quarta-feira, 24 de agosto de 2011

AS MULHERES CHEGARAM À FRENTE!


A vida histórica de Cristo sempre esteve envolvida pelo mistério da presença das mulheres. Elas chegaram à frente!. Apesar da cultura machista, muitas vezes acusada, com razão, de desvalorizar e desprestigiar a figura feminina, elas estão num plano superior ao dos homens quando olhamos para o início do papel que lhe coube na história da salvação. Criados à imagem e semelhança divinas, homem e mulher, cada um na sua singularidade, participam de todos os dons espirituais que Deus lhes dispensa no processo salvador da encarnação de seu divino Filho.

Por conta do preconceito e da confusão gerada pela dificuldade de compreendermos o alcance do significado do termo “homem”, enquanto um terno genérico para o que entendemos por “homem e mulher”, isto é, a nossa humanidade, de uns tempos para cá, instaurou-se o problema, suscitado pelas feministas, de que, para combater o machismo, agora, os gêneros dos dois sexos devem ser colocados lado a lado, como por exemplo, no discurso: “prezado pai e prezada mãe!”. Dizer apenas “prezados pais” descaracteriza ou relega a importância de um dos dois ao desprezo da cultura machista ou feminista. Penso que são complicações desnecessárias ao respeito devido a todos. Pelos menos, até onde sei, os gramáticos ainda não definiram novas regras gramaticais que contemplem a possibilidade de desfazer a beleza estética quando temos de ler citações do tipo “dos/as excluídos/as”, “os/as alunos/as”. Assim como o terno homem engloba o gênero humano, isto é, homem e mulher, preocupações desse tipo deveriam ser superadas pela elasticidade criativa de nossa mentalidade. Quando, por exemplo, eu afirmo que “as mulheres chegaram à frente”, não estou querendo dizer que os homens ficamos para trás. Muito pelo contrário, quando eu afirmo “mulheres”, faço referência ao gênero humano, à nossa humanidade, enfim, a todos nós.
Vasculhando o vocabulário do Antigo Testamento, encontramos o termo hebraico ’ādām, que significa “homem, a espécie humana; humano, alguém; Adão (o primeiro homem)”. Assim, “esta palavra se liga com o fato de o homem ter sido feito à imagem de Deus, a coroa da criação. Deve ser distinta de ’ish (homem em contraste com a mulher, ou distinto por sua masculinidade) [...]. É também usado no título ‘’ab ‘adam’, ‘pai da espécie humana’. ’ādām aparece unicamente no absoluto singular em suas 562 ocorrências” no AT. Essa concepção bíblica do homem, evidentemente, envolve também a figura da mulher, pelo fato de ambos serem dotados de alma ou espírito, capacidade ou faculdades físicas, integridade intelectual e moral, corpo e domínio sobre a criação inferior, isto é, sobre os outros seres limitados à sua irracionalidade. Portanto, “é significativo o fato de que as primeiras palavras de Deus ao homem são tanto um mandamento como uma proibição (Gn 2,16-17); somente o homem é responsável por sua decisão, somente ele determina o seu destino por meio de uma escolha volitiva [relativo à volição, à vontade] e apenas ele é julgado como justo ou pecador pela lei de Deus.
Uma teologia bíblia mais antiga sustenta que a ‘semelhança divina refere-se antes à dignidade total do homem em virtude da qual a natureza humana é nitidamente distinta da natureza dos animais; o homem, como ser livre, está acima da natureza, e foi criado para manter comunhão com Deus e para ser seu representante na terra [que responsabilidade!!]’ (Oehler, G. F., Old testamente theology)”.

