O caminho do Senhor para o calvário é caminho de fidelidade e não de sofrimento pelo prazer de sofrer. Numa piedade desfigurada muitos o entendem como um trajeto de dor, tristeza, abandono, desolação. Tudo gira em torno do sofrimento cruento, parece que há necessidade do espetáculo sanguinário para que a fé se estabeleça. Quanto mais violência, mais se acreditará. Parece que o objetivo é testar o quanto Deus, em seu filho Jesus, resiste. Se for um Deus forte, ele vai suportar o mundo que desaba sob o peso de muitas chicotadas que, com toda a violência, lhe desfiguram o corpo. Muitos filmes ganham fama por apresentarem o calvário como um caminho de carnificina humana. Mas, o caminho do calvário trilhado por Jesus Cristo não tem importância só pela violência: o que se deve contemplar é o gesto, a entrega, o amor que ali se manifesta. Uma visão distorcida faz a fé parecer sedenta de sangue, de dor e sofrimentos sem sentido. O calvário não estava nos planos de Deus. Foi um caminho construído por nós, homens de má vontade. Homens que detestam amar, onde qualquer mudança que possibilite o bem de todos é vista como um empecilho para a ordem e o progresso, homens afetados pelo mal em seu maior grau. Meditando essa verdade Jurgen Bultmann escreve: “O caminho do calvário e a cruz são as respostas do mundo ao amor cristão”. Diante de um amor que renova todas as coisas; que possibilita uma vida mais saudável e alegre; onde todos podem se relacionar como irmãos que se querem bem; relações que permitam a vivência da paz e prática da justiça; espaços onde a vida, mesmo com suas limitações, é festejada; diante de um amor que exige novo jeito de pensar a própria vida, e a vida em relação aos outros irmãos, os poderosos do mundo oferecem como resposta a humilhação, a perseguição e a condenação. O calvário é oferta/escravidão de um mundo, ou melhor, de homens que estão fechados à conversão. Corações que se tornam impenetráveis. Corações de pedra que preferem matar a renovar suas vidas. Não é possível crer que Deus quisesse a morte de seu Filho: um pai que ama jamais aceitaria isso. Quem viveria sua vida por um Deus que mata o próprio filho? Creio que ninguém. Jesus, portanto, não buscou a morte. Esta lhe foi imposta por uma situação estrutural que se criara. A morte foi conseqüência de sua fidelidade ao Pai. Ele não a buscou e nem a quis. Aceitou-a não com impotente resignação e soberano estoicismo, mas como uma pessoa livre que se sobrepõe à dureza da necessidade. Não deixa que lhe tomem a vida, pois ele mesmo, livremente, a dá do mesmo modo como se entregou a nós durante sua vida terrena. O caminho do calvário é uma oferta de amor, resultado de uma vida toda ofertada, simplesmente, por amor. Deus aceita a cruz de Jesus porque é oferta de amor por nós É preciso guardar em nosso coração: “Deus não suporta o sofrimento, mas o assume porque ama”. Podemos dizer que o caminho para o calvário, que levou Jesus Cristo à crucifixão, é a revelação da Cristologia da Solidariedade: Cristo está conosco, especialmente com os abandonados, os sem-rosto, os não-pessoas, os renegados pela história. O amor que se revela no caminho do calvário não é o amor à beleza e ao brilho, o gosto pelo espetáculo. O caminho que leva Jesus à cruz contém uma decisão própria: seu amor ativo pelos sofredores transforma-se em seu amor de sofrimento pelos que sofrem. Não podemos querer entender a sua “obediência a Deus no sofrimento” somente como imolação pelos pecados do mundo, mas sobretudo como sua dedicação sem medida aos abandonados, até às últimas conseqüências. Assim, em Jesus manifesta-se um amor divino, como afirma Ernest Bloch, “antes não imaginado em nenhum outro Deus”. O caminho do calvário é revelador de nosso Deus que, ao se manifestar na entrega de Jesus à morte, nos coloca diante de um amor não simplesmente apaixonado, mas também é capaz de suportar o destino da morte. Deus não queria a morte de Cristo. Queria sua fidelidade até o fim que ele lhe oferecia. A fidelidade pode implicar na morte. O caminho do calvário está inserido numa estrutura ambígua do mal e do bem. De um lado, apresenta a maldade dos homens que, sem dó e sem compaixão, levam suas vítimas até a dolorosa cruz; de outro, o caminho do calvário se torna símbolo de um amor mais forte do que a morte. Para viver este amor Jesus não voltou atrás, não quis perder a fidelidade incondicional ao Pai. Assumiu tal caminho não como um fardo do qual não podia se libertar e sim, assumiu-o na liberdade fruto da fidelidade de sua missão vivida até a radicalidade. Jesus só assumiu o sofrimento presente no caminho do calvário porque amava com total doação. Hoje existem os calvários para trilharmos sozinhos ou com os outros. Calvários com nomes definidos: dependências em suas diferentes formas: drogas, afetos, sexo, trabalho, internet e outras tantas; depressões; falta de reciprocidade nas relações; consumismo obsessivo – compulsivo; medo de ficar totalmente só; a fome que mata milhões; as alterações climáticas e suas conseqüências diretas na vida de toda humanidade; a falta de compromisso e seriedade de pessoas públicas; o mercado religioso que “vende Deus” como um objeto de consumo; a falta de compaixão, amor e respeito no cotidiano de nossas vidas, de nossa história. Calvários do nosso tempo, de nossos dias. Calvários que fazem vítimas os inocentes, muitos sofrimentos na caminhada, não podemos negar essa verdade. Mas, somente teremos coragem de enfrentá-los quando estivermos convencidos de que o sofrimento só vale quando a causa for justa. E haverá causa mais justa e nobre do que o amor-doação? Se o caminho do calvário nos apresenta o sofrimento, nós, a ele, ofereceremos o amor. | ||
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quarta-feira, 4 de abril de 2012
O CAMINHO DO CALVÁRIO: UMA OFERTA DE AMOR
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