade, este ainda
não será livre. Ainda viverá se arrastando pela vida.
“É para a liberdade que Cristo nos
libertou” (Gal 5,1), nos ensina São Paulo; e esta liberdade custou o
sangue do Cordeiro de Deus na cruz, para destruir a causa da nossa
escravidão; isto é, o pecado. E o apóstolo diz:
“Ficai, portanto, firmes e não vos submetais outra vez ao jugo da escravidão” (Gl 5,1-2).
Aceitemos “morrer” para nós mesmos, pela
cruz, a fim de que possamos ser livres em Jesus. Quando o Senhor manda
tomar a nossa cruz, “a cada dia”, e segui-lo, é sinal inequívoco de que é
esta cruz que nos salva. Todos os santos se santificaram pela cruz. Não
há como abraçar o Cristo sem abraçar a cruz, mas também não se pode
abraçar a cruz sem o Cristo. Se por um lado a cruz de cada dia nos
liberta, por outro lado, sem o Cristo, esta cruz nos leva ao desespero.
Não se pode separar Cristo da Cruz. Ambos nos são indispensáveis para a
salvação.
A cruz de “cada dia” nos liberta de todas
as más inclinações, “a concupiscência da carne, a concupiscência dos
olhos e a soberba da vida” (1 Jo 2,16), e de todo o mal que há no
interior dos corações : “maus pensamentos, devassidões, roubos,
assassinatos, adultérios, cobiças, perversidades, fraudes,
desonestidade, inveja, difamação, orgulho e insensatez” (Mc 7,21-23), e
que torna o homem impuro.
Só a cruz e a “morte” do próprio eu,
sobre ela, podem nos libertar das garras do pecado. É por isso que,
pedagogicamente, o Senhor nos dá a “honra” de carregar, também nós, a
sua cruz. E ninguém está dispensado desta missão sobre a terra. É por
amor a Cristo que carregamos com Ele a cruz, seguindo-o, a cada dia, sem
desespero, tristeza e lamúria.
São João da Cruz afirmava que “quem não busca a cruz de Cristo não busca a sua glória”.
Mas por que temos tanta repugnância da
cruz? Porque resistimos à cruz de “cada dia”: as ofensas, as
incompreensões, o cansaço, o trabalho, a doença, as contrariedades, os
acidentes, a morte…? É porque ainda não experimentamos todo o seu poder
salvífico. Aqueles que conheceram esse valor a desejaram como um
verdadeiro dom de Deus.
A cruz nos desespera quando ela está sem o
Cristo; isto é, sem a sua graça e sem a fé. É Ele que nos dá força,
compreensão, alegria, paz, paciência e resignação para levar a cruz, a
cada dia. Portanto, a grande lição da Paixão e Morte do Senhor, é a de
que devemos amar e abraçar a cruz; mas não apenas a cruz de madeira que
se ergue em cada lugar, mas “a minha cruz”, aquela que o Senhor dá “a
cada dia”, para a minha santificação (Heb 12,10). O livro dos Provérbios
nos ensina:
“Filho meu, não desprezes a correção do
Senhor. Não desanimes quando repreendido por ele; pois o Senhor corrige a
quem ama e castiga todo aquele que reconhece por seu filho” (Prov. 3,11
s).
Dizemos ao Pai, todos os dias, na oração
do Pai-Nosso: “Seja feita a Vossa vontade”; e no entanto, muitas vezes,
quando Ele nos apresenta a cruz de cada dia, nos rebelamos, revoltamos e
perdemos a paz. Esta atitude não está de acordo com nossa fé.
Aceitemos, na fé, toda a vontade de Deus.
Prof. Felipe Aquino
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