quarta-feira, 12 de abril de 2017

FORA DA IGREJA EXISTE SALVAÇÃO?

Um texto esclarecedor para responder às dúvidas dos nossos leitores sobre pessoas que se convertem ao cristianismo, mas dentro de outras religiões.

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O tema da necessidade da Igreja para a salvação é bastante espinhoso, sendo considerado por alguns um dos assuntos mais angustiantes de toda a eclesiologia.Contudo, mesmo sendo difícil pregar essa verdade a um mundo dominado pelo indiferentismo religioso, não podemos simplesmente dar de ombros e abdicar o seu anúncio, sob o risco de trairmos os mártires e os missionários cristãos, que deram a própria vida para testemunhar a única e verdadeira fé católica.Assista a este episódio de nosso programa “Ao vivo com Padre Paulo Ricardo” e descubra o que significa o antigo axioma segundo o qual “fora da Igreja não há salvação”.

Um axioma católico antigo diz que “extra Ecclesiam nulla salus – fora da Igreja não há salvação”. Pregar essa verdade a um mundo dominado pelo indiferentismo religioso pode não ser coisa fácil, mas, como ensina o Papa Paulo VI, “não minimizar em nada a doutrina salutar de Cristo é forma de caridade eminente para com as almas” [1]. Não se pode, em nome de uma malfadada referência à caridade cristã, abdicar o anúncio da verdade. Sem esta, de fato, não pode sequer haver autêntico amor, como preleciona Bento XVI: “Só na verdade é que a caridade refulge e pode ser autenticamente vivida” [2].
Sem dúvida, o tema da necessidade da Igreja para a salvação e da sua relação com as outras religiões é bastante espinhoso, sendo considerado por alguns um dos assuntos mais angustiantes de toda a eclesiologia.
Para buscar uma resposta, é importante, antes de qualquer coisa, observar a ação prática dos santos. Não é possível conciliar o indiferentismo religioso com a fé católica, pois foi justamente contra essa heresia que os primeiros mártires da Igreja ofereceram o seu testemunho de sangue: muitos deles poderiam ser salvos da degola, da cruz ou da boca do leão simplesmente jogando um punhado de incenso diante da imagem do Imperador. No entanto, eles sabiam que, se fizessem isso, estariam praticando um ato de idolatria. Renunciaram, então, a outras religiões; demonstraram, com a sua vida, que uma só é a religião verdadeira.
Do mesmo modo, não é possível conciliar o indiferentismo com a fé dos apóstolos, que atravessaram continentes e oceanos para anunciar o Evangelho aos pagãos; ou com a fé de São Francisco Xavier, que viajou ao Oriente para converter os povos que não conheciam a Cristo; ou com a fé dos missionários jesuítas, que evangelizaram o Novo Mundo a um alto custo, enfrentando desafios tremendos para trazer os povos indígenas à fé cristã. Todo o sacrifício dos missionários cristãos para evangelizar outros povos está fundado na convicção da necessidade da Igreja para a salvação dos homens.
Sugerir que a Igreja Católica está no mesmo nível de outras religiões ou que a salvação pode ser empreendida simplesmente por esforços humanos significa, portanto, não só caminhar na contramão dos santos, mas faltar à caridade com que Cristo amou a Sua Igreja e Se entregou por ela (cf. Ef 5, 25).
Antes de prosseguir ao que responde a doutrina católica à pergunta “Fora da Igreja existe salvação?”, é importante definir o que é a Igreja. Trata-se da continuação do mistério da encarnação de Cristo na história. De fato, as graças que Jesus conquistou para os homens na cruz podiam ser distribuídas:
“Diretamente por si mesmo a todo o gênero humano. [Ele] quis, porém, comunicá-las por meio da Igreja visível, formada por homens, a fim de que por meio dela todos fossem, em certo modo, seus colaboradores na distribuição dos divinos frutos da Redenção. E assim como o Verbo de Deus, para remir os homens com suas dores e tormentos, quis servir-se da nossa natureza, assim, de modo semelhante, no decurso dos séculos se serve da Igreja para continuar perenemente a obra começada” [3].
“O eterno pastor e guardião das nossas almas (cf. 1 Pd 2, 25), querendo perpetuar a salutar obra da redenção, resolveu fundar a santa Igreja, na qual, como na casa do Deus vivo, todos os fiéis se conservassem unidos, pelo vínculo de uma só fé e amor.” [4]
Quando Deus nos veio salvar em Jesus, havia um abismo entre Deus e o homem. Se esse abismo já existia pela própria natureza das coisas – Deus é Deus, e as criaturas são criaturas –, ele foi ainda mais aprofundado pelo pecado original. Sendo impossível que o homem superasse esse abismo, Deus fez-Se homem. Construiu, assim, o caminho inverso do da Torre de Babel. Enquanto neste, os homens tentavam edificar uma torre que atingisse os céus, naquele, foi o próprio Deus quem veio em socorro da fraqueza humana. Em Cristo estão unidas as duas naturezas: a divina e a humana – “sem confusão, sem mudança, sem divisão, sem separação” [5], como indica o Concílio de Calcedônia – e é justamente por ser homem e Deus que só Ele pôde e pode redimir o homem e levá-lo a Deus.
