Primeira leitura: Deuteronômio 5, 12-15
Leitura do livro do Deuteronômio:
Assim fala o Senhor: 12'Guarda o dia de sábado, para o santificares,
como o Senhor teu Deus te mandou. 13Trabalharás seis dias e neles farás
todas as tuas obras. 14O sétimo dia é o do sábado, o dia do descanso
dedicado ao Senhor teu Deus. Não farás trabalho algum, nem tu, nem teu
filho, nem tua filha, nem teu escravo, nem tua escrava, nem teu boi, nem
teu jumento, nem algum de teus animais, nem o estrangeiro que vive em
tuas cidades, para que assim teu escravo e tua escrava repousem da mesma
forma que tu. 15Lembra-te de que foste escravo no Egito e que de lá o
Senhor teu Deus te fez sair com mão forte e braço estendido. É por isso
que o Senhor teu Deus te mandou guardar o sábado.
- Palavra do Senhor
- Graças a Deus
Salmo 80 (81)
- Cantai salmos, tocai tamborim, harpa e lira suaves tocai! Na lua nova soai a trombeta, na lua cheia, na festa solene!
R: Exultai no Senhor, a nossa força!
- Porque isto é costume em Jacó, um preceito do Deus de Israel; uma lei que foi dada a José, quando o povo saiu do Egito.
R: Exultai no Senhor, a nossa força!
- Eis que ouço uma voz que não conheço: 'Aliviei as tuas costas de seu
fardo, cestos pesados eu tirei de tuas mãos. Na angústia a mim clamaste,
e te salvei.
R: Exultai no Senhor, a nossa força!
- Em teu meio não exista um deus estranho nem adores a um deus
desconhecido! Porque eu sou o teu Deus e teu Senhor, que da terra do
Egito te arranquei.
R: Exultai no Senhor, a nossa força!
Segunda leitura: Coríntios 4, 6-11
Leitura da segunda carte de São Paulo aos Coríntios:
Irmãos: 6Deus que disse: 'Do meio das trevas brilhe a luz', é o mesmo
que fez brilhar a sua luz em nossos corações, para tornar claro o
conhecimento da sua glória na face de Cristo. 7Ora, trazemos esse
tesouro em vasos de barro, para que todos reconheçam que este poder
extraordinário vem de Deus e não de nós. 8Somos afligidos de todos os
lados, mas não vencidos pela angústia; postos entre os maiores apuros,
mas sem perder a esperança; 9perseguidos, mas não desamparados;
derrubados, mas não aniquilados; 10por toda parte e sempre levamos em
nós mesmos os sofrimentos mortais de Jesus, para que também a vida de
Jesus seja manifestada em nossos corpos. 11De fato, nós, os vivos, somos
continuamente entregues à morte, por causa de Jesus, para que também a
vida de Jesus seja manifestada em nossa natureza mortal.
- Palavra do Senhor
- Graças a Deus
Evangelho de Jesus Cristo segundo São Marcos 2, 23-3,6
- Aleluia, Aleluia, Aleluia.
- Vossa Palavra é a verdade; santificai-nos na verdade;
Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo São Marcos:
23Jesus estava passando por uns campos de trigo, em dia de sábado. Seus
discípulos começaram a arrancar espigas, enquanto caminhavam. 24Então os
fariseus disseram a Jesus: 'Olha! Por que eles fazem em dia de sábado o
que não é permitido?' 25Jesus lhes disse: 'Por acaso, nunca lestes o
que Davi e seus companheiros fizeram quando passaram necessidade e
tiveram fome? 26Como ele entrou na casa de Deus, no tempo em que Abiatar
era sumo sacerdote, comeu os pães oferecidos a Deus, e os deu também
aos seus companheiros? No entanto, só aos sacerdotes é permitido comer
esses pães'. 27E acrescentou: 'O sábado foi feito para o homem, e não o
homem para o sábado. 28Portanto, o Filho do Homem é senhor também do
sábado'. 3,1Jesus entrou de novo na sinagoga. Havia ali um homem com a
mão seca. 2Alguns o observavam para ver se haveria de curar em dia de
sábado, para poderem acusá-lo. 3Jesus disse ao homem da mão seca:
'Levanta-te e fica aqui no meio!' 4E perguntou-lhes: 'É permitido no
sábado fazer o bem ou fazer o mal? Salvar uma vida ou deixá-la morrer?'