Feitas as sobreditas considerações, é, pois, nessa consciência e perspectiva que eu me permito falar da festa da assunção de Nossa Senhora, celebrada no Brasil, no domingo imediatamente seguido ao dia 15 de agosto. Depois de Cristo, somente sua mãe já participa da glorificação de seu como no céu, aonde ela subiu – foi elevada – em corpo e alma. A humanidade de Maria já participa da gloriosa ressurreição de seu divino Filho. E essa realidade da plenitude do mistério de nossa salvação em Cristo, é para todos nós, homens e mulheres. Ou seja: todos podemos encontrar-nos em Maria. Ela é a síntese da nossa vida futura, enquanto mérito da Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo, de cujos frutos espirituais ela é a primeira a participar plenamente. De fato: “Nas homilias e orações para o povo na festa da Assunção da Mãe de Deus, os santos padres e grandes doutores dela falaram como de uma festa já conhecida e aceita. Com a maior clareza a expuseram; apresentaram o seu sentido e conteúdo com profundas razões, colocando especialmente em plena luz o que esta festa tem em vista: não apenas que o corpo morto da Santa Virgem Maria não sofrera corrupção, mas ainda o triunfo que ela alcançou sobre a morte a e sua celeste glorificação, a exemplo de seu Unigênito, Jesus Cristo” (Papa Pio XII, Constituição Apostólica Munificentíssimus Deus, 1950). E o Papa Pio XII continua: “São João Damasceno, entre todos o mais notável pregoeiro desta verdade da tradição, comparando a Assunção em corpo e alma da Mãe de Deus com seus outros dons e privilégios, declarou com vigorosa eloquência: ‘Convinha que aquela que guardara ilesa a virgindade no parto, conservasse seu corpo, mesmo depois da morte, imune de toda corrupção. Convinha que aquela que trouxera no seio o Criador como criancinha fosse morar nos tabernáculos divinos. Convinha que a esposa, desposada pelo Pai, habitasse na câmera nupcial dos céus. Convinha que, tendo demorado o olhar em seu Filho na cruz e recebido o peito a espada da dor, ausente no parto, o contemplasse assentado junto do Pai. Convinha que a Mãe de Deus possuísse tudo o que pertence ao Filho e fosse venerada por toda criatura como mãe e serva de Deus’”.
As palavras do Santo Padre revelam-nos a grandeza do mistério da humanidade de Maria resplandecente de glória e beleza ao lado de seu Filho nos céus, onde todos queremos encontrar-nos um dia, participando dos bens eternos de Cristo. Essa é a fé da Igreja e nossa bendita esperança!.

Considerando que Maria está misteriosamente ligada ao seu Filho desde toda a eternidade, “pelo mesmo desígnio de predestinação, a augusta Mãe de Deus, imaculada na concepção, virgem inteiramente intacta na divina maternidade, generosa companheira do divino Redentor, que obteve pelo triunfo sobre o pecado e suas consequências, ela alcançou ser guardada inume da corrupção do sepulcro, como suprema coroa dos seus privilégios. Semelhantemente a seu Filho, uma vez vencida a morte, foi levada em corpo e alma à glória celeste, onde rainha, refulge à direita do seu Filho, o imortal rei dos séculos” (Papa Pio XII). Tendo Cristo como “o imortal rei dos séculos”, todos pertencemos à sua mesma imortalidade, cuja plenitude viveremos no céu. Em Maria, sua Mãe Santíssima, as mulheres chegaram à frente, e, com ela, toda a nossa humanidade.

A história da salvação é o profundo mistério da manifestação radical do amor de Deus por todos os homens. Ou seja: “a queda tornou inferior a posição do homem diante de Deus (Gn 6,5-6; 8,21), interrompeu sua comunhão com Deus e trouxe a maldição da morte sobre ele de modo que não cumpriu sua exaltação planejada para o homem. Tal parte da imagem divina que consistia em conhecimento, justiça e santidade verdadeiros foi destruída. Somente Cristo e por meio dele, o novo Adão (Rm 5,12-21), é que a promessa divina original pode ser concretizada”. Maria, a mãe de Jesus, que não foi tocada pela maldade do pecado, tem o privilégio de ser a motivação de nossa esperança. De fato, olhado para Maria, contemplamos nossa vida futura na glória de Deus, mesmo sendo Cristo Ressuscitado a fonte e o modelo da glória que nos espera.

Gostaria de concluir a reflexão com um pensamento e uma oração de Martinho Lutero:
“Ela [Maria] quer ser o maior exemplo da graça de Deus para poder incitar-nos a todos a termos confiança e a louvarmos a graça divina. Todos os corações deveriam, através dela, adquirir tal confiança que pudessem dizer: Deus não nos desprezará, mas olhará benignamente para nós, homens pobres e mesquinhos… Ó bem-aventurada Virgem, Mãe de Deus, que grande consolação nos mostrou em ti! Tendo Ele olhado com tanta graça para a tua humildade e nulidade, recorda-nos assim que Ele não desprezará, mas olhará graciosamente para nós, homens pobres, que seguimos o teu exemplo…” Amém!.

 

por Pe. GILVAN Rodrigues dos Santos
Pós-graduado em Didática e Metodologia do Ensino Superior pela FSLF, professor de Sagrada Escritura, chanceler do Arcebispado de Aracaju, membro da ASI (Associação Sergipana de Imprensa) e escritor.

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