Para que o homem se salve, então, ele deve incorporar-se a Cristo, precisa entrar em seu Corpo, que é a Igreja (cf. At 22, 8; Rm 12, 5; 1 Cor 12, 12-30; Cl 1, 18). Infelizmente, no Brasil e no resto do mundo, tem sido divulgada a falsa ideia de que a Igreja Católica é uma instituição humana; alguns de nosso tempo, repetindo o erro de que “foi alheio à mente de Cristo constituir a Igreja como sociedade que devia durar sobre a terra por longo decurso de anos” [6], insinuaram que “a Igreja como instituição não estava nas cogitações do Jesus histórico” [7]. No entanto, esse tipo de pensamento não se coaduna com a doutrina católica.
A palavra definitiva da Igreja sobre esse assunto foi dada em 2000, na declaração Dominus Iesus, da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé:
“Antes de mais, deve crer-se firmemente que a ‘Igreja, peregrina na terra, é necessária para a salvação. Só Cristo é mediador e caminho de salvação; ora, Ele torna-se-nos presente no seu Corpo que é a Igreja; e, ao inculcar por palavras explícitas a necessidade da fé e do Batismo (cf. Mc 16, 16; Jo 3, 5), corroborou ao mesmo tempo a necessidade da Igreja, na qual os homens entram pelo Batismo tal como por uma porta’ [8]. Esta doutrina não se contrapõe à vontade salvífica universal de Deus (cf. 1 Tim 2, 4); daí ‘a necessidade de manter unidas estas duas verdades: a real possibilidade de salvação em Cristo para todos os homens, e a necessidade da Igreja para essa salvação’ [9].” [10]
Essas duas verdades – “a real possibilidade de salvação em Cristo para todos os homens, e a necessidade da Igreja para essa salvação” – parecem estar em contradição, a um primeiro olhar. Diante dessa tensão, o fiel católico não deve simplesmente aceitar uma verdade e negar a outra, mas abraçar as duas verdades. Caso contrário, envereda pelo caminho da heresia.
Nessa matéria, especificamente, é possível ir para dois extremos: o indiferentismo, que é a heresia que nega a necessidade da Igreja para a salvação; e o rigorismo, que nega que Deus queira que todos os homens se salvem. Ambas as posições já foram reiteradamente condenadas pelo Magistério da Igreja:
“… Entre as coisas que a Igreja sempre pregou e nunca deixará de pregar está também a afirmação infalível que nos ensina que ‘fora da Igreja não há salvação’.” [11]
Atente-se à palavra “infalível” no texto. A expressão “fora da Igreja não há salvação” não é uma mera opção “pastoral” da Igreja em um determinado momento da história, que ela pode abandonar a qualquer instante. Trata-se de um ensinamento constante do Magistério, retirado da Tradição – encontra-se em escritores como Inácio de Antioquia, Irineu de Lyon, Orígenes e Cipriano de Cartago –, afirmado pelo IV Concílio Lateranense [12] e reafirmado pelo Concílio de Florença [13], ensinamento “que a Igreja sempre pregou e nunca deixará de pregar”.
“Por isso, ninguém será salvo se, sabendo que a Igreja foi divinamente instituída por Cristo, todavia não aceita submeter-se à Igreja ou recusa obediência ao Romano Pontífice, vigário de Cristo na terra.”
“Ora, o Salvador não apenas ordenou que todas as nações entrassem na Igreja, mas ainda decidiu que a Igreja seria o meio de salvação sem o qual ninguém pode entrar no reino celeste.”
(…)
“Para que alguém obtenha a salvação eterna não é sempre necessário que seja efetivamente incorporado à Igreja como membro, mas requerido é que lhe esteja unido por voto e desejo.”
“Todavia, não é sempre necessário que este voto seja explícito como o é aquele dos catecúmenos, mas, quando o homem é vítima de ignorância invencível, Deus aceita também o voto implícito, chamado assim porque incluído na boa disposição de alma pela qual essa pessoa quer conformar sua vontade à vontade de Deus.” [14]
O que podemos dizer a partir desse documento (e de tantos outros sobre a Igreja)? As pessoas que forem salvas, serão salvas através da Igreja Católica. De que modo? Ou através da explícita e clara incorporação através do batismo, da profissão de fé e da submissão ao Romano Pontífice ou por outros meios que só Deus conhece. O que é claro é que a Igreja Católica será sempre o meio de salvação do homem. É possível expressá-lo com a fórmula negativa ” extra Ecclesiam nulla salus” (que equivale a dizer: “extra Christum nulla salus“), mas também com a fórmula positiva, preferida pelo Concílio Vaticano II, “sacramento universal da salvação” [15].
Suponha-se que um pagão, como Mahatma Gandhi, se tenha salvado. Como homem de boa vontade, ele salvou-se unido de alguma forma ao mistério da Igreja Católica. Isso é muito diferente de relativizar as coisas, como dizer que “qualquer religião salva” ou que “é importante é respeitar todas as religiões”. Com relação a essa última frase, urge fazer um adendo: não é verdade que todas as religiões mereçam respeito, em si mesmas. Essa fórmula vale para os seres humanos, mas não para tudo aquilo que eles fazem ou inventam. Não se pode, por exemplo, aprovar e respeitar: a religião asteca, que matava milhares de pessoas em sacrifício ao deus sol; ou a religião de Moloch, que sacrificava crianças; ou o satanismo, que diviniza a maldade. As outras religiões podem até possuir aspectos positivos, mas eles se devem à Igreja: tudo aquilo que é bom desejo humano, que é aspiração digna de respeito dirige-se à Igreja e dirige as pessoas ao redil de Pedro.
Essa doutrina está presente em muitos documentos da Igreja, mas pode ser resumida em um parágrafo, contido no Compêndio do Catecismo da Igreja Católica, n. 171:
171. Que significa a afirmação: ‘Fora da Igreja não há salvação’?
846-848