Mas eles nada disseram. 5Jesus, então, olhou ao seu redor, cheio de ira e
tristeza, porque eram duros de coração; e disse ao homem: 'Estende a
mão'. Ele a estendeu e a mão ficou curada. 6Ao sairem, os fariseus com
os partidários de Herodes, imediatamente tramaram, contra Jesus, a
maneira como haveriam de matá-lo.
- Palavra da Salvação
- Glória a Vós, Senhor
No Evangelho de hoje, Cristo está em polêmica com os fariseus a
respeito do sábado. São duas cenas diferentes. Na primeira, os
discípulos colhiam espigas, e Jesus, vendo-os serem censurados pelos
fariseus por trabalharem no sábado, diz: “O sábado foi feito para o
homem, e não o homem para o sábado”. Na segunda, um homem de mão seca
apresentou-se na sinagoga em dia de sábado, e o Senhor curou-lhe a mão
na presença de todos. Então, a partir daquele momento, os fariseus e os
partidários de Herodes começaram a planejar uma forma de matar Jesus.
Eis, em resumo, o Evangelho deste domingo.
Antes de abordar a controvérsia sobre o sábado, lembremos que os milagres de Nosso Senhor não são nunca obras de diletantismo, nem se ordenam exclusivamente a devolver o bem-estar físico a esta ou àquela pessoa. Em verdade, Cristo fez milagres pensando em nós, consciente de que, dois mil anos mais tarde, meditaríamos a cura do homem de mão seca, por exemplo. Esse milagre tem de ser uma luz que ilumine os nossos passos e uma verdadeira cura, porque também nós temos a mão seca e precisamos recuperar a saúde espiritual. Em outras palavras, Jesus realizou milagres, de fato; mas Ele também os fazia, entre outros motivos, para suscitar nos fiéis, ao longo dos séculos, a fé e a compreensão de seus desígnios de amor.
Pois bem, é sábado, dia de cessar o trabalho, um preceito que os judeus observavam com o máximo rigor, como fazem até hoje. Um judeu não pode, por exemplo, apertar um interruptor de lâmpada aos sábados. Na sexta-feira à noite, passa-se pela casa apagando as luzes que devem ser apagadas e acendendo as que ficarão acesas durante o dia seguinte. Com o início do shabāt, isto é, ao despontar da primeira estrela na noite de sexta, o judeu já não pode tocar no interruptor. A comida, por sua vez, é preparada na sexta-feira e fica à disposição num rechaud, em banho-maria, durante o sábado inteiro.
Nosso Senhor olhou para tal situação e viu muito mais, viu além, viu que, nessa forma de viver a Lei de Moisés, havia certa incapacidade de realizar obras de santidade. Incapacidade de amar, eis a nossa maior miséria. Por mais que nos achemos bons católicos, a verdade é que, na raiz do nosso ser, não somos capazes de amar. A única oração que com sinceridade podemos fazer é: “Jesus, se depender de mim, somente de mim, eu não vos amo, eu não me amo, eu não amo ninguém”.
Esse ato de humildade tem de ser feito por todos. Somos o homem de mão seca, ou seja, de coração incapaz de realizar a obra do amor. No entanto, escondemos a mão quando vamos rezar. Apresentamo-nos a Deus de cara bonita: “Ó Jesus, eu vos amo! Ó Jesus, vós sois tudo para mim”, mas verdade é que essas palavras, se forem verdadeiras, não o são por sermos capazes de amar, mas porque Jesus nos deu uma graça especial. Abandonados a nós mesmos, temos a mão seca para as obras da salvação.
Diz Jesus no Evangelho: “Levanta-te e fica aqui no meio”. O homem estava escondido a um canto, talvez por vergonha de sua mão. É o que todos nós fazemos. Pretendemos ocultar de Deus nossos defeitos. Queremos maquiar-nos e apresentar-nos de máscara, com juras de amor como as de São Pedro na Última Ceia: “Senhor, eu darei minha vida por ti. Irei até a morte”.