Significa que toda a salvação vem de Cristo-Cabeça por meio da Igreja, que é o seu corpo. Portanto não poderiam ser salvos os que, conhecendo a Igreja como fundada por Cristo e necessária à salvação, nela não entrassem e nela não perseverassem. Ao mesmo tempo, graças a Cristo e à sua Igreja, podem conseguir a salvação eterna todos os que, sem culpa própria, ignoram o Evangelho de Cristo e a sua Igreja mas procuram sinceramente Deus e, sob o influxo da graça, se esforçam por cumprir a sua vontade, conhecida através do que a consciência lhes dita.”

Recomendação

Filme “A Missão” [The Mission] (Roland Joffé, 1986). Retrata as dificuldades que os jesuítas enfrentaram para converter e proteger os povos indígenas no Brasil.

Referências

  1. Papa Paulo VI, Carta Encíclica Humanae Vitae (25 de julho de 1968), n. 29.
  2. Papa Bento XVI, Carta Encíclica Caritas in Veritate (29 de junho de 2009), n. 3.
  3. Papa Pio XII, Carta Encíclica Mystici Corporis (29 de junho de 1943), n. 12.
  4. Concílio Vaticano I, Constituição Dogmática Pastor Aeternus (18 de julho de 1870), n. 1 (DS 3050).
  5. Concílio de Calcedônia, 5ª sessão (22 de outubro de 451) (DS 302).
  6. Decreto do Santo Ofício Lamentabili, 3 de julho de 1907, n. 52. Cf. Denzinger-Hünnermann, n. 3452.
  7. BOFF, Leonardo. Igreja: carisma e poder. São Paulo: Ática, 1994, p. 133.
  8. Concílio Vaticano II, Constituição Dogmática Lumen Gentium (21 de novembro de 1964), n. 14.
  9. Papa João Paulo II, Carta Encíclica Redemptoris Missio (7 de dezembro de 1990), n. 9.
  10. Congregação para a Doutrina da Fé, Declaração Dominus Iesus (6 de agosto de 2000), n. 20.
  11. Carta do S. Ofício ao arcebispo de Boston (8 de outubro de 1949) (DS 3866).
  12. Cf. DS 802.
  13. Cf. DS 1351.
  14. Carta do S. Ofício ao arcebispo de Boston (8 de outubro de 1949) (DS 3867-3870).
  15. Concílio Vaticano II, Constituição Dogmática Lumen Gentium (21 de novembro de 1964), n. 48.


(via Pe. Paulo Ricardo)

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