Mas Jesus, que conhece o íntimo dos corações, sabe-nos incapazes. “Darás a vida por mim?” responde Ele a Simão; “na verdade, eu te digo que ainda hoje me negarás três vezes”. Se era verdade para Pedro, também o é para nós. Todos, quando vamos à igreja fazer nossas declarações de amor e de entrega, agimos como Pedro, sem nos darmos conta de que, sem a graça, nada nos é possível. Não adianta dizer: “Iremos até a morte por Jesus”. Sem o auxílio divino, quando nos encontramos numa encruzilhada acabamos nos acovardando e traindo Jesus. Por isso nós precisamos ter vida de oração. Esse é o verdadeiro espírito do sábado.
Com efeito, o 3.º Mandamento é menos sobre o descanso que sobre a vida de oração. O descanso sabático, sim, é importante; mas dedicar tempo a Deus, mais do que um dever semanal, é uma necessidade diária. Deveríamos procurar recolher-nos todos os dias num momento de oração íntima, colocando-nos na presença de Jesus sem máscaras, tais quais somos, com a nossa incapacidade de amar. Como mendigos da graça divina, precisamos dizer: “Senhor, eu não vos amo, mas não quero morrer assim. Fazei, Senhor, com que eu vos ame. Dai-me, Senhor, a vossa graça. Eis-me aqui, mendigo da vossa bondade. Tende compaixão de mim. Olhai a minha mão seca e a dureza do meu coração”.
Sim, Jesus olha para a dureza do nosso coração. Se lermos atentamente o Evangelho de hoje, iremos notar que, no versículo 5 do capítulo 3, São Marcos, como sempre, descreve a psicologia de Jesus. Essa, aliás, é uma das características do Evangelho de Marcos, rico em vislumbres da intimidade de Cristo, dos movimentos do seu Coração, das suas paixões humanas, do seu amor também humano, expressão do amor divino. Diz, pois, São Marcos que, ao chamar para o centro da sinagoga o homem de mão seca, Jesus perguntou aos circunstantes: “É permitido no sábado fazer o bem ou fazer o mal? Salvar uma vida ou deixá-la morrer?” Como nada dissessem, Jesus “olhou ao seu redor, cheio de ira e tristeza, porque eram duros de coração”.
Mostremos ao Senhor o nosso coração como ele é. Deixemos que Ele seja o médico de nossas almas. Jesus é observador. Ele viu a mão seca de um, mas a dureza de coração de muitos, expressão que traduz o grego ‘πώρωσις [pōrōsis]’, que quer dizer “calejado”. Trata-se de um termo médico para designar a pele grossa e insensível, como a de uma mão calejada que nada sente. Os fariseus, obstinados na soberba, eram insensíveis. Tinham o Mestre presente, Deus lhes falava diretamente, mas em vão. Eles ‘πωρώσει τῆς καρδίας [pōrōsei tēs kardias]’, tinham um coração calejado. Eram, por assim dizer, “paquidermes cardíacos”.
Ora, o endurecimento do coração, em geral, não começa por pura maldade, mas como mecanismo de autoproteção. Religiosos, os fariseus observavam o sábado e faziam suas orações; porém, foram-se revestindo de uma pele grossa que impedia esses atos aparentemente bons de surtirem efeito. Por quê? Porque quem se põe a rezar precisa, antes de se encontrar com Deus, encontrar-se consigo mesmo. Por não fazerem isso, muitos fiéis rezam distraídos, dispersos, agitados. O problema, aqui, não está em se encontrar com Deus, mas em não querer encontrar-se consigo, porque isso faz sofrer.
Dói olhar para si mesmo, e a vida de oração, querendo ou não, é como um ovo. Dentro da casca, a gema é envolvida pela clara; de modo que, para chegar ao núcleo, que é a gema, é preciso atravessar tanto a casca quanto a clara. A gema representa quem? O próprio Deus, com quem nos encontramos. No entanto, para alcançar a gema, devemos atravessar a casca e clara, que simbolizam nossas paixões e angústias.
A oração exige atravessar a casca do ovo (a calosidade do coração, a carapaça de autoproteção de quem não quer que Deus adentre) e a clara (tudo o que nos impede de nos encontrarmos com o nosso verdadeiro eu). Por isso, o primeiro ato a ser feito antes de rezar é de humildade: “Jesus, vós sabeis tudo. Vós sabeis que vos amo, mas que vos amo com um amor miserável, egoísta. Não vos amo de verdade. Jesus, meu amor é interesseiro, covarde e sem fibra, é inconstante e é volúvel, mas o vosso é tão grande!… Olhai, Senhor, para o meu coração insensível e penetrai-o, Senhor, mesmo que isso me vá causar sofrimento. Sim, Senhor, porque eu quero vos amar, nem posso viver sem vos amar”.
Guardar o sábado é isso. Sim, como Jesus ressuscitou no domingo, os fiéis substituíram o sábado pelo domingo. Trata-se de um costume antiquíssimo e universal. Daí que a esmagadora maioria dos cristãos siga até hoje o que é atestado pelo Novo Testamento: os discípulos se reuniam no dia do Senhor (cf. At 20,7; Ap 1,10 etc.). O espírito da observância do domingo é a oração, a necessidade de se encontrar com Deus para estar com Ele. Ora, como rezar sem ter a coragem do encontro, a coragem de estar com Jesus e de se encontrar consigo mesmo?
Muitos se queixam de não conseguir rezar exatamente por conta das tribulações. Poderíamos dizer que nós, cristãos, vivemos o que se diz na Segunda Leitura de hoje, da Segunda Carta de São Paulo aos Coríntios:
Somos afligidos de todos os lados, mas não vencidos pela angústia; postos entre os maiores apuros, mas sem perder a esperança; perseguidos, mas não desamparados; derrubados, mas não aniquilados; por toda parte e sempre levamos em nós mesmos os sofrimentos mortais de Jesus, para que também a vida de Jesus seja manifestada em nossos corpos (2Cor 4, 8ss).
Quantos de nós podem fazer o desabafo: “Somos afligidos… somos postos entre os maiores apuros… somos perseguidos… somos derrubados… levamos os sofrimentos mortais de Jesus”! Sim, é verdade; mas se você, ao colocar-se diante de Deus em oração, tiver a coragem de se encontrar consigo mesmo, poderá compreender o que diz São Paulo também nessa carta: “Trazemos esse tesouro” da graça divina “em vasos de barro, para que todos reconheçam que esse poder extraordinário vem de Deus, e não de nós” (v. 7).
Sem a graça de Deus, temos todos a mão seca, somos incapazes de amar. Foi o que dissemos na sequência de Pentecostes duas semanas atrás: “Sem a luz que acode, nada o homem pode, nenhum bem há nele”, — “Sine tuo numine, nihil est in homine, nihil est innoxium”. Nada o homem pode. Não somos capazes de fazer absolutamente nada, por isso somos mendigos da graça.
O Evangelho deste domingo exorta-nos a nos apresentarmos corajosamente diante do Senhor. Saia do canto, venha para o centro e coloque-se diante dele. Mostre-lhe a mão seca; se não o fizer, Cristo olhará para você com ira e tristeza, por vê-lo preferir, à cura do coração, a carapaça de uma pele grossa que não se deixa atingir.
Venha para o centro e coloque-se diante de Jesus. Mesmo que você esteja aflito, venha e coloque suas aflições diante dele, para não ser vencido pela angústia. Mesmo que você esteja nos maiores apuros, venha e coloque esses apuros diante dele, para não perder a esperança. Mesmo que você esteja sendo perseguido, venha e coloque essa perseguição junto de Cristo, e você não será desamparado. Podemos, enfim, até estar derrubados; mas não seremos aniquilados, se tivermos a coragem de rezar e de viver verdadeiramente o dia do Senhor, um dia, sim, dedicado a Ele, mas que se estende a toda a semana na oração que fazemos recolhidos, na intimidade do amor a Deus.
Faça, pois, o sério propósito de não deixar passar um só dia sem verdadeira oração de intimidade com Jesus. Não lhe esconda a mão seca. Venha para o meio, e Ele irá curá-lo.
https://padrepauloricardo.org
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